POLÍTICA

De órgão da ditadura à CPI dos grampos, diretor da Abin alvo da PF coleciona atritos e polêmicas

Formado pelo SNI e especialista em vigilância, Paulo Maurício Fortunato comandou a equipe responsável por operar um programa secreto de monitoramento da localização de celulares

Agência Brasileira de Inteligência (Abin)Agência Brasileira de Inteligência (Abin) - Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil

Homem de confiança da chefia da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Maurício Fortunato é considerado por colegas como um “espião à moda antiga”. Ex-integrante do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de arapongagem da ditadura, ele galgou posições de destaque em diferentes governos ao se especializar em operações de vigilância. Seguia à risca a missão de monitorar estrangeiros infiltrados no Brasil e ameaças terroristas na América Latina.

Ao longo da carreira, envolveu-se em atritos e em episódios polêmicos. O mais recente deles veio à tona na sexta-feira, quando foi afastado da cúpula da agência por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Fortunato é alvo de uma investigação da Polícia Federal e suspeito de comandar a área que, sob o governo de Jair Bolsonaro, rastreava a localização de celulares.

Como revelou o jornal O Globo em março, a Abin utilizou um sistema secreto com capacidade de monitorar, sem autorização judicial, os passos de até 10 mil pessoas por ano. Para isso, bastava digitar o número de um contato telefônico no programa e acompanhar num mapa a localização registrada a partir da conexão de rede do aparelho. A ferramenta israelense, chamada “First Mile”, era operada, sem qualquer controle formal de acesso, pela equipe de operações da agência de inteligência, comandada à época por Fortunato.

Intimado a prestar depoimento à PF, o oficial que ocupava o posto de número 3 da Abin ficou em silêncio na sexta-feira passada. Não deu explicações sobre o sistema de espionagem nem sobre os US$ 170 mil em dinheiro vivo apreendidos em sua residência durante a operação policial. A pessoas próximas, porém, se justificou dizendo que nunca operou o programa secreto e que sequer tinha a senha de acesso ao First Mile. Pessoas que trabalharam com Fortunato garantem que ele tinha conhecimento de como funcionava a ferramenta.

O oficial comandou a diretoria de operações da Abin sob a gestão do delegado da PF Alexandre Ramagem, fiel escudeiro do ex-presidente Jair Bolsonaro. Conquistou a confiança da nova direção da agência ao cumprir missões espinhosas. A relação, porém, ficou estremecida após um desentendimento devido ao corte de uma parcela da verba utilizada para pagar informantes. Fortunato era a favor de manter a tradição na Abin. Ramagem foi contra e redirecionou os recursos para a superintendência do Rio de Janeiro, estado pelo qual foi eleito deputado federal. Diante dessa rusga, o então diretor de operações decidiu entregar o cargo e se aposentar.

O espião que saiu do frio
A partir daí, o oficial planejava ter uma vida mais pacata e escrever um livro sobre as experiências vividas ao longo de quase quatro décadas no serviço de inteligência. Esse plano teve que ser engavetado após receber um convite de Luiz Fernando Corrêa, ex-diretor-geral da PF e atual chefe da Abin, para assumir a secretaria de Planejamento e Gestão da agência. Fortunato topou o desafio e se tornou o número três do órgão, mesmo sob desconfiança do Congresso.

Quando foi destacado para a nova função, o oficial teve o seu nome contestado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). O parlamentar lembrou que o atual secretário da Abin se envolveu na Operação Satiagraha, anulada pela Justiça após a Abin atuar numa investigação conduzida pela Polícia Federal em 2008. O episódio se tornou um escândalo e foi alvo de uma apuração no Congresso, que convocou Fortunato para prestar esclarecimentos. Sob pressão, o então diretor de contrainteligência do órgão foi afastado. À época, ele negou ter praticado irregularidades e nunca foi processado pelo caso.

Com a biografia fustigada, Fortunato acreditava que a sua carreira tinha chegado ao fim. Tentou sair do país e submergir. Em 2009, foi selecionado num processo interno da Abin para atuar como adido da agência na Venezuela. O governo não o empossou porque o seu nome havia sido vinculado ao escândalo da Satiagraha. No ano seguinte, já longe dos holofotes, ele foi escolhido para atuar como representante da instituição na Argentina.

De Serra Pelada ao SNI
Fortunato costuma dizer que a sua carreira começou como “fruto do acaso”. Nos anos 1980, ele estudava Economia no Rio de Janeiro e foi aprovado em um processo seletivo para trabalhar para a Caixa Econômica Federal em regiões de garimpo. Pouco tempo depois, foi designado para atuar em Serra Pelada, no Pará.

Quando as atividades da Caixa na região foram encerradas, o Serviço Nacional de Informações, que monitorava as atividades de garimpo, resolveu fazer um processo seletivo para incorporar os trabalhadores que atuavam pelo banco em Serra Pelada. Fortunato conquistou uma das vagas e começou a se dedicar a aprender técnicas de espionagem durante a ditadura militar. Quando a Abin foi criada, em 1999, recebeu o corpo de funcionários do extinto SNI.

Com o passar do tempo, Fortunato se destacou na Abin, coordenando equipes e operações especiais em eventos como a Copa das Confederações, em 2013, e a Copa do Mundo, no ano seguinte. Em 2016, ele ajudou a identificar um grupo de jovens brasileiros que preparava um ataque a Olimpíada no Rio. O episódio era um dos capítulos do livro planejado por Fortunato, que agora pode retomar o projeto.

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