MARIELLE FRANCO

Caso Marielle: tempo e "sabotagem" impuseram lacunas ao inquérito, diz relatório da Polícia Federal

Documento indica que houve dificuldade para levantar informações seis anos após o crime e aponta falhas na investigação inicial

Chiquinho Brazão, Rivaldo Barbosa e Domingos Brazão: presos pela PF em operação do caso Marielle Chiquinho Brazão, Rivaldo Barbosa e Domingos Brazão: presos pela PF em operação do caso Marielle  - Foto: Reprodução

No inquérito sobre as mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, a Polícia Federal relata as dificuldades de obter, seis anos após o crime, “prova cabal” contra os suspeitos que foram presos preventivamente — Chiquinho Brazão, Domingos Brazão e Rivaldo Barbosa.

Mesmo que a investigação tenha revelado detalhes antes desconhecidos, a PF, em quase 500 páginas, faz menção a lacunas que não puderam ser preenchidas em razão do tempo. Esse é um dos motivos citados no relatório para explicar, por exemplo, a falta de provas dos três encontros dos mandantes com o executor Ronnie Lessa, ou a dificuldade de localizar o restante da munição usada e a arma do crime.

No relatório, a PF ressalta que, em investigações de homicídios, é crucial a captação de provas durante as chamadas “horas de ouro”, ou seja, os primeiros momentos após o crime. É nesse intervalo de tempo que é possível conseguir as informações mais importantes, o que não foi feito pela Delegacia de Homicídios. Neste ponto, os federais falam em “sabotagem”.

Em seguida, o relatório reforça a importância dos depoimentos de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz em delações premiadas: “A concatenação dos fatos trazidos pelos colaboradores, notadamente Ronnie Lessa, e a profusão de elementos indiciários revestidos de um singular potencial incriminador dos irmãos Brazão são aptos a atribuí-los a autoria intelectual dos homicídios ora investigados”.

 

A PF destaca ainda que as afirmações dos delatores foram “devidamente checadas, na medida em que os mencionados percalços permitiram”:

“Após seis anos da data do fato, não virá à tona um elemento de convicção cabal acerca daqueles que conceberam o elemento volitivo voltado à consecução do homicídio de Marielle Franco e, como consequência, de seu motorista Anderson Gomes”, diz o documento.

As lacunas do relatório

Reunião com mandantes
Uma das dificuldades da investigação foi provar que os envolvidos estavam nas reuniões citadas por Ronnie Lessa. Segundo o ex-PM, ele se encontrou com o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Domingos Brazão e seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão, pela primeira vez no segundo semestre de 2017, com a intermediação do PM Edmilson da Silva de Oliveira, o Macalé, que está morto. Sem precisar a data do evento, ele narra que encontrou Macalé numa lanchonete na Barra da Tijuca, na Zona Oeste, e que depois foram para as imediações de um hotel no mesmo bairro.

No inquérito, confirmou-se que Macalé frequentou a região onde fica a lanchonete através dos dados transferidos do celular dele para torres de telecomunicação, as chamadas Estações Rádio Base (ERB). Entretanto, não foram resgatados registros anteriores a 2018 “ante a precariedade do cenário de produção probatória atual”.

A falta dessa informação dificultaria uma "prova cabal" desses encontros. Durante as investigações, a PF apurou que o ponto apontado por Lessa ficava a apenas um quilômetro da casa de Domingos. De acordo com investigadores, esse detalhamento foi fundamental para o relato ser corroborado, já que o ex-PM não sabia onde o conselheiro morava. Não há citação sobre a participação de Rivaldo Barbosa, chefe de Polícia Civil na época do crime, nesses encontros.

O segundo encontro no local teria acontecido no mesmo local alguns meses depois, mas não é citada a data no relatório. O terceiro encontro entre Lessa e os irmãos teria acontecido após o crime, já em abril de 2018. O executor não cita a data, apenas diz que foi "umas três semanas" após as execuções. No relatório, não consta onde foi a reunião e não há citação de levantamento dos registros das antenas de telefonia dos irmãos Brazão para a época.

Arma e munições
Na delação, Lessa contou que usou um motel abandonado no Rio de Janeiro para testar a arma que usaria para cometer o crime contra a parlamentar, em março de 2018. O local, na Zona Oeste, servia como espaço para que disparos fossem feitos pelos matadores de aluguel. A PF foi até o local na tentativa de encontrar fragmentos de balas decorrentes dos disparos. No entanto, o administrador explicou que um trator fez uma limpeza na área entre 2018 e 2019.

Os agentes também tentaram identificar a origem da munição usada pelo ex-PM, mas também não conseguiram encontrar nenhuma prova. A investigação também foi até o córrego onde teriam sido descartadas as munições sobressalentes, mas o local havia passado por um processo de desassoreamento, o que inviabilizou a diligência.

"Deste modo, apesar do hercúleo esforço nesse sentido, não foi possível identificar a arma, tampouco a origem das munições utilizadas por Ronnie Lessa na execução", diz um trecho do inquérito.

Outros envolvidos
Durante o relatório, a PF detalha a suposta atuação do Ronald Paulo Alves Pereira, vulgo Major Ronald, com o crime. Segundo os investigadores, ele teria sido um dos responsáveis pelo levantamento de informações sobre a rotina da vereadora. O sinal da antena do telefone dele o coloca no mesmo local da emboscada oito dia antes dos assassinatos de Marielle e Anderson.

O deslocamento da antena do celular do Major Ronald também foi compatível com o da vereadora uma semana antes do crime, quando ela estava em uma universidade no Centro do Rio. A informação foi obtida através da Operação Nevoeiro, que investigou a plantação da falsa testemunha no caso.

A operação também revelou uma intensa comunicação entre Major Ronald e Laerte Silva de Lima, que teria se infiltrado no partido de Marielle para levantar informações sobre a atuação da parlamentar "durante essas supostas diligências precursoras" e no dia do crime.

Apesar disso, a PF conclui o relatório dizendo que não tem provas suficientes para indiciar o Major Ronald, assim como Robson Calixto, vulgo Peixe (assessor de Domingos Brazão e citado por Lessa como um dos intermediários do crime), Marcus Vinicius Reis dos Santos, vulgo Fininho (suspeito de ter cedido a arma do crime) e Laerte.

"Não foi possível, por ora, promover sua corroboração com elementos técnicos, ainda que de natureza indiciária, de modo a frustrar seus respectivos indiciamentos", diz o relatório.

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