Coração do Recife: Centro pede soluções a longo prazo
Na abertura de uma série sobre os maiores desafios de cidades do Estado, a Folha traz um debate sobre soluções para o Centro do Recife
A partir deste sábado (2), a Folha de Pernambuco dá início a uma série de matérias, mostrando alguns dos principais debates que os candidatos a prefeito nos principais municípios do Estado deverão travar até a disputa eleitoral, em outubro.
Considerada a nona cidade mais populosa do Brasil e a terceira do Nordeste, registrando 1.488.920 habitantes, de acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Recife abre a série de reportagens, abordando a complexidade de desafios que envolvem o centro da Cidade.
O núcleo urbano da Capital, que envolve os bairros da Boa Vista, São José, Santo Antônio e o Recife Antigo, configura-se como um dos maiores desafios a serem enfrentados nos próximos anos. Os bairros do Centro são o coração econômico, social, histórico e cultural das grandes metrópoles e convivem com a movimentação do comércio, desigualdades sociais e vida cultural.
Encontrar uma solução para um problema com tantas camadas, no entanto, como adiantam os especialistas no assunto, não tem uma resposta da noite para o dia, e requer medidas de longo prazo.
Transformação
A transformação acelerada do centro da cidade se tornou um desafio como de todas as capitais do País, que afeta diretamente o comércio, o turismo e que se agravou, sobretudo, depois da pandemia de Covid-19.
“O desafio pode ser dividido em dois: a manutenção do processo de recuperação do Bairro do Recife e o início da recuperação de Santo Antônio e São José, dentro do contexto da Ilha de Antônio Vaz (local que hoje corresponde aos bairros de Santo Antônio, São José, Cabanga e Ilha Joana Bezerra), porque a recuperação de Santo Antônio e São José depende criticamente da sua integração com Joana Bezerra e Cabanga. E tudo leva a crer que essa recuperação deve se dar pela reocupação dos prédios abandonados, que devem ser retrofitados (processo de restaurar prédios antigos de forma a preservar a arquitetura original e adequá-lo à legislação) para habitação”, alerta o consultor e sócio fundador da TGI Consultoria, Francisco Cunha.
Ainda de acordo com Cunha, que é urbanista e arquiteto, a experiência mostra que a recuperação do Centro do Recife, no que tange à habitação, se dá via ocupação pela classe média. “Claro que deve ser uma recuperação também com espaço para moradia popular, mas predominantemente para a classe média. Então, as pessoas que trabalham no centro (comércio, Porto Digital, Polo Médico etc.) podem morar lá e ir a pé ao trabalho, em segurança”, acrescenta.
Segurança
O urbanista lembra, ainda, que todo mundo que responde pesquisa sobre Santo Antônio e São José diz que o principal problema em ambos os bairros é falta de segurança, problema que tem que ser enfrentado logo. Para ele, faz-se urgente lá a recuperação do espaço urbano e a segurança, que envolve também direcionamento para a população em situação de rua.
“Não estou falando de atuação higienista nem em gentrificação. Estou falando em direcionar, porque não se pode admitir que a população em situação de rua ocupe da forma que acha que deve todos os pontos da cidade. Claro que do ponto de vista humanista deve ser tratado com todo o cuidado porque o que se sabe hoje em termos da população em situação de rua é que cada caso é um caso, cada pessoa tem uma necessidade diferente. A abordagem tem que ser nessa linha”, explica.
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De acordo com Francisco Cunha, o problema precisa ser direcionado, pois, ainda segundo ele, não se pode pensar em recuperação do Centro desconsiderando-se a população em situação de rua e sem que a abordagem seja sistemática e orientada. A segurança e a população em situação de rua, na visão do urbanista, precisam ser considerados como desafio à próxima administração
“Caso contrário, a gente pode ter o que São Paulo tem hoje: é a capital com o maior PIB do país e, no entanto, não consegue resolver o problema da Cracolândia porque deixou chegar a um ponto que para resolver é preciso um esforço tão grande que nenhuma administração consegue dar conta”, analisa.
Comércio
O Centro do Recife também sofre com uma situação também já observada em outras capitais: crescimento dos bairros que passam a comportar comércios locais, trazendo conveniência ao consumo da população no próprio bairro ou em outros próximos. Isso faz com que o consumidor deixe de ir ao centro em busca de produtos e serviços.
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Recife (CDL Recife) e do Sindlojas Recife, Fred Leal, afirma que um dos grandes problemas do Centro hoje é ocupação e moradia, além de segurança. “Com isso (resolvido), vem a revitalização do comércio, a retomada dos roteiros culturais, igrejas. Nós temos mais de 15 igrejas maravilhosas no centro, e isso o turista tem que ver”, diz.
Fred Leal lista, ainda, as novas construções que estão sendo erguidas, como o Novotel Recife Marina, no Cais de Santa Rita; e outras já prontas, como o complexo imobiliário Moinho Recife Business & Life, no Recife Antigo, que tem como proposta unir trabalho, moradia e lazer no mesmo condomínio.
“O Recife Antigo está praticamente recuperado. Isso vai contagiar toda a parte do Bairro de São José. Tem também um centro de convenções novo (Recife Expo Center, do Novotel, que será inaugurado em breve), as revitalizações do Cais de Santa Rita e do Mercado de São José. Isso é muito importante para o turismo e para o comércio”, analisa.
Ainda quanto ao comércio, Leal revela que o Centro abriga cerca de 1,5 mil pontos de vendas dos quais aproximadamente 30% estão com as portas fechadas. No caso da avenida Conde da Boa Vista e do Recife Antigo, esse percentual é menor, ainda segundo ele, mas na rua da Imperatriz chega a 70%.
Lojistas
A gerente da loja WJ Calçados e Esportes, na Imperatriz, Tainá Amaral, diz que, além da redução de clientes por conta das lojas vizinhas fechando, os lojistas têm que conviver com a insegurança.
Há lojistas, entanto, que ainda acreditam na retomada e apostam na rua para abertura de um novo negócio. É o caso da rede Moda Fashion 25, que já tem uma unidade lá e outra na rua do Riachuelo. “Resolvemos abrir uma nova loja aqui porque estamos percebendo que depois da pandemia as coisas estão melhorando. A gente aposta na retomada do comércio”, diz a gerente da loja, Raiza Raiane.
Para o presidente do CDL, a recuperação do Centro, independentemente de quem assumir a prefeitura, tem que continuar a ser uma prioridade. “A gente tem que acabar com esse negócio no Brasil de matar o processo. Tem que dar continuidade. Não pode matar para poder inventar outro”, arremata.
Recentro
Para revitalizar o Centro do Recife, em 2021, a Prefeitura do Recife concebeu o programa Recentro. A iniciativa compreende, entre outras ações, a revitalização da área central da cidade a partir da atração de investimentos, incentivo à moradia, preservação do patrimônio histórico e cultural, estímulo ao turismo e outros projetos.
A ideia é manter e zelar pelo desenvolvimento das potencialidades econômicas, arquitetônicas, históricas e culturais de forma integrada.