BRASIL

Criptomoedas, delivery e secadora: as regalias de Sérgio Cabral na prisão gerida pela PM no Rio

Celas tinham armários trancados com cadeados e que servidores não tinham acesso

Foto: Valter Campanato/Arquivo/Agência Brasil

Criado para ser a unidade prisional de agentes da corporação, o Batalhão Especial Prisional (BEP) é administrado pela Polícia Militar do Rio e possui capacidade para 229 presos. Na unidade há uma separação entre os detentos que são "oficiais", com uma patente mais alta, daqueles que são "praças".

Duas inspeções recentes feitas pela Justiça nas alas dos "oficiais" encontraram uma série de irregularidades que sugerem que os presos viviam com regalias, como acesso à internet, uma máquina de lavar e secar roupas e até pedidos de comida por aplicativo. Os flagrantes foram usados como embasamento pelo  juiz-corregedor da Vara de Execuções Penais, Bruno Rulière, para transferir

A primeira inspeção feita pelas autoridades no BEP foi feita em 24 de março de 2022 e a segunda um mês depois. Na galeria dos oficiais uma cela trancada tinha uma máquina de lavar e secar roupas em pleno funcionamento, o que segundo o juiz-corregedor "inspira sérias suspeitas de que a Administração da UP buscou ocultar do juízo de fiscalização a existência deste eletrodoméstico instalado no local". O uso da máquina gerou suspeitas pois a unidade possui uma lavanderia própria, e coletiva, em uma área comum.
 

Os fiscais também encontraram nas celas de Sérgio Cabral e do tenente-coronel Claudio Luiz chuveiros com um sistema próprio de aquecimento de água. Na cela do ex-governador, ainda foram achadas embalagens de uma churrascaria que tem lojas na Lagoa e Leblon, Zona Sul do Rio. As circunstancias em que foram encontradas "indicam que foi permitida a entrada dos produtos pela administração da unidade", diz trecho do relatório da fiscalização.

No alojamento do ex-governador, foram encontradas toalhas com seu nome bordado. O teto tinha revestimento de isopor e o piso emborrachado.

Em um caderno encontrado numa área comum onde estavam o ex-governador Sérgio Cabral e o tenente-coronel Cláudio Luiz de Oliveira, havia anotações de um banquete de culinária árabe, além de controle financeiro com valores de pagamento que superam os R$ 50 mill. Também há gastos registrados em aplicativos de comida.

Na decisão de transferência o juiz Bruno Rulière conta que tanto Cabral quanto o tenente-coronel Claudio Luiz, condenado pela morte da juíza Patrícia Accioli, "exercem significativa manifestação de poder na unidade prisional, tanto em relação aos demais presos, quanto aos servidores do estabelecimento penal". Como exemplo da influência de ambos, o magistrado relata que em uma inspeção no dia 24 de março deste ano Sérgio Cabral afirmou que ele e o tenente-coronel eram os "responsáveis pelo local" em que estavam e qualquer dúvida sobre as celas poderiam ser tiradas pelos dois.

Há dois anos a Polícia Militar tem um processo de compra de dois aparelhos de raios-X que ajudariam na detecção da entrada de objetos proibidos. A unidade tem apenas um aparelho de raio-X, que está quebrado e é fruto de doação.

O Globo obteve acesso a um relatório feito em 2020, com o pedido ao comando da corporação a compra de dois aparelhos para a revista de pequenos e médios volumes levados pelas visitas, que podem entrar com até dois itens de alimentação. O processo de aquisição ou de aluguel está em aberto até hoje.

Uma das regalias que chamou a atenção dos fiscalizadores foi que nas duas inspeções os detentos tinham dentro das celas um armário trancado com cadeados. Apesar de estarem em um presídio, a direção e os servidores não possuíam nenhuma das chaves. Para conseguir acesso aos armários, a comissão teve que arrombar as fechaduras. Nos alojamentos também foram encontrados outros cadeados sem uso.

Também são os presos que controlam o acesso às celas. O relatório de inspeção ainda ressalta que a chamada de presos, chamada de "confere" e o trancamento das celas e pavilhão não ocorria na ala dos oficiais, somente na dos praças. Na galeria dos policias com maior pantente, a porta do alojamento é trancada por dentro, cabendo o próprio detento travar ou destravar a cela. Também não há grades.

"Estes  fatos  indicam  uma  indevida  permissividade na unidade,  com  o trancamento de alojamentos e outros compartimentos (armários, quados etc) pelos presos, situação que se revela incompatível com rotinas próprias de uma unidade prisional que, por razões de segurança, controle e ordem, não podem ter locais cujo acesso é exclusivo do preso e/ou que dependam da sua vontade", diz trecho de um dos relatórios.

Nas celas também foram encontrados diversos esconderijos para celulares, como em paredes internas de ventiladores, em vaso sanitário e paredes com fundo falso. A fiscalização encontrou dentro da galeria dos oficiais "material próprio e adequado para a confecção dos esconderijos (pintura e emboço), de forma a tornar quase imperceptível à existência destas superfícies falsas".

Na inspeção do dia 27 de abril, o juiz Bruno Rulière flagrou o soldado Cleiton de Oliveira tentando jogar fora uma sacola, que tinha, entre diversos itens, celulares, dinheiro, seringas e 10 cigarros de maconha. Na sua decisão, o magistrado narra que no local só estava, além do soldado, o ex-governador Cabral e o tenente-coronel Cláudio.

"As circunstâncias como se deu a apreensão do material, reunidas com outros elementos de informação colhidos, conferem justas e sérias suspeitas de que o material apreendido estava, no momento em que a equipe de fiscalização ingressou na unidade, na posse dos internos TEN. CEL. CLAUDIO LUIZ SILVA DE OLIVEIRA e SERGIO DE OLIVEIRA CABRAL SANTOS FILHO. Acrescente-se que, nos alojamentos individuais dos referidos internos, a equipe de fiscalização encontrou uma prateleira com compartimento secreto para a guarda de materiais (no tamanho exato de um aparelho smartphone). O compartimento secreto estava vazio, o que, aliado a outras circunstâncias descritas, reforça a suspeita de que os aparelhos celulares encontrados na sacola pertenciam a estes presos", afirma.

Na cela do capitão Marcelo Baptista Ferreira, preso acusado de participar de um esquema de fraudes bancárias, a fiscalização encontrou um quadro pendurado na parede com folhas e anotações de criptoativos que equivalem milhares de reais. O relatório da inspeção ressalta que os manuscritos "sugerem que o interno realiza suas próprias transações de criptoativos, o que, por óbvio, exige a utilização de aparelho com internet".

Uma outra vistoria, feita há uma semana, encontrou outros itens bancários, não condizentes com a atual situação dos detentos. Foram apreendidos, em quatro situações diferentes, mais de R$ 5,5 mil em espécie além de cartões de crédito e até um token bancário.

"Deve-se frisar que o alto valor em espécie encontrado, sendo certo que a unidade prisional não tem qualquer atividade regular que justifique a posse de valores com os presos, é fato que, no mínimo, inspira legítimas suspeitas de outras irregularidades no ambiente prisional", escreveu o magistrado em sua decisão que ordenou a transferência dos presos.

Procurada, a PM não se posicionou sobre a decisão da Justiça. No entanto, desde que as informações sobre a inspeção foram publicadas a corporação afirma que todas as decisões da Vara de Execuções Penais estão sendo rigorosamente cumpridas.

"O atual Comando da Corporação vem fazendo gestões para aprimorar o sistema de controle da unidade prisional. Entre as medidas adotadas, vale citar a renovação de parte do efetivo;  intensificação das inspeções internas pela Corregedoria Geral da SEPM;  reposição de equipamentos de controle, como a aquisição de um scanner corporal em processo de licitação; cursos de capacitação de pessoal;  e, a médio prazo, projeto de reestruturação das instalações físicas da unidade prisional", diz a PM em nota.

Após a publicação da decisão de transferir os presos para Bangu 1, as defesas do ex-governador Sérgio Cabral e do tenente-coronel Cláudio Luiz, realizadas pela advogada Patricia Proetti, se manifestaram contra a ordem de transferência.

"É com absoluta perplexidade que recebemos a informação, pela imprensa, da decisão de transferência do ex-governador para um presídio de segurança máxima sem haver, sequer, um processo administrativo disciplinar para elucidação dos fatos narrados. Como se não bastasse, o descumprimento dessa garantia básica impediu a defesa de ter acesso formal às informações veiculadas, apesar dos pedidos dirigidos ao juízo prolator da decisão, bem como as razões que embasam e justificam tal determinação", diz em nota a defesa de Sérgio Cabral.

"A decisão proferida pelo Juiz da Vara de Execuções Penais narra a existência de suposições sem qualquer embasamento ou provas. É inaceitável que a defesa tome conhecimento dos fatos e das decisões através da imprensa ao mesmo tempo em que se vê impedida de exercer o contraditório e a ampla defesa, apesar de todos os requerimentos apresentados. É importante ressaltar que os policiais militares e o ex-governador correm sério risco de vida e à integridade física ao serem colocados em um presídio ocupado por pessoas que eles prenderam ou que foram presas em suas gestões. A defesa irá recorrer da decisão", afirma a defesa do coronel.

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