POLÍTICA EXTERNA

Celso Amorim ou Mauro Vieira? Saiba quem faz a cabeça de Lula na política externa

Falas do presidente em temas como guerra na Ucrânia e Venezuela levam foco para sua assessoria internacional, e especialistas veem prevalência de Amorim sobre o chanceler, apesar de ambos alegarem 'harmonia'

Celso Amorim e o vice-chanceler da Ucrânia, Andrii Melnyk, durante visita a Kiev em abril Celso Amorim e o vice-chanceler da Ucrânia, Andrii Melnyk, durante visita a Kiev em abril  - Foto: Divulgação

Cercado por “dois chanceleres” na prática, os embaixadores Mauro Vieira e Celso Amorim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem atraído críticas de países, políticos e especialistas por opiniões em temas como a Venezuela (minimizando a ditadura do país) ou a guerra na Ucrânia — ao dizer que europeus e americanos ampliam o conflito ao fornecerem armas a Kiev.

Embora o Brasil tenha hoje um protagonismo global muito maior que no mandato anterior, Lula ainda está longe de ter o sucesso externo de seus primeiros mandatos, quando se destacou no G20 e pôs a redução da fome na agenda global.

E, no cenário atual, surge a dúvida: Lula ouve mais a Vieira, o titular da pasta de Relações Exteriores, ou Amorim, assessor especial da Presidência e ex-chaceler nos dois primeiros mantados do petista?

Interlocutores próximos ao presidente garantem que não há divergências de visão entre Vieira e Amorim, mas acreditam que o assessor especial é quem está tendo maior peso sobre a visão de Lula. Isso teria ficado claro na visita ao país do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, quando Lula disse que as sanções americanas ao país vizinho eram “pior que a guerra”.

Em 8 de março, uma delegação do Brasil chefiada por Amorim foi à Venezuela e se encontrou com Maduro na capital, Caracas. A viagem foi citada por Lula na segunda-feira, após reunião bilateral com Maduro, ao chamar de “narrativa” a situação antidemocrática no país vizinho.

Pertencente aos quadros do PT e com larga experiência em diplomacia, chanceler de Lula ao longo dos dois primeiros mandatos e sempre ao lado do presidente, Amorim costuma ser encarregado para tratar de temas espinhosos.

É Amorim quem encabeça a proposta de criação de um grupo de países não alinhados para negociar a paz entre russos e ucranianos. Foi o assessor especial, e não o chefe do Itamaraty, quem foi a Moscou e Kiev conversar, em momentos diferentes, com os presidentes Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky.

Lula retomou um modelo em que seu então assessor especial Marco Aurélio Garcia, falecido em julho de 2017 e petista histórico, ficava a seu lado, no Palácio do Planalto. No Itamaraty, o chanceler era Celso Amorim. Na época, corriam rumores de que havia superposição de funções entre os dois, mas ambos negavam. Hoje, Amorim está do outro lado da Esplanada e tem um peso ainda maior do que Marco Aurélio, por ser um diplomata de carreira. No comando do Itamaraty está Vieira, que foi chefe de Gabinete de Amorim, embaixador nos Estados Unidos e na Argentina e chanceler da então presidente Dilma Rousseff.

— Amorim tem grande influência. E o PT sempre teve uma grande participação na política externa. É um partido que participa de uma rede internacional de esquerda, e Amorim tem muita reputação e prestígio muito grande e visão de mundo muito semelhante à do próprio partido — diz a cientista política Denilde Holzhacker, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Ex-embaixador do Brasil na China e hoje conselheiro consultivo no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Marcos Caramuru avalia que uma das funções de Amorim é “exatamente influenciar o presidente Lula”.

Sobre o desenho na condução da política externa brasileira, ele destaca que é comum, em vários países, duas ou mais pessoas com essa função. Cita como exemplos a China, com o ministro Qing Gang, e Wang Yi, ex-chanceler e membro do Politburo e do Conselho de Estado. Nos EUA, há Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, e Antony Blinken, secretário de Estado e chefe da diplomacia americana.

— Você pode perguntar se o Brasil precisa de dois operadores da política externa. O PT sempre teve dois. No passado, um mais voltado para os contatos políticos na América Latina era Marco Aurélio Garcia, e o próprio Amorim como chanceler. Agora, Amorim busca associar Lula aos grandes temas internacionais, enquanto Vieira fica na condução das relações do Brasil com o mundo — diz Caramuru.

Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, que também chefiou embaixadas nos EUA e na Itália, avalia que Amorim e Lula têm a mesma visão sobre temas internacionais. No entanto, afirma ter a impressão de que ninguém “faz a cabeça” do presidente, ao notar que Lula gosta de falar de improviso, sem ler papéis escritos.

Ricupero vê a semelhança com o arranjo dos primeiros mandatos de Lula como mais aparente que real. No passado, destaca, Amorim e Marco Aurelio tinham personalidades fortes e com áreas de influência bem delimitadas.

— Vejo agora uma situação muito mais desequilibrada, porque Amorim, na prática, juntou as funções de Marco Aurélio com as de chanceler de fato. No fundo, quem aparece é ele, inclusive por ter organizado uma assessoria muito forte com gente de valor. O que sobra ao Mauro Vieira não representa grande coisa: dar sequência ao combinado nas visitas presidenciais, e isso se a máquina do Itamaraty for capaz. Ao menos nestes primeiros meses de governo, é a impressão que se tem — disse.

Procurados pelo GLOBO, Amorim e Vieira dizem trabalhar em total harmonia.

— Estamos reeditando um formato de trabalho que já deu muito certo, com o professor Marco Aurélio no Planalto e o próprio Celso no Itamaraty. Não é novidade, e funciona também em outros países relevantes do mundo — diz o chanceler Mauro Vieira.

— Mauro e eu temos trabalhado juntos desde o início da Nova República, sempre cooperamos. Ele foi meu chefe de Gabinete por duas vezes e embaixador nos postos mais importantes para o país. Sempre coordenamos perfeitamente nossas ações — disse Amorim.

Amorim venceu uma briga com o PT durante a transição, no fim do ano passado. O partido queria um nome político, como Jaques Wagner ou Aloizio Mercadante, no cargo. Ele emplacou Mauro Vieira, então embaixador na Croácia, que dias antes de ser confirmado no cargo esteve com Lula na Cúpula do Clima da ONU (COP 27), no Egito.

Estratégico x operacional?
Amorim divide com Vieira as indicações para postos importantes. Montou uma teia de pessoas de confiança. Foram indicados para postos prioritários, por exemplo, Ricardo Neiva Tavares (França), Antonio Patriota (Reino Unido), Maria Luiza Viotti (EUA) e Julio Bitelli (Argentina).

Para um experiente diplomata, que não quis se identificar, o verdadeiro chanceler, para as grandes questões, é Celso Amorim. Mauro Vieira seria, a seu ver, apenas o agente operacional e para a administração do Itamaraty.

Pessoas próximas a Vieira, no entanto, asseguram que os dois dividem uma intensa agenda na política externa. O chanceler, por exemplo, acompanhou Lula à reunião do G7, no Japão, foi incumbido de ir a todos os países da América do Sul para convidar os chefes de Estado para um encontro de cúpula em Brasília, na terça-feira passada. Vieira também acertou com o chanceler russo, Sergei Lavrov, sua visita ao Brasil, em abril.

Roberto Goulart Menezes, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, vê Amorim com uma enorme influência e pegando os temas mais espinhosos.

— Não vejo sobreposição e não consigo vislumbrar qualquer tipo de briga. A Casa Branca também costuma usar até ex-embaixadores, quando uma agenda é bem delicada. Avalio que existe uma boa sinergia e um esforço de reconstrução da política externa brasileira — afirma Menezes.

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