CNJ cita "conduta gravíssima" e decide manter juiz Eduardo Appio afastado da Lava-Jato
Corregedor nacional de Justiça diz que continuidade de Appio na função "poderia atrapalhar a regular apuração de todo o ocorrido"
O corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, decidiu manter o juiz Eduardo Appio, responsável pela Operação Lava-Jato em Curitiba, afastado do cargo, negando pedido protocolado pela defesa do magistrado. Em decisão a qual O Globo teve acesso, Salomão fala em "conduta gravíssima" e diz que as ações de Appio aparentam configurar "possível ameaça" a um desembargador da Corte.
Salomão também indeferiu a solicitação dos advogados de Appio para que o caso fosse julgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e não mais na Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). O juiz que assumiu o antigo posto de Sergio Moro argumentava que a Corte seria parcial para julgá-lo, mas o corregedor discordou.
Na decisão, Salomão diz que "evidenciam-se elementos suficientes à manutenção do afastamento do magistrado até o final das apurações". Ainda segundo o corregedor, "constata-se a gravidade das condutas praticadas, na medida em que a conduta do magistrado investigado (Appio) aparenta configurar possível ameaça a desembargador daquela Corte, havendo ainda elementos que apontam que o investigado se utilizou de dados e informações constantes do sistema eletrônico da Justiça Federal para aquela finalidade, passando-se por servidor do tribunal."
O corregedor ainda continua:
"A utilização dessas informações para constranger ou intimidar desembargador do tribunal representa, por si só, em tese, conduta gravíssima e apta a justificar o afastamento provisório e cautelar do magistrado sob investigação."
Para Salomão, a continuidade de Appio no exercício da atividade jurisdicional poderia atrapalhar a regular apuração de todo o ocorrido, visto que ele teria livre acesso aos sistemas de informática da Justiça Federal e, com isso, seria possível manipular dados essenciais à investigação.
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Sobre o pedido para que o CNJ apure os fatos, Salomão diz que só se justificaria se "fosse evidente a parcialidade" do órgão que julgou o juiz — ou seja, a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o que o corregedor nega, já que a investigação, diz ele, tem feito o seu "curso regular".
"O procedimento administrativo tem observado, portanto, em análise preliminar, os primados do devido processo legal e do contraditório, não havendo, nesse momento processual, eiva ou qualquer circunstância fática que autorize a sua avocação por esta Corregedora Nacional, sem prejuízo de, ao longo da instrução processual, surgirem elementos de convicção novos que autorizem conclusão diversa", escreve Salomão em sua decisão.
O ministro ainda lembra que, conforme mostrou O Globo, o CNJ decidiu fazer um pente-fino na 13ª Vara Federal de Curitiba e nos gabinetes dos desembargadores da 8ª Turma do TRF-4. Atendendo a pedido da defesa protocolado no fim de maio, Salomão determinou a realização de uma "correição extraordinária", que nada mais é do que um procedimento administrativo para apurar a existência de irregularidades e fazer uma espécie de auditagem nos processos que estão em tramitação na Corte.
Ao Globo, Pedro Estevam Serrano, advogado de Appio, disse que a defesa respeita a decisão do CNJ, mas "diverge intensamente do conteúdo". Ele ainda afirmou que irá recorrer "dentro e fora do CNJ" e, se for preciso, irá também levar o caso a tribunais internacionais.
Lembre o caso
Responsável pelos processos da Operação Lava-Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, Appio foi afastado da função em maio, após ser acusado de fazer um telefonema anônimo com ameaças ao filho do desembargador Marcelo Malucelli, também do TRF-4, após o mesmo tomar uma decisão que restabelecia a prisão do operador financeiro Tacla Duran. O filho do desembargador é sócio do ex-juiz Sergio Moro e sua esposa Rosangela Moro em um escritório de advocacia em Curitiba.
Segundo o voto de relatoria do Corregedor Regional da Justiça Federal da 4ª Região, após apuração, constatou-se que Appio acessou o referido processo judicial duas vezes, em horário próximo àquele da ligação telefônica suspeita. A perícia feita pela Polícia Federal "corroborou fortemente a hipótese" de que a voz presente no vídeo que gravou a ligação telefônica fora produzida por Appio. A defesa do juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, no entanto, nega qualquer ligação, e já até apresentou um laudo feito pela Universidade Federal de São Carlos que aponta inconsistência no documento produzido pela PF.
No pedido da defesa que foi rejeitado cautelarmente pelo ministro Salomão, Appio argumenta que o CNJ é quem deve se debruçar sobre o caso, não só por ocupar "destacada posição hierárquica", mas pelo fato de o TRF-4 "não reunir as condições necessárias para promover o devido processo legal, bem como o julgamento justo do peticionário", o que já teria se materializado — conforme argumenta o juiz —"no afastamento de suas funções sem sequer promover o mínimo contraditório".
Ao solicitar a suspensão da decisão administrativa que o afastou, Appio diz que o TRF-4 "desrespeitou o sigilo inerente aos feitos dessa natureza". Relata também ter sido "violentamente privado de qualquer acesso ao prédio da Justiça Federal", além de ter tido confiscados seu laptop e celular funcional.