Dino: um ano no STF como protagonista de embate com o Congresso e dividindo holofotes com Moraes
Ministro também assumiu caso que envolve ex-colega de governo e passou a angariar atenção antes voltada a relator da trama golpista
No dia 31 de dezembro, ao fim do primeiro ano em que atuou como ministro do Supremo Tribunal Federal ( STF), Flávio Dino continuava em Brasília. O Judiciário estava em recesso havia dez dias, mas o magistrado seguia dedicado ao mesmo tema que ocupou boa parte dos meses anteriores: as regras de transparência de emendas parlamentares.
Por volta das 13h10m, Dino publicou sua última decisão antes do réveillon: atendeu a um pedido do governo federal e autorizou a liberação de verbas necessárias para atender o mínimo exigido de despesas da saúde.
Era o último capítulo de 2024 de um embate que ocupou as semanas derradeiras de dezembro, após o ministro suspender quase R$ 7 bilhões em emendas indicadas por deputados federais e senadores. A queda de braço continuará nos próximos meses.
Dino completa um ano no STF em fevereiro e, neste período, já se tornou um dos ministros com maior destaque. O magistrado divide os holofotes que costumavam focar em Alexandre de Moraes, relator de investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Apesar da postura mais reservada na comparação com a fase no Ministério da Justiça, quando frequentemente dava entrevistas e declarações públicas, segue atuante nas redes sociais e é o mais popular entre os colegas: reúne 1,4 milhão de seguidores no Instagram e 1,2 milhão no X, que deixou de usar após o embate da plataforma com a Corte.
O protagonismo de Dino não chegou sem um custo político. Nas discussões sobre emendas, houve embates com o Congresso, que vê uma invasão de competência com a atuação incisiva do magistrado. Como ministro da Justiça, já havia desgaste com os parlamentares: nas comissões, protagonizou discussões especialmente com bolsonaristas, momentos em que usou ironias e acabou virando meme. Enquanto esteve no governo Lula, comandou a reação aos atos golpistas de 8 de janeiro, o que ajudou a acirrar os ânimos com a oposição.
Possível candidatura
O fato de ser o ministro mais recente do STF não inibe Dino de participar com desenvoltura dos debates em plenário, inclusive nos quais não pode votar, porque sua antecessora, Rosa Weber, já se posicionou. Com frequência, ele lembra sua experiência pregressa, principalmente de governador (comandou o Maranhão entre 2015 e 2022), mas também de ministro da Justiça, deputado e senador.
Entretanto, é justamente essa passagem de 17 anos pela política que mantém viva a desconfiança de que o ministro pode abandonar a toga e voltar a se candidatar no futuro, possivelmente a partir de 2030, como uma alternativa da esquerda para o pós-Lula. Dino, contudo, nega essa hipótese. Ele foi procurado para comentar o período na Corte, mas não se manifestou.
Seu desempenho é elogiado pelo decano do tribunal. O ministro Gilmar Mendes minimiza as disputas com o Legislativo e afirma que o colega passou por provações em seu primeiro ano.
— Ele teve muitos testes, porque precisou enfrentar essa questão do Orçamento, que ele conhece bem, pela vivência dele como deputado e governador — avalia Gilmar. — Isso é um pouco o nosso trabalho, fazer o controle. Obviamente, às vezes causa descontentamento. Mas isso tem sido conversado, houve reuniões. Tem se tentado construir uma solução.
O protagonismo de Dino na questão das emendas começou por uma questão burocrática: por assumir a vaga que foi de Rosa Weber, ele herdou seus processos, inclusive a ação na qual o chamado “orçamento secreto” foi declarado inconstitucional, ainda em 2022. Estava pendente uma denúncia, apresentada por ONGs, de que as mesmas práticas continuavam sendo utilizadas em outros instrumentos, principalmente as emendas de comissão.
O ministro concluiu que a decisão sobre o orçamento secreto não estava sendo cumprida e, em agosto de 2024, suspendeu a execução de parte das emendas.
A relatoria desse caso ainda o levou a herdar outros processos que tratavam sobre emendas, como sobre as transferências especiais, conhecidas como emendas Pix, e sobre o caráter impositivo do pagamento das verbas, nos quais também tomou decisões restringindo o pagamento dos recursos.
Para solucionar o impasse criado por essa sequência de determinações, em agosto do ano passado foi realizado um “almoço institucional” no STF, reunindo representantes dos três Poderes, incluindo todos os ministros da Corte. Ali, começou a ser costurado um acordo que levaria, meses depois, à edição de uma lei com novas regras de transparência para as emendas.
O ministro, no entanto, considerou que esses parâmetros não eram suficientes e estabeleceu novos critérios — o que enfureceu congressistas.
Em dezembro, em meio à disputa, líderes de bancada enviaram ao Palácio do Planalto ofícios pedindo a liberação de emendas de comissão, sendo R$ 4,2 bilhões da Câmara e R$ 2,7 bilhões do Senado. Em um novo capítulo do embate, o ministro considerou que os documentos eram irregulares, suspendeu os repasses e determinou inclusive a abertura de um inquérito da Polícia Federal (PF).
As emendas renderam a Dino outro caso sensível. Está sob responsabilidade dele a investigação que resultou no indiciamento do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, pela suspeita de desvios nas verbas no período em que era deputado.
O caso é triplamente delicado: Juscelino foi colega de ministério de Dino, também tem o Maranhão como base política (onde eram adversários), e a PF, que conduziu a investigação, esteve sob sua responsabilidade no Ministério da Justiça.
Apesar de ter indicado antes de assumir a vaga no STF que poderia declarar-se suspeito, o ministro continua responsável pelo caso, que aguarda desde junho uma manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Juscelino nega irregularidades e afirma que a investigação “ignorou fatos”.
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Combate a incêndio
Outra área com atuação do ministro foi a ambiental. Ele também se tornou relator de um conjunto de ações que tratam sobre medidas de combate a incêndios na Amazônia e no Pantanal. Em setembro, em meio a um recorde nas queimadas, Dino determinou ao governo federal e a gestões estaduais uma série de medidas, como a convocação de bombeiros, e autorizou o uso de créditos extraordinários.
A reta final de 2024 reservou ainda outros despachos que alcançaram repercussão. Em novembro, determinou a retirada de circulação de quatro livros jurídicos com conteúdo homofóbico, preconceituoso e discriminatório direcionado à comunidade LGBTQIA+ e às mulheres.
No mês seguinte, aproveitando a repercussão do filme “Ainda estou aqui”, defendeu que o crime de ocultação de cadáver não seja alcançado pela Lei da Anistia, sancionada em 1979. Essa proposta de tese deve ser discutida pelos demais ministros no retorno do recesso.