Caso Marielle

Denúncia da PGR traz novos detalhes sobre participação dos irmãos Brazão e de delegado Rivaldo

Documento foi apresentado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na quarta-feira (8)

Chiquinho Brazão, Rivaldo Barbosa e Domingos Brazão: presos pela PF em operação do caso Marielle Chiquinho Brazão, Rivaldo Barbosa e Domingos Brazão: presos pela PF em operação do caso Marielle  - Foto: Reprodução

Presos há 47 dias, o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido), o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República pelos homicídios da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Mais dois acusados de envolvimento no crime foram denunciados e tiveram a prisão decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Ex-chefe da milícia de Rio das Pedras, o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, que já cumpre pena por dois processos de homicídio, teria monitorado os passos de Marielle. Já o soldado da PM Robson Calixto da Fonseca, o Peixe, que foi assessor de Domingos no TCE e na Assembleia Legislativa do Rio, é suspeito de ser o elo entre os irmãos Brazão e o atirador.

Análise no STF
Caberá ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, analisar a denúncia. A PGR afirma que “a ordem para executar os homicídios foi dada por Domingos e Chiquinho” e que os dois defendiam os interesses de milícias “junto às instituições de Estado”. Os irmãos também foram denunciados por organização criminosa.

De acordo com a Polícia Federal, o ex-policial militar Ronnie Lessa — que confessou ter atirado nas vítimas — relatou em sua delação que, no segundo trimestre de 2017, Chiquinho, então vereador do Rio, demonstrou “descontrolada reação” à atuação de Marielle em “apertada votação do projeto de Lei à Câmara número 174/2016”. Com o projeto, ele e o irmão buscavam a regularização de um condomínio em Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade, visando obter o título de propriedade para especulação imobiliária.

A denúncia afirma ainda que os irmãos informaram sobre o plano de matar a parlamentar ao delegado Rivaldo. Ele teria usado sua autoridade como chefe de Polícia Civil “para oferecer a garantia necessária aos autores intelectuais do crime de que todos permaneceriam impunes”. “Acrescente-se que Rivaldo ocupava, ao tempo do planejamento do crime, a função de diretor da Divisão de Homicídios, tendo sido empossado, no dia imediatamente anterior às execuções, como chefe de Polícia Civil. Por isso, o seu aval era parte indispensável do plano elaborado pelos irmãos Brazão. Ele detinha o controle dos meios necessários para garantir a impunidade do crime”, diz o vice-procurador-geral da República Hindenburgo Chateubriand Filho, que assina o documento.

Em outro trecho, o texto diz que “Rivaldo, beneficiário de quantias mensais fixas pagas por milicianos e contraventores no município do Rio, encorajou a decisão, prestando, inclusive, auxílio intelectual aos criminosos, ao orientá-los a não executar Marielle Franco durante nenhum trajeto que tivesse a Câmara Municipal como ponto de origem ou de destino”.

A denúncia afirma ainda que o assassino pretendia matar não só Marielle, mas também Anderson e Fernanda Gonçalves Chaves, assessora da vereadora, que estavam no mesmo carro. O objetivo era eliminar testemunhas. Fernanda ficou levemente ferida. Procurada, não quis comentar a informação.

Os dois novos suspeitos de ligação com o crime são antigos conhecidos da polícia. O major Ronald, que cumpre pena na Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, foi condenado em outubro de 2021 a 17 anos de prisão por homicídio e organização criminosa. Em 2022, recebeu pena de 76 anos pelo sequestro e pela morte de quatro jovens, assassinados na saída de uma casa de espetáculos em 2003, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Apesar das duas condenações, o oficial ainda integra os quadros da PM: em abril, recebeu salário bruto de pouco mais de R$ 29 mil.

A denúncia diz que a participação de Ronald “se deu por meio do monitoramento das atividades de Marielle e do fornecimento aos executores de informações essenciais à consumação dos crimes”. Uma semana antes do ataque, “Ronald acompanhou os deslocamentos da vítima durante a agenda da vereadora na Universidade Candido Mendes, no Centro”. Os investigadores confirmaram os passos do oficial por meio do levantamento de dados das antenas de telefonia móvel da região.

Ao monitorar as redes sociais de Marielle, diz a denúncia, Ronald verificou que ela participaria de um evento em 14 de março de 2018 na Casa das Pretas, no Centro. O major teria passado essa informação por telefone para Edmilson Oliveira, o Macalé, que avisou Ronnie Lessa, o autor dos disparos.

Robson, preso ontem em casa, no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio, é apontado pela Polícia Federal como a pessoa que intermediou o encontro dos Brazão com Lessa. A investigação não o ligou ao assassinato, por isso ele foi denunciado apenas por organização criminosa.

Ao RJTV, seu advogado, Gabriel Habib, frisou que “Robson sequer figura no inquérito policial que investigou Marielle”. Em nota, os advogados Marcelo Ferreira e Felipe Dalleprane, que defendem Rivaldo, escreveram que “a narrativa de um réu confesso de homicídio (Ronnie Lessa) parece mais importante do que o depoimento de um delegado de polícia com mais de 20 anos de excelentes serviços à segurança pública do Rio, que sequer teve a chance de expor sua versão sobre os fatos antes de ser denunciado”.

Cléber Lopes, advogado de Chiquinho Brazão, disse que não falaria por não ter tido acesso à denúncia. Márcio Palma e Roberto Brzezinski, que defendem Domingos Brazão, afirmaram que “a narrativa acusatória é uma hipótese inverossímil, que se ampara somente na narrativa do assassino confesso, sem apresentar provas que sustentem a versão do homicida”. Já Igor de Carvalho, que representa Ronald, afirmou ter sido “surpreendido” com a denúncia de seu cliente, “sobretudo porque, após análise do relatório final da investigação, fica evidente que a Polícia Federal afirmou a total ausência de elementos que corroborassem as palavras do criminoso confesso e delator Ronnie Lessa”.

Outros citados na investigação
O sargento reformado Ronnie Lessa é apontado como autor dos disparos que mataram Marielle Franco e Anderson Gomes. Foi preso em 2019 e expulso da PM. Fez acordo de delação, homologado pelo STF. Em 2021, foi condenado a quatro anos e meio de prisão pela ocultação das armas que teriam sido usadas no crime.

Élcio de Queiroz, ex-sargento da PM, foi expulso da corporação em 2015. Em delação, afirmou ter sido o motorista na perseguição ao veículo onde estava a vereadora. Está preso desde 2019.

O ex-sargento do Corpo de Bombeiros Maxwell Simões Correa, o Suel, foi preso em 2023. É acusado de providenciar o carro e, depois, esconder as armas do crime. Segundo Queiroz, Suel participou, em 2017, de uma tentativa malsucedida de matar a vereadora.

Executado na rua, em 2021, Edmilson Oliveira, o Macalé, foi acusado de intermediar a contratação de Lessa e também teria participado do atentado frustrado em 2017.

Dono de um ferro-velho, Edilson Barbosa dos Santos, o “Orelha”, foi chamado para cuidar do desmanche do carro usado pelos criminosos.

A advogada Érika Andrade de Almeida Araújo, mulher do delegado Rivaldo Barbosa, é suspeita de lavagem de dinheiro, como testa de ferro do marido em empresas.

Nomeado por Rivaldo Barbosa, Giniton Lages chefiava a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) na época em que os crimes ocorreram. Segundo a PF, teria contribuído para desviar o curso das investigações, assim como o comissário Marco Antonio de Barros Pinto, o Marquinho DH, subordinado a Lages.

Loteamentos ilegais levaram a embate
No documento, a PGR apontou que a morte de Marielle Franco (PSOL), em 2018, teve como motivação os embates que a então vereadora do Rio travava contra loteamentos clandestinos na Zona Oeste da cidade. Na denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), o órgão lista uma série de projetos de interesse dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, acusados de serem mandantes do crime, que sofreu resistência por parte da vereadora e de seu partido, o PSOL, na Câmara Municipal.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) apontou que a morte de Marielle Franco (PSOL), em 2018, teve como motivação os embates que a então vereadora do Rio travava contra loteamentos clandestinos na Zona Oeste da cidade. Na denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), o órgão lista uma série de projetos de interesse dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, acusados de serem mandantes do crime, que sofreu resistência por parte da vereadora e de seu partido, o PSOL, na Câmara Municipal.

Conforme a procuradoria, os irmãos “possuíam interesse econômico direto na aprovação de normas legais que facilitassem a regularização do uso e da ocupação do solo, bem como o respectivo parcelamento, especialmente em áreas de milícia e de loteamentos clandestinos na cidade do Rio”. Domingos é conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ), enquanto Chiquinho é deputado federal (sem partido-RJ).

“Qualquer embate ou disputa nesse campo específico da política municipal representava, portanto, uma ameaça a seus negócios e a dos diferentes grupos de milícias com os quais se associaram”, afirma a PGR na denúncia, que é assinada pelo vice-procurador-geral da República, Hindenburgo Chateaubriand Filho. Segundo a procuradoria, foi por este motivo que iniciativas políticas do PSOL e de Marielle se tornaram um sério problema para os denunciados.

A procuradoria cita ainda o histórico de desavenças entre os irmãos Brazão e o então deputado estadual Marcelo Freixo, hoje presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur). O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, que foi presidida por Freixo, apontou que os irmãos eram os “beneficiários do curral eleitoral formado pela atuação da milícia de Oswaldo Cruz”, segundo a PGR. Na época, em 2008, Marielle era assessora de Freixo.

Anos depois, em 2015, o PSOL questionou a eleição de Domingos Brazão a conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ). Com essas investidas, os irmãos decidiram infiltrar no partido o miliciano Laerte Silva de Lima, preso em 2019 no âmbito da Operação Intocáveis, que investigou a atuação do grupo em Rio das Pedras. Lima se filiou à sigla de Marielle logo após as eleições de 2016 e tinha como missão “obter informações sobre a atuação política de seus integrantes”.

Tudo isso, segundo a procuradoria, “contribuiu para elevar o estado de animosidade entre os irmãos Brazão e o PSOL”. O texto acrescenta: “Mas ainda não se cogitava nenhuma reação violenta. Em primeiro lugar, porque as políticas de regularização fundiária, de interesse dos denunciados, não haviam sido afetadas. Além disso, Marcelo Freixo gozava de grande projeção política. Eliminá-lo poderia gerar grande repercussão”.

Quando Marielle se tornou vereadora, no entanto, e começou a confrontar os interesses dos irmãos, o cenário mudou. “Nas divergências sobre as políticas urbanísticas e habitacionais que os irmãos Brazão perceberam a necessidade de executar a vereadora. Se antes João Francisco [Chiquinho] aprovava sem dificuldades as suas pautas de interesse, a chegada de Marielle mudou radicalmente esse quadro”, pontua a procuradoria.

A denúncia diz ainda que Marielle se tornou “a principal opositora e o mais ativo símbolo da resistência aos interesses econômicos dos irmãos”. “Matá-la significava eliminar de vez o obstáculo e, ao mesmo tempo, dissuadir outros políticos do grupo de oposição a imitar-lhe a postura”, aponta a PGR.

Os irmãos Brazão tinham como estratégia, diz a procuradoria, a associação com milicianos, nomeando-os para órgãos públicos. Isso servia, conforme a PGR, para o propósito de “constituir redutos eleitorais nas áreas por eles controladas e o de explorar atividades imobiliárias, por meio de práticas de grilagem”.

A PGR afirmou na denúncia que Robson Calixto Fonseca, o Peixe, ex-assessor de Domingos Brazão que foi preso ontem, chegou a procurar a prefeitura do Rio para regularizar um imóvel dias antes da prisão do conselheiro, em março deste ano. Ele alegava ter tomado posse de um terreno e solicitava “orientações sobre como proceder à sua regularização”. De acordo com a procuradoria, diversos documentos comprovam a “participação criminosa” do ex-assessor na comercialização de imóveis na Taquara, Zona Oeste do Rio.

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