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Diálogo mostra como emissário do governo Bolsonaro tentou liberar joias no aeroporto de Guarulhos

Sargento da Marinha foi enviado em voo oficial pelo gabinete presidencial no dia 28 de dezembro, para resgatar peças avaliadas em R$ 16,5 milhões

Jair Bolsonaro, ex-presidente do BrasilJair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil - Foto: Evaristo Sá / AFP

Um vídeo do circuito interno do Aeroporto de Guarulhos (SP), do dia 28 de dezembro, mostra o diálogo do emissário do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro para tentar liberar as joias avaliadas em R$ 16,5 milhões, recebidas como presente pela comitiva presidencial do governo da Arábia Saudita.

Em gravação divulgada com exclusividade pela colunista do G1 Andréia Sadi, é possível ver que a equipe do ex-presidente estava preocupada em reaver os objetos antes do início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As imagens mostram o sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva entregando um ofício assinado pelo tenente-coronel Mauro Cid, assessor direto de Bolsonaro, para o chefe da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes. A ida do militar ao aeroporto foi registrada no dia 28 de dezembro, quatro dias antes da posse de Lula.

Após apresentar o documento, o militar ainda reforça a ligação do pedido com o fim do governo de Jair Bolsonaro: "Isso aqui faz parte da passagem, não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo. Tem que tirar tudo, tem que levar, não pode", fala o sargento da Marinha.

Na gravação é possível ver também que o militar liga para o tenente-coronel Mauro Cid e chega, inclusive, a tentar passar o telefone para o auditor da Receita, para que o assessor de Bolsonaro negocie ele mesmo a liberação das peças.

As tentativas do governo do ex-presidente para tentar liberar as joias foram reveladas pelo jornal Estado de S. Paulo e começaram em outubro de 2021. O material acabou apreendido na alfândega do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, por não ter sido devidamente declarado. As pedras preciosas seriam um presente do governo da Arábia Saudita à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, segundo o ex-ministro Bento Albuquerque.

O conjunto com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamante estava na mochila de um militar, assessor de Albuquerque. O titular das Minas e Energia voltava, na ocasião, de uma viagem pelo Oriente Médio. Eles passaram pela saída "nada a declarar" da alfândega do aeroporto, sem registrar a entrada com as joias. A cena foi registrada pelas câmeras de segurança do local. A legislação brasileira impõe, contudo, que é obrigatório declarar qualquer bem avaliado em mais de mil dólares (pouco mais de R$ 5 mil) na chegada ao país. Titulares da receita pediram para conferir a bagagem e apreenderam os bens.

Veja parte do diálogo:
Jairo: Opa! Como vai?
Auditor: Como vai, tudo bom?
Jairo: Boa tarde, desculpa incomodar.
Auditor: Nada! tudo bom?
Jairo: (se apresenta) Jairo, como vai?
Auditor: Prazer.
Jairo: Deixa eu pegar aqui no celular...em cima da hora, correria!
Auditor: Então, não tá...não sei...deixa eu dar uma olhada
Jairo: (aponta para o celular e entrega para o auditor): Achei que entraram em contato.
Auditor: (com o cel do Jairo na mão, lendo) Ao senhor Julio Cesar (...)
Jairo liga para o assessor de Bolsonaro, Mauro Cid
Jairo: Coronel, eu to aqui na alfândega aqui já. Estou falando com o supervisor deles aqui. Quer falar com ele? Ele falou que não está ciente aqui do que se trata. Posso passar aqui para ele?
Auditor: (faz o sinal de negativo com o dedo para Jairo): eu não posso falar no celular.
Auditor: Entendeu? Existe uma necessária para essa incorporação aí, que é o ADM.
Jairo: É que tô na correria, cara. Passagem de comando, como se diz, né, um entrando, outro saindo
Auditor: Você não mora em Brasília? Chegou agora de Brasília?
Jairo- Tô chegando agora. Vim direto para cá.
Auditor- Então assim, esse ADM - que seria para incorporação - seria necessário, não tem. Não tenho conhecimento também dessa liberação. Não sei onde estaria, talvez no cofre, mas eu não tenho acesso, então... Não sei se teve algum atropelo, assessoria, alguma coisa muito de urgência...
Jairo: Não, é de urgência, com certeza.
Auditor: Mas o clima lá está tranquilo?
Jairo: O clima em Brasília está sempre tranquilo, cara, por incrível que pareça. Assim, tá pegando fogo no Brasil todo. Aahhhh, lá está tranquilo.
Auditor: Está tranquilo? Não tem erro, nada que...
Jairo: Não. Tudo correndo normal. Assim, lá fora o pessoal gritando e a gente fazendo o que tem que fazer, passagem normal. Tanto que isso aqui faz parte da passagem, não pode ter nada do antigo para o próximo. Tem que tirar tudo, tem que levar. Não pode, é burocrático, é burocracia.
Auditor: A questão é a seguinte. Independente de eu ter, de onde esteja, tem que ter o ato de destinação de mercadoria porque é uma incorporação. Não tendo, não teria nem como liberar. Nem eu pudesse, não teria como liberar. Não estou sabendo
Jairo: Alô... Ele falou que não pode atender o celular, mesmo que ele quisesse não poderia liberar, porque não tem um...
Auditor: Um ADM, ADM
Jairo: Um ADM
Jairo: Ele falou para o senhor ligar para o Fabiano, o Fabiano está ciente. A ADM já está sendo feita e ele vai assinar daqui a pouquinho. E tu conhece: é em cima da hora mesmo.
Jairo: A AM está sendo providenciada já
Auditor: Aham
Jairo: Está sendo providenciada a ADM. Ele falou que ele via assinar
Auditor: Então vamos aguardar. Essa ADM se ela for providenciada e ele mandar. Eu não vou ligar para o (diz o nome de outro funcionário da Receita) porque, assim, eu não tenho acesso direto ao (diz o nome novamente). (Diz o nome mais uma vez) Está na superintendência. Ele não é da alfândega aqui de Guarulhos. Entendeu? Ele tá como superintendente-adjunto de aduana lá na superintendência, com isso ele ficou como delegado aqui muito tempo. Então vamos aguardar.

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