Crise nas prévias do PSDB ocorre após acusações sobre filiados, apoio a Bolsonaro e aplicativo
O adiamento da votação, inicialmente prevista para ser concluída no último domingo, devido a problemas no aplicativo criado para permitir a participação dos filiados foi o estopim de um novo acirramento
O mais recente capítulo da crise no PSDB, deflagrado nesta segunda-feira em meio a discordâncias sobre o prazo para conclusão das prévias, foi o desdobramento de meses de acusações e trocas de farpas entre os três postulantes a serem candidatos à Presidência pelo partido: os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e o ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto.
O adiamento da votação, inicialmente prevista para ser concluída no último domingo, devido a problemas no aplicativo criado para permitir a participação dos filiados foi o estopim de um novo acirramento: enquanto Leite cobrou o término do processo até esta terça-feira, Doria e Virgílio apoiaram a decisão da direção nacional do PSDB de estender a votação até o próximo domingo (28).
A disputa, especialmente entre Doria e Leite, por apoios nos diretórios estaduais do partido ao longo dos últimos meses também produziu faíscas entre os candidatos, que se desentenderam ainda sobre a adoção do aplicativo para votação nas prévias, questionaram listas de filiados que ingressaram no PSDB após o prazo permitido e fizeram acusações mútuas sobre adesão ao governo do presidente Jair Bolsonaro.
Aliados de Eduardo Leite levaram à cúpula do PSDB a acusação de que 92 prefeitos e vice-prefeitos de São Paulo, estado de João Doria, haviam assinado a ficha de filiação após 31 de maio, prazo máximo permitido para participação nas prévias. Prefeitos e vice-prefeitos integram um dos quatro grupos das prévias, que corresponde a 25% do resultado final.
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A direção tucana acatou o pedido e excluiu os prefeitos e vices paulistas da votação, no fim de outubro. Poucos dias depois, foi a vez de aliados de Doria acusarem irregularidades na data de filiação de 34 filiados sem mandato nos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia - cujos diretórios haviam declarado apoio a Leite. Assim como no caso dos prefeitos, este grupo também foi retirado da votação.
Em entrevistas nos últimos meses, Leite e Doria trocaram farpas envolvendo apoios ao governo Bolsonaro. Doria citou mais de uma vez o fato de que, em votações recentes de interesse do governo, como a PEC dos Precatórios e a PEC do CNMP, a bancada de deputados federais de São Paulo votou contra - seguindo orientação da cúpula do partido, de setembro, de fazer oposição a Bolsonaro -, enquanto parlamentares de estados aliados a Leite se alinharam às orientações governistas.
Leite, por outro lado, fez diversas críticas veladas, inclusive no debate organizado pelo GLOBO, lembrando a associação feita por Doria ao nome de Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. No debate do GLOBO, Arthur Virgílio também criticou apoios de tucanos ao governo federal, mas fez uma referência mais dura a Leite, questionando o governador gaúcho sobre os motivos para também ter declarado voto em Bolsonaro no segundo turno da última eleição.
Na semana passada, às vésperas das prévias, Leite foi alvo de críticas após confirmar, em entrevista ao jornal "Folha de S. Paulo", que havia transmitido a Doria um pedido do então ministro da Secretaria de Governo, em janeiro, para adiar o início da vacinação com a Coronavac, imunizante desenvolvido pelo Instituto Butantan. Segundo o colunista Lauro Jardim, Doria repreendeu o governador gaúcho na ocasião e se negou a postergar o processo. Leite, por sua vez, acusou adversários de descontextualizarem o telefonema para atingi-lo, disse ter tratado com Doria somente da necessidade de haver coordenação nacional da campanha de imunização, e afirmou ter dado razão ao governador paulista sobre o início imeditado.
O aplicativo desenvolvido pela Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs) para a realização da prévia tucana foi alvo de desconfiança desde o início do processo. Aliados de Doria chegaram a sugerir que o aplicativo não era confiável. Publicamente, o governador paulista disse ser contra votação impressa nas prévias, e alegou ter confiança no formato escolhido pela direção do partido.
A lentidão do aplicativo no último domingo, dia marcado para a votação, levou a direção do PSDB a suspender as prévias. O prazo para retomada do processo gerou novas acusações e suspeitas sendo levantadas de lado a lado.
Outro ponto que gerou controvérsia durante as prévias foi a ameaça de Doria de não participar do primeiro debate entre os pré-candidatos tucanos, organizado pelo GLOBO, sob o argumento de que não teria sido consultado pela direção nacional do PSDB sobre as regras do encontro. Posteriormente, o governador paulista voltou atrás e compareceu ao debate.
A concorrência, principalmente entre Doria e Leite, para conquistar apoios de tucanos com mandatos e ex-presidentes da sigla, que têm proporcionalmente maior peso no colégio eleitoral tucano, também produziu momentos conturbados nas prévias. Cerca de uma semana após a data-limite para inscrições no processo, no fim de setembro, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) anunciou a retirada de sua candidatura nas prévias para apoiar Leite.
O governador gaúcho também angariou apoios de outros tucanos com bagagem política, como o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, hoje desafeto de Doria, e o deputado federal Aécio Neves (MG). A aproximação de Leite com Aécio, réu por corrupção no caso envolvendo propinas da JBS, foi usada como munição por aliados de Doria. Nesta segunda-feira, em meio à controvérsia sobre a nova data de conclusão das prévias, Arthur Virgílio referiu-se ao deputado mineiro como "maçã podre", e foi rebatido por Aécio, que o chamou de "laranja do Doria".
Doria, por sua vez, fez uma incursão no Rio Grande do Sul, estado de Leite, em seu último compromisso público nas prévias, na semana passada - e após ter angariado apoios de tucanos no estado. Numa tentativa de acenar para um clima de pacificação, Doria e Leite interagiram nas redes sociais anunciando um encontro no Palácio do Piratini, sede do governo gaúcho. Em seu post anunciando o convite a Doria, Leite ressaltou que ambos têm "estilos de ação política marcadamente diferentes".