Caso Marielle: cifra milionária, milícia e corrupção nas investigações são ditas por Ronnie Lessa
O assassino confesso da vereadora do PSOL e do motorista Anderson Gomes depôs na terça-feira, e volta a falar nesta quarta
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Assassino confesso da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, o réu colaborador e ex-sargento da PM Ronnie Lessa depôs no Supremo Tribunal Federal (STF), na quarta-feira.
Durante mais de quatro horas, ele falou sobre o crime, incluindo como as investigações foram arapalhadas por corrupção, segundo relatou.
O delator contou que Domingos e Chiquinho Brazão o contrataram para o homicídio da vereadora. Lessa afirmou que aceitou participar do crime pelo valor oferecido, numa promessa de que seria por volta de R$ 25 milhões. Ele volta a depôr nesta quarta-feira.
O valor, segundo contou Lessa, era referente a uma grande área entre Jacarepaguá e Praça Seca, junto ao Morro da Chacrinha, na Zona Oeste do Rio. As terras seriam o pagamento pelo crime.
No local em que seriam erguidas casas e comércio, Ronnie Lessa e Edimilson Oliveira da Silva, o Macalé, poderiam explorá-la também atra´ves de cobrança de taxas, o que é comum à milícia.
— Eu estava encantado. Eu estava louco, cego, com os 25 milhões que eu ia ganhar. Eu fiquei cego, essa é a grande realidade. Me deixei levar — disse Lessa.
Pouco antes, ele falou sobre a divisão dos terrenos com Macalé. Eles eram divididos em duas áreas. No local, a família Brazão mantinha um haras, hoje abandonado.
— Então 500 lotes de R$ 100 mil pra cada um são R$ 50 milhões pra cada lado. Aquilo ali realmente era do jeito que o Macalé disse. Era uma coisa que era pra ficar rico, porque a nossa parte, por exemplo, era só eu e ele a princípio. Então eu já fiz as contas: eu vou ter R$ 25 milhões e o Macalé vai ter R$ 25 milhões.
Lessa continuou falando sobre o montante que poderia ganhar:
— Quer dizer, aquilo ali me deixou realmente impactado. Eu me deixei levar naquilo. Foi cano, Eu deixei levar realmente, porque eu na verdade nem precisava. Eu tava numa fase muito tranquila da minha vida, minha vida já pronta, minha vida. Eu caí nessa asneira. Tá, mas foi ganância, Realmente foi. Foi uma ilusão danada que eu caí.
Os planos para a região avançavam. A área, que fica em um vale entre dois morros, já tinha até nome "Medelín", em referência à cidade colombiana.
O município entrangeiro, no entanto, conseguiu se reinventar no tempo, perdendo o título de cidade mais perigosa do mundo para o de mais inovadora, além de destino turístico.
Seria ainda colocado pavimentação, contensão de encosta, instalação de luz, água e esgoto, além da divisão do loteamento, além de cercar a região para evitar a expansão da favela.
— Eram dois. Eram divididos. Um fica exatamente atrás do haras deles. E o outro, é um cruzamento (...). Aí do outro lado desse vale é o mato alto, são as grades do mato alto em frente a Vila Olímpica do Mato Alto. Então, na verdade é um vale realmente. O que inclusive o Macalé me explicou que é por isso que vai se chamar Medelín, porque parece, o vale, fica parecendo a cidade de Medellín.
Ao detalhar um suposto esquema de corrupção em delegacias, Lessa disse que quando os inquéritos eram exclusivamente em papel, bastava pagar R$ 50 mil aos policiais civis para que “sumissem” com eles.
— Você ia lá e falava com o policial que tinha um negócio para resolver ou um inquérito para jogar fora (descartar). Agora, como digitalizou, está mais difícil. Mas antes era pegar o inquérito, colocar debaixo do braço, jogar gasolina e tacar fogo. Era por aí que funcionava. Sumiam estantes inteiras de processos, quando eram físicos. Depois que digitalizaram, ficou um pouco mais difícil. E o que eles fazem hoje? O que podem fazer é tentar manipular o processo, o inquérito. Desvia para outro foco, por aí — disse o ex-PM, que foi cedido para a Polícia Civil por mais de dez anos.
Lessa continuou, narrando como era feita a destruição dos documentos:
— Mas antigamente, não. Pegava-se o processo grosso, de um palmo de espessura, colocava debaixo do braço, apertava a mão, deixava R$ 50 mil e ia embora. Tinha que sobrar pelo menos R$ 5 pra passar no posto de gasolina, comprar uma caixa de fósforo, um pouco de gasolina para tacar fogo. Assim funcionava. Então eu sou dessa época.
Ao depôr, Lessa relatou ainda que, quando um policial se recusava a ajudar os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, eles usavam sua influência política para transferir o profissional de seu posto:
— A corrupção está em todas as esferas. Então, se o delegado não quer fazer o que eles querem, eles simplesmente tiram ele. É assim que funciona. E, na verdade, deixa eu só concluir aqui, tanto o Chiquinho quanto o Domingos têm essa influência. Eles mesmos colocam e retiram delegados de onde quiserem. É uma questão de influência política, e é disso que eles precisam. Estamos lidando com a cúpula, tá?
Lessa relatou ainda que, quando um policial se recusava a ajudar os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, apontados como os mandantes da morte de Marielle, eles usavam sua influência política para transferir o profissional de seu posto:
— A corrupção está em todas as esferas. Então, simplesmente, o delegado não quer? Tira ele. É assim que funciona. E eles, na verdade, na verdade, tanto o Chiquinho quanto o Domingos, eles próprios têm essa essa bagagem, eles mesmo botam e tiram delegado de onde quer.
E continua:
— Fica tranquilo. E em um momento até ele chegou a dizer, que eu não lembro se eu comentei isso lá na sede da delação, em um momento ele chegou a dizer o seguinte: que não tem problema não, que se for o caso, nós vamos por cima. Nós temos promotores, temos juízes, temos desembargadores, todo mundo amigo nosso.
Domingos e Chiquinho negam participação no crime e conhecer Lessa. A Polícia Civil, em nota, disse que as denúncias de Lessa não merecem crédito e que não existem provas que corroborem as afirmações.