De convite para o crime à execução: sete momentos do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes
Ex-PM Élcio Queiroz admitiu ter sido o motorista do atirador Ronnie Lessa na noite do crime e detalhou todos os passos dos homicídios da vereadora e do motorista Anderson Gomes
O ex-policial militar Élcio de Queiroz, preso em 2019 pelo envolvimento nos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, revelou, em uma delação premiada à Polícia Federal e ao Ministério Público do Rio como foi a execução da política. Ele relatou ainda que o também ex-PM Ronnie Lessa usou uma touca ninja e uma submetralhadora no crime, arquitetou a fuga e depois se livrou das principais provas: o carro e a arma. O Globo montou os sete principais momentos do planejamento e execução do crime, segundo o delator.
Um desabafo no réveillon
Amigos há décadas, Élcio passou a festa de réveillon de 2017 para 2018 com sua a família e a de Ronnie no condomínio Vivendas da Barra, na Zona Oeste, onde o atirador morava. No meio da noite, Ronnie, alcoolizado, confidenciou que estava chateado pois não consegui concluir um trabalho há algum tempo com dois cúmplices: Maxwell Simões Correa, o Suel (preso na segunda-feira em operação da PF), e Edimilson Oliveira, o Macalé, que foi assassinado.
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Lessa então detalhou a noite que saiu com os dois: Maxwell era o motorista do Cobalt, o atirador no carona com sua submetralhadora e Edimilson no banco traseiro com um fuzil Ak-47. Marielle estava num táxi, também no Estácio, bairro onde foi assassinada meses depois. Em seu desabafo ao amigo, o atirador contou que o trio se aproximou do veículo da vereadora, mas, apesar da ordem de emparelhar com o carro, Suel não conseguira se aproximar. O motorista explicou a Lessa que o carro dera um problema, mas o ex-Bope não acreditou e achava que Suel tinha ficado com medo.
O convite para o crime
Élcio de Queiroz estava trabalhando como segurança de uma transportadora quando recebeu uma mensagem de Ronnie Lessa na tarde de 14 de março de 2018, horas antes do assassinato. A comunicação ocorreu por um aplicativo em que as mensagens se autodestroem após lidas. A dupla usava o mensageiro quando queriam falar sobre atividades ilegais.
Por volta das 12h, Élcio estava no viaduto de Rocha Miranda, em frente o Grêmio Recreativo de Rocha Miranda, quando recebe o contato de Lessa pelo Confide. Duas horas depois, termina o serviço e vai para casa almoçar e se preparar à espera do novo contato do amigo.
Uma nova mensagem chegar por volta das 16h, e o motorista sai de casa para encontrar Ronnie Lessa no Vivendas da Barra.
Saída para o assassinato
O atirador aguardava Élcio na porta de casa com uma bolsa de viagem, onde a arma usada no crime estava guardada. Eles embarcaram no carro pessoal do atirador e foram em busca do Cobalt prata usado no crime. No primeiro carro, deixaram seus telefones desligados para tentar evitar serem rastreados pelos sinais de celular.
Já no carro usado no crime, eles passaram pelo Alto da Boa Vista, pela Praça Sãens Peña, na Tijuca, até chegarem à Rua dos Inválidos, na Lapa, onde Marielle participava de um evento.
Execução
No caminho para a Rua dos Inválidos, o motorista perguntou a Lessa "qual era a situação", e obteve como resposta do amigo ser "algo pessoal" sobre a vereadora Marielle Franco, sem o envolvimento de dinheiro. O ex-BOPE teria visto nas redes sociais que a vereadora participaria de um evento no local às 19h. A dupla chegou próximo ao horário e Lessa ficou preocupado de terem se atrasado. O atirador demonstrou conhecer bem a região: Élcio conta ter recebido instruções de onde poderia parar o carro para evitar câmeras de segurança.
Depois de mudar de posição, ele começou a se equipar: colocou um casaco (preto com detalhes vermelho e branco, de algum time estrangeiro), tirou a metralhadora da bolsa, colocou o silenciador e ficou observando o movimento com um binóculo.
Marielle deixa a Casa das Pretas e entra no carro com o motorista Anderson Gomes e Fernanda Chaves, sua assessora que sobreviveu ao assassinato. Ao ver que havia outra passageira, Élcio questiona se Lessa abortaria a missão: "Me falou para ficar tranquilo que não ia pegar nela".
O carro com os três foi embora e a dupla foi logo atrás. Lessa orientou manter distância. Além da oportunidade de cometer o crime no carro, o atirador já tinha mapeado um bar onde Marielle costumava ir. Mas ao se aproximar do carro de Marielle parado em um cruzamento, Lessa, de touca ninja, deu a ordem: "emparelha a minha janela com a de trás do lado direito. Pelo carona".
"Eu só escutei a rajada; da rajada, começou a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço; Ele falou "vão bora"; eu nem vi se acertou quem, se não acertou" , detalha Queiroz na delação.
Fuga
Élcio arrancou com o carro e foram embora. No banco de trás, Lessa colocou um carregador cheio na submetralhadora para "fazer barulho" caso "alguém os roubasse". Eles pegaram a direção da Leopoldina para depois acessar a Avenida Brasil. De lá passaram pela Linha Amarela no sentido Barra da Tijuca e desceram antes do pedágio, no Méier, Zona Norte do Rio. Passaram então em frente à casa da mãe de Lessa e estacionaram próximo a uma casa de festas. O atirador então chamou pelo irmão, pediu para ele guardar a bolsa e pedir um táxi para a dupla.
Os dois embarcam no novo carro e pegam novamente a Linha Amarela em direção a Barra da Tijuca. Eles voltam ao local onde tinham deixado o veículo pessoal de Lessa e foram para um bar na Olegário Maciel, famoso point da noite carioca.
Bebedeira
Ao chegarem no bar, Ronnie e Élcio se sentaram com Maxwell, sua esposa, Assis Bombeiro e um outro militar. A mesa estava cheia de bebidas, entre elas whisky. Logo quando se aproximaram, Maxwell foi em direção a Ronnie e falou que já sabia que eram eles que cometeram o crime no momento, a morte da vereadora já era notícia em todos os jornais e canais. Ao ver na televisão uma reportagem sobre o crime, Élcio perguntou ao garçom o que tinha acontecido e teve como resposta que duas pessoas haviam sido assassinadas. Na delação ele conta ter sido nesse momento que percebeu que, além da vereadora, outra pessoa tinha morrido.
O motorista do crime conta ainda que ficou bêbado naquela noite e chegou a vomitar três vezes. O grupo foi um dos últimos a deixar o estabelecimento e a dupla voltou para a casa de Lessa, no Vivendas da Barra, onde Lessa deu R$ 1 mil para o amigo, mas não teria sido o pagamento pelo crime e sim uma ajuda financeira que seria corriqueira.
Eliminação de provas
Ronnie e Maxwell vão à casa de Elcio no dia seguinte ao crime. Era no final da manhã e o delator ainda não tinha se recuperado da ressaca da noite anterior. Eles buscaram o motorista e, juntos, foram ao Meier, onde tinham deixado o carro usado no crime. Após debater o que fariam, decidiram ir a casa de Queiroz para adulterar a placa a original foi cortada em vários pedaços. Na garagem, o grupo fez uma limpeza no Cobalt e recolheram algumas cápsulas que tinham restado no interior do veículo. Para adulterar carro, Suel também colocou um adesivo de maçã no vidro traseiro.
A saída foi filmada pelas câmeras de segurança da casa, mas Queiroz arrancou o HD do equipamento e jogou no rio que passa pela rua Borja Reis. Ele conta que até hoje não colocou um novo gravador no lugar.
O grupo deixou Maxwell com o carro em Rocha Miranda e foram embora.
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A caminho de Rocha Miranda, onde iriam encontrar uma pessoa para destruir o carro, eles seguiram a linha do trem. No carona, Lessa foi jogando os pedaços da placa e as cápsulas para dentro do muro que protege os trilhos. A ideia era, segundo Élcio, que o material se misturasse com os cascalhos da linha férrea.
"Ronnie deixou bem claro pra explicar pra ele que isso (o carro) tem que sumir não pode aparecer, não pode vender peça... não pode fazer desmanche pra vender peças; preocupação era essa porque tem digital, podia achar uma cápsula, um DNA, alguma coisa; se possível até tacar fogo; e principalmente tirar a numeração".