Derrota de Lula na Câmara emite novos sinais de fragilidade da base
Partidos que comandam ministérios votaram para derrubar decretos de Lula em votação usada como "recado" ao Planalto
A derrota sofrida pelo governo na Câmara durante a votação do decreto que alterava o marco do saneamento, a primeira da atual gestão, emitiu mais um sinal de instabilidade na base e ligou um alerta entre integrantes do Executivo. O Palácio do Planalto lidou com traições em partidos que ocupam ministérios e vem sendo pressionado a acelerar a liberação de emendas parlamentares para ajustar a relação com o Congresso. União Brasil, MDB e PSD, que indicaram três ministros cada e cujas bancadas somam 142 deputados, entregaram apenas oito votos — nenhum deles do União. O PSB, por sua vez, legenda do vice Geraldo Alckmin, forneceu só três apoios, enquanto nove parlamentares se posicionaram contra os desejos do governo.
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As mudanças apresentadas foram derrubadas com um placar de 295 a 136. Assim que o decreto foi publicado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já havia sinalizado que a pauta encontraria resistências na Casa.
Líderes da Câmara atribuem o resultado também a falhas na articulação política e a “promessas não cumpridas”. Uma delas ocorreu na própria quarta-feira, dia da votação. Até o meio-dia, Lira e deputados designados para debater o tema com o governo esperaram o recebimento de uma minuta de projeto de lei, que poderia ser votada em substituição ao decreto proposto anteriormente.
O texto não chegou, e Lira levou o assunto à pauta assim que se certificou de que teria votos suficientes para a derrubada.
— O União, apesar de qualquer cargo, é um partido independente e votou pela derrubada do decreto por uma questão de princípios. Não é empurrando decretos que se consegue algo. Não é na base da imposição — disse ao GLOBO o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA).
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Um dos deputados do PSD que votou pela derrubada do decreto, Daniel Soranz (RJ) disse que o governo precisa “olhar para a frente”.
— Não tem motivos para uma medida como esta, em direção ao Congresso, para atingir atos do Bolsonaro. O partido tem outras prioridades e estará ao lado do governo nas pautas realmente importantes — resumiu.
Sinalização
Uma semana antes, em uma espécie de “aviso” ao Executivo de que a Câmara não aceitaria mudanças na legislação por meio de decreto, Lira pautou um requerimento de urgência e designou dois deputados, Fernando Monteiro (PP-PE), e Marangoni (União-SP), para dialogarem com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, até o fim daquela semana.
O próprio presidente da Câmara se reuniu com Padilha e pediu a apresentação de um texto intermediário, via projeto de lei, o que não ocorreu no prazo desejado pelos parlamentares. Em entrevista ao GLOBO, no domingo, Lira classificou o ministro das Relações Institucionais de “um sujeito fino e educado, mas que tem tido dificuldades”.
Horas antes da votação, o líder do PT na Câmara, José Guimarães, procurou as lideranças de partidos que têm cargos no governo e pediu que votassem contra a derrubada. O pedido, entretanto, não surtiu efeito — Padilha também não teve sucesso ao ligar para parlamentares. No plenário, o deputado Mendonça Filho (União-PE) afirmou que a base “derreteu”.
— Só pedimos que o governo não impusesse nada por meio de decreto. O recado foi dado de que não aceitaremos este tipo de intromissão — acrescentou o deputado Fernando Monteiro (PP-PE).
Ontem, em meio a um elogio, Lula cobrou de Padilha que a base esteja organizada.
— Quero reconhecer o trabalho extraordinário do ministro Alexandre Padilha. Espero que ele tenha a capacidade de organizar, de articular, que ele teve no conselho, dentro do Congresso Nacional. Aí, vai facilitar muito a vida — disse Lula, durante a reunião do “Conselhão”.
Integrantes do governo concordam com a avaliação de que a decisão da Câmara está relacionada a uma insatisfação de Lira e outros parlamentares. A equipe da articulação política agora tenta impedir que nova derrota se repita no Senado. A avaliação é que a base governista na Casa é menos frágil e tem mais chances de impedir a derrubada do decreto. Para o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), ainda que o desfecho seja semelhante ao da Casa vizinha, o Planalto tem alternativas, como a edição de uma Medida Provisória (MP), que tem validade imediata, mas precisa ser avalizada em até 120 dias pelos congressistas.
— Não tem nenhuma sangria desatada. Se quiserem, podem fazer uma MP depois. Na quadra atual da política nacional, para não ter nenhuma derrota, só não botando nada para votar — disse Wagner.
Já o secretário-executivo do Ministério das Cidades, Hildo Rocha, defende um esforço concentrado no Senado para reverter a decisão da Câmara e pontua que a derrota é fruto de uma “interpretação equivocada” do teor do decreto. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), chegou a ser cobrado pelo líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN), para pautar a derrubada do decreto. De acordo com aliados de Pacheco, a iniciativa não terá andamento tão célere como teve na Câmara — a ideia é que passe pela Comissão de Infraestrutura antes de ir ao plenário.
Caminho aberto
Em paralelo e temendo novas derrotas, o governo avalia meios de conter a insatisfação com a demora no repasse de verbas para que os parlamentares distribuam para as bases. Ontem, por exemplo, o Ministério da Saúde publicou uma portaria estabelecendo regras para a distribuição do dinheiro. Na prática, o expediente permite a liberação da verba e autoriza os técnicos a iniciarem os procedimentos necessários para execução das despesas. A verba será usada na compra equipamentos médicos, odontológicos, computadores, reforma e construção de unidades básicas de saúde e para custeio de serviços da atenção primária.
Os R$ 3 bilhões fazem parte de um montante de R$ 9,8 bilhões que o Executivo herdou com o fim do orçamento secreto, extinto após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022. Esses recursos ficaram com o governo federal mas, na prática, foram indicados por parlamentares. Outros R$ 9,8 bilhões que estavam separados para o orçamento secreto foram convertidos em emendas parlamentares individuais impositivas.