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BRASIL

Da aprovação à revogação: o impasse sobre resolução para aborto legal de crianças e adolescentes

Presidente do Conanda defende que documento apenas detalha o que já está previsto na legislação. Texto recebeu oposição do governo Lula e de bolsonaristas

Em 2023, país registrou 83.988 estupros, uma média de um a cada seis minutosEm 2023, país registrou 83.988 estupros, uma média de um a cada seis minutos - Foto: rawpixel/ Freepik

Em meio à resistência do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de parlamentares bolsonaristas, a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que define diretrizes para o aborto legal em crianças e adolescentes foi debatida por meses e aprovada, mas acabou revogada pela Justiça.

O que gerou a oposição do governo e a decisão judicial? A resolução institui novas regras ou apenas regulamenta o que já está previsto na legislação? O Globo detalha a seguir os principais pontos do documento e a reação à resolução:

O que diz o texto aprovado pelo conselho?
A resolução aprovada pelo Conanda visa a garantir atendimento humanizado às vítimas com direito ao procedimento, conforme previsto pela legislação brasileira: em casos de gravidez decorrente de violência sexual, risco de vida à gestante e quando o feto apresenta anencefalia. O texto destaca que, identificada a situação de aborto legal e manifestada a vontade de interromper a gravidez, a criança e a adolescente devem ser encaminhadas aos serviços de saúde pelo órgão do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) para realizar o aborto.

A norma propõe diretrizes para evitar a revitimização de crianças e adolescentes, garantindo que a “manifestação de vontade” da gestante seja priorizada, mesmo nos casos de divergência dos pais. Caso a presença dos responsáveis represente risco de "danos físicos, mentais ou sociais", e se ela tiver capacidade para tomar a decisão, o profissional deve garantir o processo de escuta e que quaisquer outros "tratamentos, devidamente consentidos, sejam realizados sem impedimento".

No caso em que os responsáveis estiverem presentes e divergirem, também devem ser acolhidos, mas priorizando o desejo manifestado pela menor de idade. Se a divergência persistir, a recomendação é acionar a Defensoria Pública ou o Ministério Público.

A resolução cria novas regras?
O Conanda é o órgão deliberativo máximo em políticas de proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil e é o responsável por fiscalizar e regulamentar políticas públicas, conforme o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). A resolução foi aprovada em uma assembleia extraordinária do conselho, na qual os 15 representantes da sociedade civil que compõem o conselho votaram a favor da medida e os 13 integrantes do governo foram contrários.

A presidente do Conanda, Marina de Pol Poniwas, argumenta que "a resolução não inova em nada, apenas traduz e detalha o que já está previsto" na legislação. Para ela, o "governo quer atrasar o processo".

— A resolução é um passo a passo para orientar o sistema. Nosso papel, com esse documento, é traduzir, detalhar e explicar o que já está previsto na legislação. Não vamos criar uma lei e nem inovar em nada. Não temos esse poder — explicou a presidente do Conanda.

A advogada Amanda Nunes, do Instituto de Bioética (Anis), uma organização não-governamental feminista, antirracista e anticapacitista, também aponta que a norma buscou dar maior clareza ao que já está na lei.

— A resolução não tem poder de lei, mas, sim, força normativa. Ela é infra-legal, baseada na legislação. O documento do Conanda busca dar maior clareza e organizar o que está na lei sobre aborto e saúde para crianças e adolescentes. Portanto, caso o documento entre em vigor, os órgãos são obrigados a cumprir o que está previsto no texto — disse a advogada ao GLOBO.

Por que houve oposição do governo e de bolsonaristas ao documento?
Na assembleia em que ocorreu a votação, os integrantes do governo Lula entenderam que a medida, com a redação atual, deveria ser regulamentada por lei e aprovada pelo Congresso. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, comandando pela ministra Macaé Evaristo, os representantes da gestão federal questionaram os termos da resolução durante a votação e solicitaram um pedido de vista para análise mais detalhada da proposta.

A pasta requisitou um parecer da consultoria jurídica do ministério, que "indicou, entre outros aspectos, que a minuta de resolução apresentava definições que só poderiam ser dispostas em leis – a serem aprovadas pelo Congresso Nacional, indicando a necessidade de aperfeiçoamento e revisão de texto, garantindo maior alinhamento ao arcabouço legal brasileiro". Apesar das solicitações, o pedido de vista apresentado foi rejeitado pelo plenário do Conanda.

Coordenadora da Nem Presa Nem Morta, campanha que defende a descriminalização do aborto no Brasil, Laura Molinari diz que há uma tentativa de barrar a resolução com motivação política:

— É um tema polêmico e debatido há anos. Parece que o governo ainda não tem disposição para entrar nesse debate.

O texto também sofreu pressão e críticas de parlamentares de oposição, que defendem a agenda conservadora e buscam dificultar o acesso ao aborto legal. Após a aprovação da resolução,a deputada federal Carla Zambelli (PL) defendeu que o texto é "perverso, antidemocrático e anticientífico". A deputada Julia Zanatta (PL-SC) chegou a apresentar um projeto para alterar a lei que cria o Conanda, proibindo-o de discutir o tema do aborto em crianças e adolescentes. O deputado Gustavo Gayer (PL-GO), por sua vez, apresentou moção de repúdio contra o conselho.

Por que a Justiça revogou a medida?
Na terça-feira, a Justiça Federal de Brasília atendeu a um pedido da senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e suspendeu os efeitos da resolução. Damares alegou que houve atropelo regimental durante a votação. O juiz federal Leonardo Tocchetto Pauperio acolheu os argumentos da senadora.

Para o magistrado, a negativa ao pedido de vistas durante a votação violou o devido processo legal administrativo e agiu de forma “contrária à legalidade e à segurança jurídica que devem ser inerente aos atos da Administração”. “Dessa forma, não entendo razoável colocar em risco uma infinidade de menores gestantes vítimas de violência sexual, mormente nessa época do ano, sem que haja a ampla deliberação de tão relevante política pública”, explicou o juiz.

 

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