Decretos de Bolsonaro esvaziam fiscalização sobre armas, dizem organizações
As normas foram editadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na noite de sexta-feira (12)
Entidades que atuam na área de segurança pública afirmaram neste sábado (13) que a nova leva de decretos que facilitam o acesso a armas no Brasil cria obstáculos para a fiscalização e para o rastreamento de munições, incentiva a população a comprar mais armamentos e estimula a montagem de arsenais privados.
As normas foram editadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na noite de sexta-feira (12).
Defensor do armamento da população, Bolsonaro publicou quatro decretos na véspera do feriado de Carnaval. Além de facilitar trâmites para a aquisição, eles aumentam de quatro para seis o limite de armas de fogo de uso permitido que um cidadão pode comprar.
Nos casos de determinadas categorias, como policiais, magistrados, membros do Ministério Público e agentes prisionais, há ainda a autorização para a compra de duas armas de uso restrito.
Em outra frente, Bolsonaro retirou uma série de itens do rol de Produtos Controlados pelo Comando do Exército --facilitando a aquisição desses objetos.
O decreto estabelece que deixam de fazer parte dessa categoria os projéteis de munição para armas até ao calibre 12,7 mm, além de acessórios que aumentam o potencial ofensivo dos armamentos, como miras telescópicas.
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Para Ivan Marques, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um dos pontos mais preocupantes dos novos decretos é a desclassificação de itens da lista de Produtos Controlados pelo Comando do Exército, principalmente das máquinas e prensas para a recarga de munições.
"Com um dos decretos, essas máquinas podem ser vendidas sem o antigo controle do Exército, o que incentiva a fabricação caseira de munição. O decreto, assim, estimula que munições virtualmente impossíveis de rastreamento sejam produzidas em casa, dificultando o trabalho de investigação policial", diz.
No mesmo sentido, ele destaca que as novas normativas permitem que policiais, membros do MP e magistrados --inclusive os aposentados-- comprem a cada 12 meses insumos para a recarga de até 5 mil cartuchos para suas armas.
Marques também critica as mudanças no limite de compra de armas de fogo e lembra que medidas anteriores adotadas por Bolsonaro afrouxaram os requisitos para acessar esses produtos.
"Cada vez fica mais fácil no Brasil você fabricar munição em casa e armazenar grande quantidade de armas na sua residência de forma legal. Desconsidera-se que parte desse arsenal acaba na mão do crime", afirma.
Nos decretos atuais houve a criação de um novo entrave para a vistoria pelo exército de coleções. O decreto colocou a obrigação para o que o vistoriado seja comunicado da ação de conferência com pelo menos 24 horas de antecedência.
Para Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, o aviso com antecedência "retira a capacidade de fiscalização".
"Por meio de normas infralegais, Bolsonaro vai soltando novos decretos para flexibilizar e facilitar o acesso a armas. De forma geral, ele cumpre a promessa que vem fazendo: um processo de desmantelar a política de controle de armas no Brasil", avalia.
Houve ainda mudanças nas regras dos chamados CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores).
O laudo de capacidade técnica para registro como atirador poderá ser substituído, de acordo com um dos decretos, por uma "declaração de habitualidade" fornecida por associação ou clube de tiro.
De acordo com Michele dos Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé, não há "qualquer justificativa ou conhecimento técnico" que embase as mudanças realizadas.
"Muitas dessas medidas facilitam sobremaneira a aquisição de armas e munições por organizações criminosas e cidadãos envolvidos na prática de crimes, e prejudicam a já deficiente capacidade de investigação dos crimes violentos e contra a vida pelas forças de segurança pública", disse o Igarapé, em nota.
A publicação de regras que tratam de porte e posse de armas de fogo é uma das principais marcas do atual governo.
Entre as normas criadas desde o início pela gestão Bolsonaro, está o aumento do número de armas e munições que cidadãos podem adquirir.
Neste sábado, o presidente colocou em suas redes sociais uma foto sua em um estande de tiro e a afirmação de que a população decidiu em 2005, em referendo, "pelo direito às armas e pela legítima defesa".
Em 2005, a maioria da população respondeu negativamente à pergunta sobre se o comércio de armas de fogo e munições deveria ser proibido.
Em janeiro, Bolsonaro comemorou o aumento de venda de armas registrado em 2020.
O ano passado bateu o recorde de quase 180 mil novas armas registradas na Polícia Federal, um resultado influenciado pela política do governo Bolsonaro de facilitar o acesso a armamentos.
Levantamento da BBC Brasil mostrou que houve incremento de 91% nesses registros em relação a 2019, quando já havia sido contabilizado um forte incremento em relação ao ano anterior.
"Nós batendo o recorde no ano passado em relação a 2019, mais acho que 90% na venda de armas. Está pouco ainda, tem que aumentar mais. O cidadão de bem muito tempo foi desarmado", disse o presidente em janeiro.
Em reunião ministerial de 22 abril do ano passado, Bolsonaro declarou querer "todo mundo armado".
"Eu quero todo mundo armado. Que povo armado jamais será escravizado", afirmou o presidente na ocasião.
Especialistas em segurança pública questionam as facilidades concedidas para o armamento da população e dizem que uma maior circulação de armas gera mais violência e aumento de homicídios.
Bolsonaro já teve medidas da sua pauta armamentícia questionadas no STF (Supremo Tribunal Federal).
Em dezembro, o ministro Edson Fachin suspendeu decisão do governo que zerou a alíquota para a importação de revólveres e pistolas.