Deltan arquitetou fenômeno midiático e de condenações
O procurador da República Deltan Dallagnol foi o arquiteto da bem sucedida estratégia que transformou a Operação Lava Jato em fenômeno de mídia, após montar uma força-tarefa de procuradores que conseguiu obter o maior conjunto de delações premiadas, provas de corrupção e condenações da história do país.
Ele foi designado pelo Ministério Público Federal do Paraná em 2014 para ser o coordenador da Lava Jato e formou um time que reuniu a experiência de colegas que já tinham atuado em grandes casos de corrupção -como Carlos Fernando dos Santos Lima, Orlando Martello, Januário Paludo e Antonio Carlos Welter- e jovens com grande disposição para o trabalho e especialização técnica, como Roberson Pozzobon, Paulo Roberto Galvão, Diogo Castor, Júlio Noronha e Athayde Ribeiro.
Desde o início, Deltan aproveitou o fato de o então juiz responsável pelo caso, Sergio Moro, também achar que era necessário ter uma trincheira na mídia para potencializar o combate à corrupção. Eles nunca esconderam esse entendimento e citavam a operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália, como exemplo de que era fundamental obter o apoio da opinião pública por meio da imprensa.
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Moro teve como regra na Lava Jato tornar públicas todas as investigações e os processos que não dependiam mais do fator surpresa para avançar, e assim municiou a equipe de procuradores com farto material para entrevistas coletivas e divulgação dos passos das apurações.
A mais célebre coletiva da Lava Jato foi protagonizada por Deltan em 14 de setembro de 2016, quando o Ministério Público convocou a imprensa para anunciar a apresentação de denúncia criminal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso de corrução na Petrobras.
No esforço para explicar as acusações, Deltan exibiu um gráfico em PowerPoint com 14 situações que seriam indicativas da ligação de Lula com os crimes descritos na denúncia. A apresentação gráfica virou meme nas redes sociais. Também levou Lula a fazer uma denúncia ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), que foi arquivada no último dia 25. A decisão do órgão de controle da atividade externa dos procuradores e promotores foi influenciada pelo fato de o caso do PowerPoint estar muito perto de ser atingido por prescrição. A avaliação dos conselheiros foi que não haveria tempo hábil para abrir processo administrativo disciplinar e julgar Deltan antes do prazo prescricional.
Na Lava Jato, o prestígio pessoal do procurador seguiu em alta. Popular, passou a dar palestras, atividade que passou a ser questionada. Em meados de 2017, os deputados federais Paulo Pimenta (PT-RS) e Wadih Damous (PT-RJ) protocolaram na Corregedoria do CNMP pedido de abertura de investigação sobre essa atividade de Deltan, após a colunista da Folha de S.Paulo Mônica Bergamo publicar que uma empresa especializada em palestras anunciava ter o procurador em seu elenco.
O órgão arquivou o procedimento por entender que o trabalho do procurador deveria ser enquadrado como atividade docente, o que é permitido pela lei, e parte da remuneração era destinada a entidades filantrópicas.
Deltan nunca concordou em tornar pública a lista de empresas para as quais deu palestras e quanto recebeu por elas, sob a alegação de que esse é um tema pessoal e ele presta tais informações à Receita e ao Ministério Público. O procurador e os colegas da Lava Jato não declararam apoio público a candidatos nem se envolveram em atividades partidárias no decorrer da Lava Jato.
No início de 2019, Deltan e a força-tarefa enfrentaram desgaste após anunciar a criação de uma fundação privada que seria gerida por procuradores e poderia administrar valores de até R$ 2,5 bilhões decorrentes de acordo assinado com a Petrobras no âmbito da Lava Jato. A chefe do Ministério Público Federal à época, a procuradora-geral da República Raquel Dodge, pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) que o acordo fosse anulado.
Os mais significativos questionamentos quanto à atuação de Deltan tiveram início em 9 de junho de 2019, quando o site The Intercept Brasil passou a publicar reportagens com base em mensagens de grupos de diálogo no aplicativo Telegram dos quais o procurador participou desde 2014.
Nas semanas seguintes, o Intercept permitiu que a Folha de S.Paulo e outros veículos de mídia tivessem acesso ao conjunto de conversas para a elaboração de reportagens com a equipe do site. As publicações mostraram a colaboração entre o procurador e Sergio Moro no decorrer da Lava Jato e colocaram em dúvida a imparcialidade do então juiz na condução do caso.
Uma das reportagens da Folha de S.Paulo em conjunto com o Intercept revelou que Deltan estimulou procuradores em Brasília e Curitiba a investigar o ministro Dias Toffoli sigilosamente em 2016, época em que o atual presidente do STF começava a ser visto pela Lava Jato como um adversário disposto a barrar seu avanço.
Com a posse do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, em setembro de 2019, mais um front de críticas contra a Lava Jato se abriu. Além de a PGR sob seu comando ter tentado copiar bancos de dados sigilosos da Lava Jato, Aras chegou a dizer em julho que a força-tarefa em Curitiba é uma "caixa de segredos".
Deltan deixa o comando da Lava Jato em um momento de maior questionamento sobre as condutas da operação e no qual suas condenações e resultados estão sob risco de anulação nos órgãos superiores da Justiça, na esteira das sucessivas derrotas que ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça Moro vem sofrendo no STF.