De olho na eleição, Bolsonaro busca meios de reaproximar Republicanos e evitar racha no Centrão
Partido se distanciou do presidente e tem divergências internas se deve apoiar reeleição
O presidente Jair Bolsonaro busca formas de reaproximar o Republicanos de sua órbita e, com isso, corrigir uma fratura exposta no Centrão, a base de sustentação do governo, da qual o partido é um dos pilares, assim como PP e PL. Caciques da sigla não escondem a insatisfação com o que consideram sinais de desprestígio junto ao chefe do Executivo.
Na tentativa de segurar a legenda dentro da aliança que trabalhará para reeleger o titular do Palácio do Planalto, o governo já se comprometeu com dirigentes da sigla em mantê-la no comando do Ministério da Cidadania depois que o atual titular da pasta, João Roma (Republicanos-BA), se descompatibilizar para disputar a eleição.
O ponto de partida para o distanciamento do Republicanos data do final do ano passado, quando as três legendas do Centrão convidaram Bolsonaro a ingressar em seus quadros. Ele optou pelo PL e, desde então, tem indicado que seus principais aliados devem acompanhá-lo. Esse é um dos principais pontos de fissura da relação.
Ainda em 2021, o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), deixou claro a Bolsonaro que, ao escolher a qual partido se filiaria, ele deveria distribuir seu potencial eleitoral entre as outras pernas da tríade que forma o Centrão. Faria isso orientando seus aliados mais competitivos nas urnas a entrarem nas outras siglas preteridas, de forma que todas elegessem bancadas robustas no Congresso.
Na ocasião, Pereira adiantou, inclusive, quais nomes de ministros do governo ele gostaria de ter como correligionários: o da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que até hoje não decidiu para onde irá, mas cogita ir para o PL; da Agricultura, Tereza Cristina (DEM), que deve ir para o PP; do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, recém-filiado ao PL; e das Comunicações, Fábio Faria, prestes a trocar o PSD pelo PP.
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O GLOBO apurou que Pereira deixou de ir às reuniões do comitê da pré-campanha à reeleição quando viu que todos os quadros bolsonaristas que lhe atraíam estavam indo para outros partidos, e não o Republicanos.
Além disso, reservadamente, integrantes dos partidos se queixam do espaço que a legenda ocupa no alto escalão do governo, onde tem apenas o Ministério da Cidadania, responsável pelo Auxílio Brasil. Em abril, alguns ministros vão deixar o governo para concorrer em seus estados, o que abrirá vagas na Esplanada.
Outro aceno que também está sendo debatido é a escolha de Mecias de Jesus (RR), líder do Republicanos no Senado, como líder do governo na Casa. Ainda assim, a prioridade é para um integrante do PL, partido do presidente.
Os mais cotados atualmente são os senadores Marcos Rogério (PL-RO) e Eduardo Gomes (MDB-TO). Gomes negocia uma possível filiação ao PL e acumularia a função com a liderança do governo no Congresso.
Em entrevista ao GLOBO, o coordenador do comitê de campanha à reeleição do presidente da República, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), admitiu o distanciamento de Marcos Pereira, que chegou a participar de algumas reuniões do grupo e aproveitou para dar uma espécie de recado:
— Preciso saber com o Marcos Pereira o que é preciso para estar mais junto, porque a relação é de 100% de confiança.
O Republicanos é estratégico para as pretensões eleitorais de Bolsonaro. Trata-se de um partido umbilicalmente ligado à Igreja Universal e essencialmente formado por evangélicos, segmento que reúne uma fatia relevante do eleitorado bolsonarista.
— O Republicanos tem total identidade política e convergência de princípios com Bolsonaro. É uma questão de trazer mais para perto, dar mais atenção — reconheceu Flávio na entrevista.
O desgaste na relação teve como principal fator uma crise em Angola que envolveu diretamente a Universal. Em 2019, cerca de 300 bispos e pastores locais se rebelaram contra a direção brasileira da igreja por acusações de lavagem de dinheiro, sonegação e imposição de vasectomia às lideranças evangélicas.
Já no ano passado, as denúncias tornaram-se os elementos centrais de peças de acusação do governo angolano contra a igreja, imbróglio que afetou também a renovação de vistos de missionários para atuar em Angola e causou a deportação de dezenas de lideranças. Em reação, o presidente do Republicanos chegou a atacar o governo em transmissão ao vivo da TV Templo, ao classificar a postura do governo como um descaso.
Outro entrave para a reconciliação definitiva do Republicanos com o bolsonarismo passa por divergências internas sobre qual melhor rumo a se tomar em 2022. Uma ala defende que a sigla continue na base do governo pelo menos até junho, mas sem se comprometer com o apoio à reeleição de Bolsonaro.
Uma parcela prefere guardar distância do presidente e deixar o caminho livre à formação de alianças com partidos mais à esquerda. O deputado federal Silvio Costa Filho, por exemplo, é presidente do Republicanos em Pernambuco e aliado do governador do estado, Paulo Câmara (PSB), que por sua vez possui acordos com o PT.
As decisões devem começar a ser discutidas efetivamente depois do período da janela partidária, em abril, na Executiva Nacional. Por ora, Marcos Pereira tem dito que sua prioridade é selecionar os nomes que disputarão as vagas no Congresso pelo partido.
Desde que Pereira assumiu a presidência da sigla, o Republicanos ampliou seu espaço na Câmara, indo de 8 para 31 deputados. No Senado, porém, conta apenas com um representante.
Além das questão nacionais, o cenário política na Bahia surge como mais um nó na relação entre Republicanos e o governo. O ministro da Cidadania, João Roma, planeja disputar o governo do estado, mas corre o risco de ver Bolsonaro no palanque do seu adversário, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto.
Internamente, membros da própria sigla defendem que Roma abra mão da candidatura ao Executivo a se alie a ACM Neto —de quem era braço-direito e com quem rompeu recentemente— composição que daria mais condições para o partido fazer uma bancada numerosa no Congresso.
Outros episódios recentes contribuíram para afastar o Republicanos. Um deles envolve a disputa na Câmara pela vaga da Casa ao Tribunal de Contas da União (TCU). Pleiteiam o cargo os deputados Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR), Soraya Santos (PL-RJ) e Hugo Leal (PSD-RJ). O nome preferencial, neste caso, tem sido o da deputada Soraya.
Também causou insatisfação o fato de o presidente Jair Bolsonaro ter retirado a indicação do ex-prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella (Republicanos) para assumir a embaixada do Brasil na África do Sul, em novembro do ano passado. A desistência aconteceu seis meses após a indicação. Crivella dependia da aprovação das autoridades sul-africanas, o que não aconteceu.
Reservadamente, Pereira demonstra a aliados mágoa por jamais ter sido sequer considerado por Bolsonaro como uma opção para o Supremo Tribunal federal (STF), sonho antigo do presidente do Republicanos. Ainda assim, ele ajudou na campanha de André Mendonça.