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Política

Com desgaste de Ernesto, almirante vai a missões e é chamado de '02 do Itamaraty'

De acordo com integrantes do governo, apesar do apelido dado ao militar, não existe uma disputa entre Rocha e Ernesto

Almirante Flávio Rocha.Almirante Flávio Rocha. - Foto: Alan Santos/PR

Com o aumento da resistência no exterior ao chanceler Ernesto Araújo, um assessor direto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem participado de missões diplomáticas a países cujas relações com o Brasil enfrentam dificuldades.

Sem status de ministro, mas considerado o auxiliar mais próximo do presidente, o secretário especial da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), almirante Flávio Rocha, viajou recentemente a países com os quais o chanceler perdeu a capacidade de interlocução por posições ideológicas, como China e Argentina.

A atuação do militar, que é chamado de "os olhos e ouvidos" do presidente, rendeu-lhe no Palácio do Planalto o apelido de "02 do Itamaraty". A alcunha, no entanto, é refutada pelo almirante, que já disse a integrantes do governo não ter ambições políticas.

Apesar da resistência do militar, que não tem pretensão de deixar o atual cargo, o nome dele entrou, em janeiro, na bolsa de apostas para substituir o chanceler, quando a queda dele era dada como certa por causa do impasse nas negociações para trazer ao Brasil insumos farmacêuticos da China e vacinas da Índia contra o coronavírus.

Último seguidor do ideólogo Olavo de Carvalho na Esplanada dos Ministérios, o atual chanceler, no entanto, acabou por conseguir sobrevida na pasta após a solução dos problemas, o que contou com a atuação nos bastidores dos ministros da Agricultura, Tereza Cristina, e das Comunicações, Fábio Faria.

Hoje, o presidente não pretende trocar o chanceler. Em conversas reservadas, porém, ele não descarta que uma mudança possa ocorrer caso a imagem do país não tenha melhora em médio prazo.

Para assessores presidenciais, a postura aberta ao diálogo e aatitude cordial de Rocha são características que podem ajudar a melhorar a imagem do Brasil no exterior.

E, por isso, eles consideram que a sua atuação junto a governos estrangeiros pode vir a ser um ganho para a política diplomática brasileira.

Fluente em seis línguas e tido por integrantes do governo como um homem culto, Rocha é descrito como versátil e funciona como uma espécie de coringa no governo.

Ele já foi cotado pelo presidente, por exemplo, para a Secretaria-Geral, cargo entregue a Onyx Lorenzoni, que estava na Cidadania. A transferência foi oficializada nesta sexta-feira (12) em edição extra do Diário Oficial da União.

A atuação do almirante em questões externas é considerada por auxiliares do presidente como natural, já que a estrutura que ele comanda também presta assessoria em assuntos internacionais.

Em janeiro, o almirante viajou à Argentina a convite do seu homólogo na nação vizinha, Gustavo Osvaldo Beliz. Os dois trataram de pontos de sinergia e de cooperação estratégica. Rocha também encontrou o presidente argentino, Alberto Fernández.

Ernesto já fez críticas à Argentina, assim como o presidente brasileiro. Recentemente, o chanceler condenou decisão do Senado do país vizinho que legalizou a realização do aborto por decisão da mulher.

"O Brasil permanecerá na vanguarda do direito à vida e na defesa dos indefesos, não importa quantos países legalizem a barbárie do aborto indiscriminado, disfarçado de saúde reprodutiva ou direitos sociais", escreveu Ernesto em redes sociais.

Na semana passada, Rocha foi à China a convite do ministro Fábio Faria para reuniões sobre a implementação da rede 5G no Brasil. A Huawei, uma das principais empresas do setor, é chinesa e, por se tratar de um assunto de segurança nacional, a secretaria especial acompanha. Devido a diferenças ideológicas, o chanceler não tem mantido contato com nenhum representante do país asiático.

Em agosto, o militar também representou o presidente em missão oficial ao Líbano para o transporte de auxílio humanitário ao país do Oriente Médio por causa de uma explosão no porto de Beirute.

Na viagem, Rocha se aproximou do ex-presidente Michel Temer (MDB), que, a convite de Bolsonaro, chefiou a delegação. Na opinião pessoal de Temer, Rocha tem colaborado para arrefecer as críticas externas ao governo brasileiro.

"Ele é de uma cordialidade absoluta e é muito competente nas conversas que teve comigo quando fomos ao Líbano. E ele é extremamente discreto e muito preparado intelectualmente", afirmou Temer à Folha de S. Paulo. "Eu acho que ele colabora para isso [arrefecer críticas ao país]. Mesmo nessa missão do Líbano, acho que ele se esforçou por isso, mas isso é um mero palpite meu."

De acordo com integrantes do governo, apesar do apelido dado ao militar de "02 do Itamaraty", não existe uma disputa entre Rocha e Ernesto.

Os dois mantêm um bom relacionamento e atuam em conjunto. É o que ocorre, por exemplo, quando Bolsonaro faz um telefonema para alguma autoridade estrangeira.

O almirante e sua equipe técnica são os responsáveis por cuidar da parte mais operacional. Eles acertam o horário da conversa e discutem com o chanceler alguns pontos-chave que o presidente não pode esquecer de abordar.

Rocha também tem funcionado como uma espécie de "apaziguador" em questões internas do governo. Ele atuou para arrefecer crises políticas, ajudou na sucessão do Ministério da Educação e coordenou a transição do Ministério da Saúde em meio à pandemia do coronavírus.

Segundo auxiliares presidenciais, quando se trata de um assunto delicado e que não pode vazar para a imprensa, o almirante é sempre o nome escalado pelo presidente para atuar na linha de frente, incluindo crises institucionais com o Judiciário e o Legislativo.

Segundo cálculo informal de auxiliares palacianos, o almirante participa de mais de 90% das reuniões de Bolsonaro no gabinete presidencial.

Reconhecido dentro das Forças Armadas pelo conhecimento geral, ele é chamado frequentemente pelo presidente para opinar e aconselhar em temas delicados.

Bolsonaro e Rocha se conheceram em 2002, quando o militar era chefe da assessoria parlamentar da Marinha na Câmara. O presidente, então deputado, se aproximou do militar por defender pautas que eram de interesse das Forças Armadas.
Nesse período, Rocha fez amizade com deputados e senadores de diferentes partidos, o que, de acordo com amigos do almirante, o ajudaram hoje a atuar na articulação política apenas quando demandado pelo presidente."

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