Declarações de Lula sobre Venezuela arranham imagem do Brasil, avaliam especialistas
Chanceler do Chile afirmou que 'os problemas da democracia se resolvem com mais democracia'
As declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a Venezuela no âmbito da cúpula de presidentes do Mercosul arranham, como outras ditas no mesmo sentido nos últimos meses, a imagem do Brasil na região e no mundo. Na visão de especialistas ouvidos pelo Globo, ao afirmar coisas como “o que não pode é a gente isolar e levar em conta que apenas os defeitos estão de um lado, os defeitos são múltiplos”, o chefe de Estado brasileiro está aceitando passivamente condutas antidemocráticas cometidas pelo regime comandado por Nicolás Maduro.
— A Venezuela não é uma democracia, ninguém duvida disso, a não ser o Lula, quando fala em relativizar a democracia — opina Pio Penna, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, em referência a uma declaração dada por Lula na semana passada de que o 'conceito da democracia é relativo'.
As falas de Lula repercutiram rapidamente em países da região, entre eles o Chile. O chanceler do país, Alberto Van Klaveren, escreveu em sua conta na rede social Twitter que “os problemas da democracia se resolvem com mais democracia. Os processos eleitorais devem ser livres e justos, sem restrições nem exclusão de candidatos e candidatas. Nos preocupam os retrocessos que se observam a este respeito em vários países irmãos da região”. Em maio, durante uma cúpula de presidentes sul-americanos em Brasília, o presidente chileno, Gabriel Boric, já questionara a posição do Brasil sobre a Venezuela, e afirmara que os direitos humanos e políticos devem ser respeitados em todo lugar, "não importa a coloração política”.
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A posição do governo Lula, segundo fontes brasileiras, tem como uma de suas principais bases de sustentação a convicção de que manter o canal de diálogo aberto com Caracas é fundamental para participar do processo político no país. O governo Lula já defendeu a necessidade de que as eleições presidenciais de 2024 sejam limpas, justas e transparentes - caso contrário, os custos políticos para o Brasil seriam altos. No entanto, acrescentaram as fontes, o Brasil não vai opinar publicamente sobre decisões internas do país, como a de inabilitar a líder de direita Maria Corina Machado, que estava liderando as pesquisas para as primárias opositoras e foi excluída da corrida, e da política de seu país, por um prazo de 15 anos.
O governo do presidente argentino, Alberto Fernández, tem a mesma posição, e participa diretamente do processo de diálogo entre governo e oposição na Venezuela. Segundo fontes da Casa Rosada, a Argentina tem discutido internamente o que fazer diante de uma situação como a de Maria Corina, entre outras, porque teme que este tipo de decisões possa afetar a legitimidade do processo eleitoral de 2024. O Brasil, segundo O Globo apurou, não pretende se envolver neste tipo de situações.
— A posição brasileira já prejudicou o país, porque defende-se o indefensável — enfatiza Penna.
Na visão de Hussein Kalout, ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e pesquisador da Universidade Harvard, “a posição do presidente Lula é correta, no entanto, para evitar interpretações errôneas, é necessário que a assessores do presidente expliquem melhor estas falas”.
— Declarações como a desta terça-feira podem gerar arranhaduras na imagem do Brasil. É importante que o presidente defenda o não isolamento da Venezuela, mas, ao mesmo tempo, é preciso esclarecer que esse não isolamento não converge para a concordância automática com a metodologia empregada pelo regime — apontou Kalout.
O governo brasileiro, disseram fontes, esperava que o assunto Venezuela surgisse nos debates entre os presidentes do Mercosul, e estava preparado. O Brasil, enfatizaram as fontes, acredita que na questão Venezuela existem sim nuances, que devem ser ressaltados. E acredita, principalmente, que isolar Maduro foi uma estratégia que já fracassou.
Lula quer manter os canais abertos com o presidente da Venezuela, entre outras razões, porque a relação bilateral é importante para o Brasil por vários motivos. O governo Lula está tentando renegociar uma dívida de US$ 1 bilhão do governo venezuelano; o comércio bilateral foi fortemente afetado pelo distanciamento entre os dois países; o governo brasileiro acredita que ausentar-se da Venezuela abre espaço para uma maior presença de países como Rússia e China; e a expectativa de promover uma melhora da democracia na Venezuela é um dos interesses prioritários de Lula em matéria de política externa. O problema, admitem alguns membros do governo, é que declarações como as de Puerto Iguazú causam controvérsias e prejudicam justamente a meta de ter uma agenda positiva com a Venezuela, respaldada pelos vizinhos.
No Mercosul, a Argentina está alinhada com o Brasil, e ambos países divergem de Paraguai e Uruguai. Fontes da Casa Rosada frisaram que o país continua achando que o diálogo com Maduro é o único caminho para encontrar uma saída para a crise venezuelana. O chanceler argentino, Santiago Cafiero, que nesta quarta estará em missão oficial em São Paulo, conversa com frequência com membros do governo Maduro, e com dirigentes da oposição. A Casa Rosada, diferentemente do Brasil, está envolvida no processo de diálogo no México, com mediação da Noruega, e atualmente suspenso.