Caso Marielle: o que falta responder sobre as mortes da vereadora e de Anderson
Operação realizada nesta segunda concluiu a primeira fase das investigações, com a identificação e prisão dos executores de Marielle e Anderson
Cinco anos e 4 meses após os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, a principal pergunta sobre o caso "Quem mandou matar Marielle e Anderson e por quê?" permanece sem resposta.
Apesar de a delação premiada do ex-policial militar Élcio de Queiroz, revelada nesta segunda-feira pela Polícia Federal e o Ministério Público do estado do Rio de Janeiro, trazer à tona detalhes sobre a execução e participação de outros suspeitos no crime, a questão central ainda está em aberto. A polícia ainda não sabe quem é o mandante ou mandantes e qual foi a motivação do crime.
Os ex-policiais militares Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa, ambos denunciados pelo MPRJ como executores do crime, seguem presos desde 2019. Os dois ainda serão julgados pelo Tribunal do Júri.
Segundo o Ministério Público e a Polícia Federal, a operação desta segunda conclui a primeira fase das investigações, com a identificação e prisão dos executores de Marielle e Anderson, com a compreensão da dinâmica do atentado. A expectativa agora é que a partir das apreensões feitas, novos elementos sejam incluídos no processo e possibilitem a identificação dos mandantes do crime.
Quem mandou matar a vereadora Marielle Franco?
Inicialmente, três políticos da cidade do Rio foram investigados pela Polícia Civil: o ex-vereador Cristiano Girão, que está preso por envolvimento com a milícia, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão e o ex-vereador carioca, Marcello Siciliano.
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O primeiro é suspeito de contratar Ronnie Lessa para executar um rival nos negócios da milícia na comunidade Gardênia Azul, na Zona Oeste do Rio. Girão está preso desde 2021, acusado de duplo homicídio. Já Brazão responde a um processo por obstrução da Justiça, no qual é acusado pela Procuradoria-Geral da República de atrapalhar as investigações do duplo homicídio. E Siciliano que foi citado por uma testemunha como um dos interessados na morte da vereadora Marielle Franco junto com o miliciano Orlando Curicica.
Posteriormente, o motorista e ajudante de ordens de Curicica, Renatinho Problema, confirmou que o vereador e o miliciano se encontraram em quatro ocasiões anteriores ao assassinato de Marielle Franco. Em 2019, Giniton Lages, titular da Divisão de Homicídios da Capital, na época, afirmou que a hipótese do envolvimento entre Siciliano no caso Marielle Franco não estava descartada. Siciliano negou envolvimento.
O advogado Ubiratan Guedes, que defende Brazão, disse que o conselheiro afastado não responde a inquérito ou ação penal relativos aos homicídios de Marielle e Anderson. A defesa de Girão também afirmou que o ex-vereador não é “formalmente investigado” por esses crimes.
O que teria motivado o crime?
A resposta segue em aberto.
Sobre a suposta motivação do crime, o coordenador do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ, Fábio Corrêa, afirmou que, independente de quem mandou matar a vereadora, a razão tem origem nas bandeiras levantadas por Marielle em seu trabalho como parlamentar.
— A nova fase ratifica que independente de um mando, o ímpeto de praticar o homicídio teve razões também nas convicções contrárias às causas defendidas por Marielle.
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De onde veio e para onde foi a arma usada no crime?
No depoimento, Élcio diz que a arma que matou Marielle Franco foi extraviada de um incêndio Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). Segundo ele, Ronnie Lessa já tinha uma relação de carinho com a submetralhadora HK MP5 por ter trabalhado no Bope.
"Houve um incêndio no Batalhão de Operações Especiais, no paiol, e essa arma foi extraviada. Essa e outras armas foram extraviadas nesse incêndio aí e essa arma ficou com uma pessoa que eu não sei quem é. Essa pessoa conseguiu fazer a manutenção dela e vendeu pra ele", disse Élcio.
Questionado pela Polícia para saber quem foi que vendeu a arma para o Ronnie, ele não soube informar se era PM ou não.
"Alguém que tinha acesso às armas. Eu nem sei se realmente houve esse incêndio, ele passou que houve, já ouvi boatos que houve incêndios, mas eu não sei quando foi, não sei nem se eu estava na Polícia Militar. Mas ele me passou que foi essa situação", explicou ele. Questionado, ele disse que não consegue precisar a data da compra, mas que não chega a cinco anos antes do crime.
Élcio também não soube explicar como eles tiveram acesso à munição UZZ18 da Polícia Federal, mas afirmou que Ronnie deve ter amigos no órgão até hoje. Porém, disse que não sabe se teve alguém relacionado com o crime.
Na delação, Élcio diz que Ronnie alegou que se desfez da arma quando o crime começou a ter muita repercussão:
"No início, ele ficou com ela ainda, mas quando o negócio começou a tomar muito vulto mesmo, eu falei 'o que você fez com essa arma?' Ele falou 'eu serrei ela todinha' [...] Ele falou que serrou ela todinha, pegou a embarcação lá na Barra da Tijuca, foi numa parte que tinha trinta metros e jogou ali", contou ele.
"Ele comentou comigo que pegaram algumas armas, aqueles fuzis na casa que seria da mãe dele, que ela alugou. Mas ele falou para mim que ele estava preocupado não era nem com aquilo, ele estava preocupado com algumas coisinhas que estavam com o Pedro Bazzanella. Eu acredito que possa ser essa arma, ou outras armas", explicou.
Mas Élcio diz não acreditar na versão de Ronnie, por ter conhecimento da relação de carinho que ele nutria com a arma. No presídio, Ronnie confessou ao Élcio que estava preocupado com algumas "coisinhas" que estavam na casa de Pedro Bazzanella, amigo em comum dos dois e também citado no inquérito do crime.
Em julho de 2019, militares da Marinha fizeram buscas no mar da Barra da Tijuca, próximo às Ilhas Tijuca, mas nenhuma arma foi encontrada.
Expectativa na elucidação do crime
Sobrevivente do atentado, a assessora da vereadora, Fernanda Chaves, comemorou o avanço das investigações e ressaltou que o não esclarecimento do caso só contribui para a sensação de impunidade, além de manchar a legitimidade das instituições jurídicas brasileiras.
— Recebo a notícia com satisfação. Um passo importante, sobretudo após um imenso hiato, em que ficamos sem qualquer avanço das investigações e nenhuma manifestação das autoridades sobre esse crime. O assassinato de Marielle foi um crime político. Esse atentado expôs a vulnerabilidade da nossa democracia e expôs a frágil proteção oferecida aos defensores de direitos humanos. Quem zela pela democracia irá em busca da resposta, justiça e responsabilização.
Para a irmã da vereadora, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, enquanto o mandante do crime não for descoberto, a democracia brasileira segue fragilizada. A ministra disse ainda que tem convicção de que a polícia irá identificar os responsáveis.
— A família segue tendo esperanças de que a gente possa descobrir quem mandou matar Marielle e Anderson e por quê. A gente sabe que a Mari representava muitas lutas. Ainda estou muito mexida, abalada, com todas as notícias de hoje. A gente segue esperançosos e confiantes. A gente vai descobrir e vamos chegar nos mandantes. Sigo dizendo que enquanto a gente não combater a violência política nesse país, enquanto a gente não souber quem mandou matar a Marielle a nossa democracia segue fragilizada.
Em nota, a viúva de Marielle, a vereadora Mônica Benício, comemorou o que chamou de rompimento de 'pacto do silêncio' e afirmou ainda que tanto a Polícia Federal, quanto o Ministério Público do Rio de Janeiro, devem agir com rapidez para elucidar o caso.
— A prisão de Maxwell, hoje, é um passo importante para a responsabilização de outro envolvido diretamente na execução do crime. Mas espero que a PF e o Ministério Público continuem nesta atuação de cooperação mútua, para levar Ronnie Lessa e Elcio Queiroz ao júri ainda este ano. O pacto do silêncio entre estes assassinos foi rompido, é preciso agir com agilidade e prudência para se chegar às mandantes e suas motivações. Responder quem mandou matar Marielle e por que é fundamental para restabelecermos a democracia do nosso país. Tenho esperança que esse momento está se aproximando — escreveu Mônica Benício.
A viúva de Anderson Gomes, Agatha Arnaus, afirmou que apesar dos avanços ainda é preciso continuar a buscar e cobrar as resposta.
— Hoje é um dia para agradecer, além de continuar buscando resposta e cobrando. Hoje é um dia diferente dos últimos que vivemos, com a esperança renovada. Estou com a fé renovada de que temos um caminho a seguir. Esperamos que a gente consiga em breve estar aqui falando do possível mandante do mandante.
Anderson completaria 45 anos no último dia 20 de julho. Nas redes sociais, a viúva postou uma homenagem ao marido assassinado.
A filha de Marielle, Luyara Franco também cobrou das autoridades respostas sobre os assassinatos em uma postagem feita no Instagram.
Para o ex-deputado federal e atual presidente da Embratur, Marcelo Freixo, a investigação está perto de descobrir a autoria e a motivação do crime. Ao GLOBO, Freixo disse que a operação da PF foi um passo importante em direção à elucidação do caso.
— Hoje foi um dia importante para investigação, decisivo. Um passo muito importante para chegarmos ao fim, quando descobrirmos quem foi o mandante e a qual foi a motivação do crime. Hoje a gente encerra um episódio importante que é da autoria do crime com a confissão do Élcio Queiroz. Ele não só dá uma pista muito importante de como foi como, mas dá pistas de quem pode ter sido o intermediário, para podermos chegar ao mandante. Não tenho a menor dúvida de que a Polícia Federal vai chegar ao mandante. Quando eu não sei, mas eu não tenho a menor dúvida.