Crise da offshore amplia isolamento de Guedes, e Bolsonaro é pressionado por aliados
Interlocutores do presidente afirmam que Guedes não tem conseguido emplacar soluções para reverter o quadro de crise econômica, e, principalmente, para a implementação do Auxílio Brasil, sucessor do Bolsa Família
A revelação de que Paulo Guedes mantém empresa em paraíso fiscal serviu para aumentar a pressão no governo sobre o ministro da Economia, que passa pelo seu momento de maior isolamento na Esplanada e no Palácio do Planalto.
Interlocutores do presidente afirmam que Guedes, outrora superministro, não tem conseguido emplacar soluções para reverter o quadro de crise econômica, e, principalmente, para a implementação do Auxílio Brasil, sucessor do Bolsa Família.
Assim, o fogo amigo contra Guedes nos corredores do Planalto se intensificou nos últimos dias e auxiliares do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) devem usar o episódio da offshore para aumentar a fritura.
Nesta quarta-feira (6), em outra frente, a Câmara dos Deputados aprovou a convocação do ministro para explicar perante o plenário a manutenção de offshore. Quando uma autoridade é convocada, sua presença é obrigatória.
No Planalto, segundo interlocutores do presidente, o titular da Economia enfrenta um "paredão" de ministros contra ele –a sua demissão, inclusive, já foi sugerida por alguns pares ao próprio Bolsonaro.
Se antes críticas ao ministro ficavam mais restritas à articulação política, agora se alastram por outros ministérios.
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Diante das dificuldades de aprovar medidas para pagar o Auxílio Brasil no Congresso em 2022, uma ala majoritária de auxiliares palacianos tem defendido furar o teto de gastos -que limita o crescimento das despesas à inflação-, algo rejeitado por Guedes.
O auxílio emergencial acaba no dia 31 de outubro e ainda não há uma solução para aumentar o valor do pagamento no Auxílio Brasil nem para manter todas as famílias beneficiárias do programa criado na pandemia da Covid-19.
A relação de Guedes está especialmente ruim com a ala política do governo, que cobra o ministro pelas dificuldades enfrentadas em matérias econômicas no Congresso.
Além disso, outro fator que pesa contra o ministro é um histórico de atritos com congressistas.
Interlocutores palacianos afirmam que as notícias sobre os investimentos de Guedes no exterior criam um constrangimento para o governo, principalmente em um momento de grave crise econômica e de alta dos preços.
Por isso, dizem esses interlocutores, houve pouco empenho do Planalto em sair em defesa do ministro diante das revelações.
Auxiliares de Guedes se queixaram desse abandono. Eles creditam o desgaste interno a pressões por mais recursos.
Membros da equipe econômica dizem ainda que as pressões sobre o ministro devem aumentar por causa da proximidade do ano eleitoral.
No entanto, assessores do ministro avaliam que as revelações da offshore não devem levar à saída de Guedes do governo. Dizem acreditar ainda que ele seja visto como importante avalista junto ao mercado.
Há uma apuração preliminar em andamento na Comissão de Ética Pública, após denúncia feita pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP). Como a Folha mostrou, conselheiros disseram reservadamente ter visto com preocupação o caso.
Devem também avaliar, entre outras coisas, se o artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal foi respeitado.
O texto prevê que "alterações relevantes no patrimônio da autoridade pública deverão ser imediatamente comunicadas à CEP [Comissão de Ética Pública]".
Offshore é um termo em inglês usado para definir empresa aberta em outros países, normalmente locais onde as regras tributárias são menos rígidas e não é necessário declarar o dono, bem como a origem e o destino do dinheiro.
Não é ilegal ter uma offshore, desde que declarada à Receita Federal, mas a falta de transparência desse tipo de empresa faz com que, frequentemente, elas sirvam para fins ilícitos, como ocultação de patrimônio.
O caso foi revelado por documentos da Pandora Papers, investigação promovida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos.
A série de reportagens mostrou ainda que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também tem offshore em paraíso fiscal.
Uma das consequências diretas da revelação da empresa de Guedes, segundo interlocutores no Planalto, é prejudicar o já complicado andamento de reforma tributária no Congresso.
Eles dizem acreditar que no Senado, onde a articulação política do governo já enfrenta mais resistência, os congressistas devem impor dificuldades para aprovar, por exemplo, a taxação de lucros e dividendos.
O problema é que a medida é uma das receitas previstas para financiar o Auxílio Brasil.
Nesta quarta, deputados aprovaram a convocação de Guedes. O requerimento apresentado pela oposição foi aprovado por 310 a 142.
Mesmo partidos aliados, como PP, PL e Republicanos -todos com assento no primeiro escalão do governo– votaram a favor do comparecimento do ministro.
Ainda não há data para o comparecimento de Guedes, mas a expectativa é de que ocorra na próxima quarta-feira (13).
Na terça-feira, advogados que representam o ministro da Economia disseram que, após assumir o cargo em 2019, ele não fez movimentações de valores em offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, da qual é acionista.
Em nota, a defesa de Guedes afirmou que o ministro se afastou da gestão da empresa em dezembro de 2018.
O Painel, da Folha de S.Paulo, mostrou que, nesta quarta, foi protocolada pela defesa de Guedes, de forma voluntária, uma petição na PGR (Procuradoria-Geral da República) com documentos que mostram que ele estaria afastado da empresa desde dezembro de 2018.
Os advogados do ministros disseram em nota divulgada na terça-feira (5) que, além da PGR, também iriam ao Supremo para esclarecer "de forma definitiva que o ministro jamais atuou ou se posicionou de forma a colidir interesses públicos com privados".
"Com relação à empresa Dreadnoughts, os documentos que serão protocolados deixam claro que o ministro desde dezembro de 2018 se afastou da sua gestão, não tendo qualquer participação ou interferência nas decisões de investimento da companhia", disse nota assinada pelos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.