De ''onde estavam as tropas?'' a ''narrativa idiota'': veja tudo o que Bolsonaro já disse
Ex-presidente repetiu por várias vezes a retórica de que uma investida democrática demandaria o uso de força e já negou em diferentes ocasiões ter recebido ou elaborado minutas que pregassem uma ruptura
Desde que uma primeira minuta de teor golpista foi apreendida na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, em fevereiro de 2023, Jair Bolsonaro (PL) vem tentando negar qualquer intenção antidemocrática registrada na reta final de seu governo.
Nesta sexta-feira (15), porém, a divulgação do conteúdo dos depoimentos à Polícia Federal (PF) do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e do tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, que chefiava a Aeronáutica a época, colocou, pela primeira vez, a digital do ex-presidente em documentos que defendiam abertamente uma ruptura institucional para impedir que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumisse o cargo.
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Os dois militares relataram aos investigadores que textos apresentados por Bolsonaro após a vitória do petista nas urnas apresentavam diferentes caminhos para que o resultado das eleições não prevalecesse: uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e a decretação de Estado de Defesa ou de Estado de Sítio. Antes disso, minutas similares chegaram a ser encontradas no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e na sala do ex-presidente no PL.
Ainda em fevereiro de 2023, Bolsonaro ironizou as suspeitas de que teria tramado um golpe após não alcançar a reeleição. Mesmo sem citar diretamente o documento que havia sido apreendido na residência de Anderson Torres, o ex-mandatário recorreu, em entrevista ao jornal norte-americano "The Wall Street Journal", a uma retórica que tanto ele quanto seus aliados usaram com frequência desde então:
— Golpe? Que golpe? Onde estava o comandante? Onde estavam as tropas, onde estavam as bombas?
Na ocasião, Bolsonaro passava uma temporada nos Estados Unidos, para onde seguiu ainda nos últimos dias de mandato para não ter de entregar a faixa presidencial a Lula. Ele usou o fato de estar no exterior para rechaçar qualquer ligação com os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente invadiram a depredaram as sedes dos três Poderes em Brasília.
— Eu nem estava lá, e eles querem me culpar.
Em junho de 2023, enquanto as investigações da PF avançavam, Bolsonaro voltou a argumentar que a existência de um golpe demandaria, necessariamente, uso de força — "é pé na porta e arma na cara", disse. A declaração se deu durante evento no Rio Grande do Sul, no qual ele afirmou que não tomou ciência da minuta golpista encontrada na casa de Torres:
— Não tive conhecimento… Não existe golpe com respaldo jurídico. Golpe é pé na porta e arma na cara, meu deus do céu. Golpe tem que depor alguém. (Artigo) 142, GLO, tudo isso são remédios previstos na Constituição. (…) Golpe não tem papel, tem fuzil. Dá pra entender isso?
Uma semana depois, Bolsonaro adotou tom semelhante:
— Estado de defesa é previsto na Constituição. Não tomei conhecimento desse documento, dessa minuta. Nas perícias, só encontraram digitais do delegado da operação e de um agente, de mais ninguém. Papéis, eu recebia um monte. Então, é óbvio que não tem cabimento você dar golpe com respaldo da Constituição.
No dia da operação em que agentes da PF apreenderam uma nova minuta golpista na sala de Bolsonaro no PL, o ex-presidente voltou a negar, em entrevista à revista Veja, ter elaborado ou recebido qualquer conteúdo neste sentido:
— Nunca chegou a mim nenhum documento de minuta de golpe, nem nunca assinei nada relacionado a isso. Até porque ninguém dá ‘golpe’ com papel.
Acuado enquanto a apuração da Polícia Federal seguia se aprofundando, Bolsonaro convocou uma manifestação para a Avenida Paulista, realizada no dia 25 de fevereiro. O objetivo do ato era mostrar força política em meio às complicações jurídicas que se avolumavam. Ele voltou a se defender durante discurso no carro de som:
— Golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração. Nada disse foi feito no Brasil. Por que continuam me acusando de golpe? Porque tem uma minuta de decreto de Estado de Defesa. Golpe usando a Constituição?
A declaração, que pela primeira vez reconhecia a existência de um documento de caráter antidemocrático orbitando o governo, foi vista pela PF como mais um indício das investidas golpistas protagonizadas pelo ex-presidente. A defesa de Bolsonaro entrou em campo e alegou que o cliente teria confundido linhas do tempo, sem qualquer confissão a respeito de papéis do gênero.
A negativa mais recente veio nesta sexta-feira. Depois dos mais duros depoimentos a respeito das movimentações em prol de um golpe, em relatos de dois militares dos mais próximos a Bolsonaro, ele falou ao portal Metrópoles que tudo não passaria de uma "narrativa idiota":
— Sobre o Estado de Defesa e o Estado de Sítio, precisa convocar um conselho com diversos integrantes. Para que fosse implementado, precisaria convocar o conselho, inclusive com presidente da Câmara e do Senado. E não teve nenhum conselho convocado. Aqui não é Hugo Chávez, Maduro (...) Não é crime falar sobre o que está previsto na Constituição Federal. Você pode discutir e debater tudo o que está na Constituição Federal. O que falam em delação, em depoimentos, é problema de quem falou. É uma narrativa idiota.