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Joias do casal Bolsonaro

Desde Collor, legislação sobre presentes para chefes de Estado brasileiros mudou três vezes; entenda

A partir de 2016, bens recebidos em viagens são propriedade da União, com exceção dos personalíssimos. Para especialista, joias de Bolsonaro não poderiam entrar nesta categoria

Palácio da AlvoradaPalácio da Alvorada - Foto: Divulgação/EBD

As revelações acerca dos dois conjuntos de joias recebidos durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) deixaram dúvidas sobre qual deveria ter sido a conduta correta por parte do ex-presidente. Ao longo da história brasileira, a legislação pouco definiu o protocolo para presentes recebidos por parte de autoridades estrangeiras.

Foi apenas em 1991 que uma lei foi criada e, mesmo assim, não tinha como objeto os itens, mas a memória do país, deixando brechas para a subjetividade. Entretanto, historiadores ouvidos pelo Globo afirmam que, no período anterior ao governo de Fernando Collor, sempre houve a conduta moral de que os presentes deveriam ser revertidos para a União.

— Você tinha uma regra tácita: o presidente recebia o presente enquanto figura, que revertia para a comunidade, por mais que não tivesse uma lei ou estivesse na Constituição. Receber de forma pessoal sempre foi encarado como corrupção. Até a legislação ser criada, era uma regra de etiqueta — afirma Rodrigo Rainha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Após a redemocratização, em 1991, o então presidente Fernando Collor de Mello protocolou uma lei que foi usada de forma interpretativa, por mais de duas décadas, para legislar sobre os presentes. Entenda abaixo como a legislação mudou ao longo do tempo:

Uma lei interpretativa
Dois anos após a primeira eleição direta depois da Ditadura Militar, a lei 8.394/1991 foi criada no intuito de proteger o patrimônio privado dos presidentes da República. A norma legisla sobre os documentos do acervo privado do mandatário. De acordo com o texto, os itens integram o patrimônio cultural brasileiro, e a União teria, por isso, preferência em caso de venda. A lei não cita presentes em nenhum de seus artigos e no 18º dizia que o Poder Executivo iria regulamentá-la em 120 dias, o que só ocorreu de fato em 2002.

A regulamentação de FHC
Em 2002, Fernando Henrique Cardoso regulamentou a lei 8.394/1991 por meio do decreto de nº 4.344/2002. Esta foi a primeira vez que a expressão "troca de presentes" apareceu na legislação brasileira. O escopo da norma seguiu sendo a preservação do acervo privado independentemente do marco temporal em que tiver sido produzido: antes, durante ou depois do mandato.

No entanto, desta vez, há uma exceção: foram considerados da União os documentos produzidos em "cerimônias de troca de presentes, nas audiências com chefes de Estado e de Governo por ocasião das 'Visitas Oficiais' ou 'Viagens de Estado' do presidente da República ao exterior, ou quando das 'Visitas Oficiais' ou 'Viagens de Estado' de chefes de Estado e de Governo estrangeiros ao Brasil".

A ambiguidade nos textos fez com que, por anos, os membros do Estado brasileiro interpretassem que o dispositivo abrangesse os bens recebidos nas trocas de presentes. Sendo assim, todos os presentes nessas trocas eram públicos, enquanto os demais se tornariam patrimônio privado do presidente. Esta questão se tornou um incômodo apenas em 2016, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) se manifestou.

Legislação própria e devolução
Em 2016, o TCU, por meio do acórdão de número 2255/2016, reformulou a legislação com base no princípio de moralidade. A partir deste ofício, todos os documentos bibliográficos e presentes recebidos pelos presidentes nas audiências com chefes de Estado, em visitas ou viagens, são patrimônio da União.

Por este motivos, os então ex-presidentes Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT) tiveram que devolver 472 bens. Com a nova regra, o procedimento a ser seguido pelo chefe do Executivo em exercício foi determinado pelo TCU: os bens recebidos em viagem são encaminhados ao Departamento de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal do Presidente da República, acoplado à Diretoria de Documentação Histórica, após o preenchimento do formulário padrão para que ele possa ser devidamente catalogado como parte da União.

A exceção se dá apenas aos objetos de natureza personalíssima ou de consumo direto — um conceito vago e interpretativo que varia com o contexto. A avaliação do advogado Thiago Varella, da Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO) é que, pelo valor do presente oferecido pelos sauditas, as joias não se encaixam nesta categoria:

— Personalíssimo é diretamente ligado a pessoa, não é algo que o presidente recebe enquanto chefe de Estado. Os presentes institucionais são dados ao país e, por isso, pertencem ao acervo do governo. O valor das joias é muito considerável e não poderia entrar nessa categoria, até pelo código de ética do funcionalismo público — explica Varella, se referindo à norma de que todo servidor da União não pode receber vantagem, o que inclui não receber brindes com valor superior a R$ 100.

Por ter este caráter incerto nas exceções, o TCU recomendou à Casa Civil que novos estudos fossem feitos para aperfeiçoar a regulamentação e os casos de exceção pudessem ser firmados. A orientação não foi seguida.

As joias do casal Bolsonaro
Na última sexta-feira, o jornal Estado de S.Paulo revelou que, em outubro de 2021, a Receita Federal apreendeu no Aeroporto de Guarulhos (SP) um conjunto de joias avaliado em R$ 16,5 milhões que seria um presente do governo da Arábia Saudita à então primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Segundo a reportagem, um estojo contendo colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes foi encontrado na mochila de um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. O próprio ministro tentou obter a liberação das joias, expediente repetido outras quatro vezes.

Também em outubro de 2021, um segundo pacote de joias teria entrado ilegalmente no país na bagagem de Albuquerque e sido posteriormente entregue à Presidência da República. O estojo continha um relógio, uma caneta, um par de abotoaduras, um anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça Chopard, e era supostamente destinado a Bolsonaro. A caixa de joias só foi para o acervo da Presidência no dia 29 de novembro de 2022, ou seja, mais de um ano depois. O Ministério Público Federal (MPF) investiga o caso.

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