Cúpula da PF é acusada de descumprir ordem judicial de transferir Milton Ribeiro para Brasília
Bruno Calandrini atribuiu aos integrantes da corporação crimes cometidos no episódio; sindicância aberta pela corporação concluiu que não houve irregularidades
Em mais um capítulo da guerra interna na Polícia Federal, o delegado Bruno Calandrini determinou o indiciamento da cúpula da corporação sob acusação de crimes na operação de prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro. No despacho de indiciamento, Calandrini apontou que integrantes do comando da PF atuaram para descumprir a ordem judicial que determinava a transferência de Ribeiro de Santos para Brasília após a prisão.
Calandrini, então, imputou aos integrantes da PF os crimes de desobediência a ordem judicial, prevaricação, associação criminosa e cárcere privado. Foram alvos do indiciamento o diretor de Combate ao Crime Organizado da PF, Caio Pellim, número três na hierarquia da corporação, o superintendente da PF de São Paulo, Rodrigo Bartolamei, o delegado Rapahel Astini, responsável por cumprir o mandado judicial de prisão, e outros policiais que atuaram no caso. Procurados, eles não se manifestaram. A PF também não quis comentar a acusação de interferência.
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O delegado ainda intimou todos eles a prestarem depoimento na próxima semana.
O indiciamento é um ato no qual o delegado de polícia imputa a uma pessoa o cometimento de crime, mas não resulta em acusação formal perante a Justiça. Posteriormente, cabe ao Ministério Público decidir se apresenta denúncia contra um alvo indiciado ou se arquiva o caso. O despacho foi proferido na última segunda-feira.
Ao cumprir a decisão judicial de prisão de Milton Ribeiro em 22 de junho, o delegado Raphael Astini, lotado em Santos, contou em depoimento ter recebido ordens superiores para encaminhá-lo à carceragem da PF na capital paulista. A ordem da 15ª Vara Federal de Brasília, entretanto, determinava a transferência de Ribeiro para a capital federal para participar de audiência de custódia no dia seguinte. Nessa audiência, Ribeiro seria interrogado sobre possíveis maus-tratos na sua prisão, mas não iria prestar depoimento sobre o mérito da investigação.
Por causa da transferência não ter sido concretizada, Calandrini enviou uma mensagem aos colegas em um grupo privado de WhatsApp dizendo ter havido "interferência" na investigação. No dia seguinte à prisão, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) revogou a prisão e soltou o ex-ministro.
Sindicância não detectou irregularidades
Uma sindicância chegou a ser aberta pela Corregedoria da PF para apurar o caso, mas concluiu que não houve irregularidades no fato de Ribeiro não ter sido transferido para Brasília. O relatório final apontou que a administração da PF formalizou, em um processo administrativo, que não houve disponibilidade orçamentária para custear passagens aéreas para policiais transferirem Milton Ribeiro em um voo de carreira e que também não houve aeronave da PF disponível. Em depoimento na sindicância, Calandrini não especificou que prejuízos o descumprimento da transferência para Brasília poderia ter provocado à investigação.
Ao determinar o indiciamento, Calandrini considerou que a justificativa sobre falta de recursos orçamentárias não era verdadeira.
Esse inquérito está no gabinete da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia desde o final de junho, depois que uma interceptação telefônica em curso contra Milton Ribeiro detectou uma referência ao presidente Jair Bolsonaro e a suspeita de vazamento da operação. Agora, cabe à ministra decidir se o caso deve prosseguir no STF para que o presidente também seja investigado ou se o processo deve ser devolvido à primeira instância. Calandrini também havia solicitado à ministra autorização para cumprir medidas cautelares contra os delegados da cúpula da PF, mas Cármen Lúcia ainda não decidiu sobre o pedido.
Mesmo sem uma decisão da ministra, Calandrini deu prosseguimento à investigação e mirou a cúpula da PF. Convocou delegados para prestar depoimento, dentre eles o diretor-geral da corporação Márcio Nunes de Oliveira, e agora proferiu indiciamentos. A cúpula da PF, então, pediu a abertura de procedimento na Corregedoria apontando que Calandrini não poderia dar prosseguimento ao caso porque não houve autorização judicial da ministra.
Também o delegado Raphael Astini entrou com um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal pedindo a suspensão das diligências. No habeas corpus, a defesa de Astini define o caso como "investigação paralela conduzida fora dos autos" e diz que Calandrini poderia estar atuando "como forma de vingança pessoal".
Em entrevista ao GLOBO, Calandrini disse que está encaminhando ao STF todas as diligências realizadas até que a ministra decida o foro do caso.
— Não há nenhum procedimento clandestino — afirmou.