EX-PRESIDENTE

Depoimento de Freire Gomes coloca, pela primeira vez, a digital de Bolsonaro em documentos golpistas

Ex-comandante do Exército falou por cerca de sete horas à Polícia Federal no âmbito de investigação sobre investidas antidemocráticas

O ex-presidente Jair BolsonaroO ex-presidente Jair Bolsonaro - Foto: Reprodução/Revista Oeste

O conteúdo do depoimento do general Marco Antônio Freire Gomes à Polícia Federal (PF) — obtido na íntegra pela colunista Bela Megale, do Globo — coloca concretamente, pela primeira vez, a digital do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em documentos de cunho golpista.

Segundo o relato do militar, comandante do Exército à época, o então chefe do Executivo apresentou, em reuniões no Palácio do Alvorada, três diferentes "institutos jurídicos" que permitiriam uma ruptura antidemocrática após a vitória de Luiz Inácio Lula na Silva (PT) nas urnas.

Os dispositivos versavam, de acordo com Freire Gomes, sobre a decretação de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO), de Estado de Defesa ou de Estado de Sítio. Um dos encontros narrados pelo general aconteceu no dia 7 de dezembro de 2022, quando ele esteve na residência presidencial a convite do então ministro da Defesa, o também general Paulo Sérgio Nogueira.

Na ocasião, o ex-assessor especial da Presidência Filipe Martins leu trechos de uma minuta golpista que se valia de expressões de uso comum por Bolsonaro, como “jogar dentro das quatro linhas”. O próprio ex-presidente informou aos presentes, de acordo com o depoimento, que "o documento estava em estudo e depois reportaria a evolução aos comandantes".

A participação direta de Bolsonaro na elaboração dos conteúdos golpistas é reforçada por uma segunda reunião narrada por Freire Gomes, com a presença dos comandantes das três Forças Armadas. O ex-presidente apresentou na ocasião uma versão do documento com a "Decretação do Estado de Defesa" e a criação de uma "Comissão de Regularidade Eleitoral", que teria o objetivo de "apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral".
 

Freire Gomes conta que se opôs "de forma contundente" à proposta, posição que, segundo ele, foi seguida pelo brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, então comandante da Aeronáutica. No entanto, o almirante Almir Garnier Santos, responsável por guiar a Marinha, adotou postura diferente, tendo "se colocado à disposição do presidente da República", conforme consta no termo de declaração do general.

1- Jair Bolsonaro
Em um trecho do depoimento, Freire Gomes "respondeu que se recorda de ter participado de reuniões no Palácio do Alvorada, após o segundo turno das eleições, em que o então presidente da República Jair Bolsonaro apresentou hipóteses de utilização de institutos jurídicos como GLO, Estado de Defesa e Estado de Sítio em relação ao processo eleitoral”.

2- Almir Garnier
Segundo o depoimento de sete horas de Freire Gomes, o almirante Almir Garnier Santos foi o único comandante de Força a aderir abertamente às intenções golpistas do ex-presidente. Enquanto ele e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, da Aeronáutica, ressaltaram a falta de suporte jurídico para as intenções de Bolsonaro, o general disse se recordar que Garnier "teria se colocado à disposição do presidente da República".

3- Estevam Theophilo
Freire Gomes afirmou à PF que, ciente do que havia sido tratado nas reuniões anteriores, sentiu "desconforto" ao saber que Bolsonaro havia convocado o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, do Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter), para um encontro no Alvorada. Um dos alvos de mandados de busca e apreensão em operação recente sobre as investidas golpistas, o militar alegou, ao ser ouvido, que compareceu ao encontro por determinação do próprio Freire Gomes, que nega ter emitido a ordem — o que é corroborado pelos investigadores. Perguntado pelos agentes sobre o eventual papel do Coter caso os planos bolsonaristas fossem colocados em prática, o ex-comandante do Exército explicou que a atribuição do órgão é "coordenar o preparo e o emprego da força terrestre".

4- Paulo Nogueira
Em outro encontro detalhado por Freire Gomes, ocorrido no dia 14 de dezembro, coube ao então ministro da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira, apresentar uma nova versão de decreto golpista, ainda mais abrangente do que a sugerida por Bolsonaro anteriormente. Nela, também constavam a decretação de Estado de Defesa e a criação de uma Comissão de Regularidade Eleitoral para "apurar a conformidade e legalidade" do pleito de 2022.

5- Anderson Torres
Outro nome citado por Freire Gomes foi o de Anderson Torres. Segundo o general, o ex-ministro da Justiça tinha a função de detalhar "o suporte jurídico para as medidas que poderiam ser adotadas" para o golpe. O militar também confirmou que uma minuta golpista apreendida na casa de Torres trazia o mesmo texto discutido internamente da reta final do governo Bolsonaro.

6- Alerta
Freire Gomes conta que chegou a alertar Bolsonaro objetivamente que as intenções externadas por ele poderiam "resultar em responsabilização penal". O general acrescentou aos agentes que "sempre externou ao então presidente da República, nas condições apresentadas, do ponto de vista militar não haveria possibilidade de reverter o resultado das eleições".

7- Xingamentos
Por fim, Freire Gomes afirmou aos investigadores que não tinha conhecimento de que o general Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro, vinha proferindo ataques contra ele em conversas com outros militares por conta de sua resistência a aderir às investidas golpistas. Diálogos obtidos pela PF mostram que Braga Netto chegou a chamar o então comandante do Exército de "cagão" em contato com o ex-major Ailton Barros.

Entenda as medidas citadas
Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO): É uma operação militar que permite exclusivamente ao presidente da República convocar as Forças Armadas. A medida ocorre, segundo a legislação, nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem. É concedida provisoriamente aos militares a atuação com poder de polícia.

Estado de Defesa: Busca “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”. Com a medida, há restrições aos direitos de reunião, sigilo de correspondência e de comunicação telefônica. Precisa de aprovação do Congresso.

Estado de Sítio: É acionado em caso de “comoção grave de repercussão nacional”, ineficácia de medida tomada no estado de defesa e quando há guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Para as primeiras hipóteses, não pode durar mais de 30 dias. A medida autoriza o governo a prender cidadãos sem necessidade de determinação judicial, entre outros pontos. Também demanda aval do Congresso.

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