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BRASIL

Caso Abin: as perguntas sem respostas sobre o monitoramento de celulares no governo Bolsonaro

As dúvidas abertas vão dos critérios empregados para definir alvos ao embasamento jurídico que respaldasse o trabalho dos agentes

Fachada do prédio da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em BrasíliaFachada do prédio da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em Brasília - Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

A revelação de que Agência Brasileira de Inteligência (Abin) operou um sistema secreto de monitoramento durante os três primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro levantou uma série de questionamentos.

Como o Globo mostrou nesta terça-feira, o órgão adquiriu uma ferramenta capaz de obter a localização de cidadãos em todo o território nacional por meio de seus telefones celulares. As dúvidas ainda abertas sobre o caso vão dos critérios empregados para definir alvos ao embasamento jurídico que respaldasse o trabalho dos agentes.

A plataforma permitia, sem qualquer protocolo oficial, acompanhar os passos de até 10 mil proprietários de aparelhos a cada 12 meses. Para isso, bastava digitar o número de um contato telefônico no programa e verificar em um mapa a última localização conhecida do dono do aparelho.

A ferramenta, chamada “FirstMile”, ofereceu à Abin a possibilidade de identificar a “localização da área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G”. Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o programa permitia rastrear o paradeiro de uma pessoa a partir de dados transferidos do celular para torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões. Com base no fluxo dessas informações, o sistema oferecia a possibilidade de acessar o histórico de deslocamentos e até criar “alertas em tempo real” de movimentações de um alvo em diferentes endereços.
 

A agência de inteligência comprou o software por R$ 5,7 milhões, com dispensa de licitação, no fim de 2018, ainda na gestão de Michel Temer. O sistema foi utilizado ao longo do governo Bolsonaro até meados de 2021.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou que a Corte de Contas abra uma investigação sobre o caso. O líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também disse que o parlamento deve apurar a compra da ferramenta. Já o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o uso do sistema será levado à Controladoria-Geral da União (CGU).

Veja, abaixo, algumas respostas que as diferentes frentes de apuração podem alcançar.

Quem foi monitorado?
Na prática, qualquer celular poderia ser rastreado pelo programa, com limite de 10 mil proprietários de aparelhos a cada 12 meses. Ao defender abertura de CPI, o líder do governo, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) falou que o primeiro passo é "checar quais foram os alvos".

Integrantes da Abin relatam que o mecanismo era usado sem a necessidade de registros sobre quais pesquisas eram realizadas. Na prática, qualquer celular poderia ser monitorado pelo programa sem uma justificativa oficial. A utilização da ferramenta gerou questionamentos internos no órgão, inclusive com relatos de sua utilização contra os próprios agentes. A polêmica resultou em um procedimento interno para apurar os critérios de utilização e a regularidade da contratação dessa tecnologia de espionagem.

Quem monitorou?
A CGU, que tem a função de acompanhar a execução de ações disciplinares, analisará se servidores estão envolvidos no manejo da ferramenta. Segundo um oficial da inteligência ouvido pelo GLOBO, o programa podia ser manejado “sem controle” e não era possível saber se foram feitos acessos indevidos.

Quais os critérios para a utilização?
Um integrante do alto escalão da Abin afirmou ao GLOBO, sob a condição de anonimato, que o sistema era operado sob a justificativa de haver um “limbo legal”. Ou seja, como o acesso a metadados do celular não está expressamente proibido na lei brasileira, a agência operava a ferramenta alegando serem casos de “segurança de Estado” — e, portanto, não estava quebrando o sigilo telefônico. Parlamentares pediram apuração diante da possibilidade de "uso pessoal da ferramenta".

Qual embasamento legal?
Especialistas questionam a utilização desse tipo de serviço pela Abin. A lei que regula a agência, de 1999, não prevê entre suas atividades o monitoramento de celulares nem a vigilância da geolocalização de determinados alvos. O órgão também não possui autorização legal para acessar dados privados e não esclareceu o monitoramento feito sem protocolo oficial.

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