Diretor da Prevent reconhece alteração de código de diagnóstico da Covid e rebate na CPI acusações
O diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, afirmou em depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira (22) que a operadora adotou procedimento para alterar o código de diagnóstico dos pacientes com Covid-19, fazendo com que a doença deixasse de ser mencionada após determinados dias de internação.
Batista Júnior ainda rebateu as informações que constam em um dossiê elaborado por médicos da própria operadora, afirmando que em nenhum momento ocultaram mortes em um estudo com hidroxicloroquina. Ele ainda acusou profissionais de fraudarem uma planilha para alterar os resultados desse estudo.
O diretor acabou incluído na lista de investigados formais da CPI da Covid. Como o jornal Folha de S.Paulo mostrou, Batista Júnior também teria ameaçado um ex-médico que denunciou irregularidades e foi questionado por isso pelos senadores.
O diretor foi convocado após denúncias de que a Prevent usou seus hospitais como um laboratório, para estudos com hidroxicloroquina para o tratamento da Covid. Dossiê assinado por 15 médicos entregue à CPI confirma a denúncia e aponta que pacientes e familiares não eram consultados sobre a
administração desses medicamentos.
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O documento também mostra que os médicos eram obrigados a prescreverem os medicamentos, que eram enviados aos pacientes, em kits fechados, sob ameaça de serem demitidos.
O dossiê acusa ainda a Prevent Senior de alterar prontuários médicos, para ocultar eventuais problemas com o chamado tratamento precoce. Em particular, o documento menciona os casos do médico Anthony Wong e Regina Hang, mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang –ambos morreram de Covid-19.
No caso de Regina, o documento aponta que ela usou o chamado "kit Covid", contrariando declaração de seu filho após a sua morte.
"O prontuário médico da sra. Regina Hang prova que ela usou o kit antes de ser internada e que repetiu o tratamento durante a internação, assim como registram que seu filho, o sr. Luciano Hang, tinha ciência dos fatos", aponta o documento.
"Como outros tantos casos de óbitos na rede Prevent Senior decorrentes da Covid-19 que não foram devidamente informados às autoridades, a declaração de óbito da sra. Regina Hang foi fraudada ao omitir o real motivo do falecimento."
O diretor da Prevent se recusou a comentar os prontuários dos médicos, alegando impedimento ético.
O prontuário, também enviado à CPI, mostra que a mãe de Hang chegou a ser medicada com esses medicamentos, contrariando um vídeo postado pelo empresário, no qual afirma que ela poderia ter sido salva se recebesse tratamento precoce.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou ter provas de que Hang pediu para que ocultasse que a mãe recebeu tratamento precoce. "E nós temos comprovação de que ele recomendou a médicos: 'Olha, escondam que a minha mãe foi tratada com cloroquina para não desmerecer a eficácia do plano'. Isso é uma coisa macabra, escabrosa, reprovável, repugnante sob qualquer aspecto."
Em um dos momentos mais polêmicos, o diretor da Prevent reconheceu que foi adotado um procedimento que permitia "reclassificar" a doença de pacientes infectados pela Covid após certo tempo.
A fala aconteceu ao ser questionado a respeito de uma mensagem presente no dossiê, divulgada a pedido do presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).
"Bom dia. Precisamos padronizar o CID B34.2 para todos, para todos os pacientes com suspeita ou confirmação de covid-19 para que estes possam ser adequadamente contabilizados independente do status de exame ou da unidade. Reforce com os médicos do pronto atendimento para preencher a solicitação corretamente e corrijam as solicitações incorretas. Após 14 dias do início, pacientes de enfermaria, apartamento, ou 21 dias, pacientes com
passagem em UTI, leito híbrido, o CID deve ser modificado para qualquer outro, exceto B34.2, para que possamos identificar os pacientes que já não têm mais necessidade de isolamento. Início imediato", afirmava a mensagem.
Questionado sobre o assunto, Batista Júnior não negou e deu mais detalhes, acrescentando que os pacientes tinham o código de diagnóstico modificado, deixando de serem considerados como infectados pelo coronavírus.
"Perfeito. A mensagem é clara: todos os pacientes com suspeita ou confirmados de Covid, na necessidade de isolamento, quando entravam no hospital, precisavam receber o B34.2, que é o CID de Covid, e, após 14 dias, ou 21 dias, para quem estava em UTI. Se esses pacientes já tinham passado dessa data, o CID poderia já ser modificado, porque eles não representavam mais risco para a população do hospital", afirmou o diretor.
A confirmação irritou os senadores, que apontaram existência de crime.
"O senhor, como médico, é inacreditável", afirmou Otto Alencar (PSD-BA), que é médico. "O senhor realmente não tem condição de ser médico com a desonestidade que eu vi agora. Sinceramente, sinceramente, modificar o código de uma doença é um crime. Infelizmente, o Conselho Federal de Medicina não pune o senhor."
Humberto Costa (PT-PE) sugeriu que se tratava de uma maquiagem nas informações.
"Na verdade, o que está acontecendo é que eles consideram que, depois de 14 dias, esse paciente não tem mais Covid ou que, depois de 21 dias, ele não tem mais Covid. Essas pessoas que morreram, morreram de complicações de quê? De Covid! Então, é Covid", afirmou.
Renan disse ser "óbvia a falsificação" e a "fraude" que o depoente confirmou.
Batista Júnior rebateu as acusações de que a operadora escondeu mortes em seus hospitais durante estudo com hidroxicloroquina. Buscou explicar que esses óbitos foram registrados após o fechamento dos dados, por isso não foram computados. Além disso, acusou dois ex-médicos do grupo de adulterarem a planilha para prejudicar a empresa.
"O casal George Joppert Netto e Andressa Hernandes Joppert, ex-médicos da Prevent, desligados em junho de 2020, manipularam dados de uma planilha interna, que era uma planilha de acompanhamento de pacientes, para tentar comprometer a operadora", afirmou Batista Júnior.
O depoente também negou que a operadora enviasse kits de medicamento, como os que constituem o tratamento precoce, indiscriminadamente para os pacientes. Explicou que as prescrições eram individualizadas. No entanto, Otto Alencar divulgou um vídeo na qual uma colaboradora da Prevent mostra os sacos plásticos com os medicamentos e afirma que houve uma "padronização".
O diretor disse que os pacientes da operadora passaram a exigir a prescrição do "kit Covid" por causa das falas do presidente Jair Bolsonaro e outras personalidades. O chefe do Executivo defendeu o tratamento precoce em diversas oportunidades, inclusive em discurso na Assembleia-Geral da ONU nesta terça-feira (21).
"Quem prescreve qualquer medicação é o próprio médico e naquele momento houve, até devido a pronunciamentos não só da Presidência, mas de outras pessoas influentes também, uma série de pacientes exigindo a prescrição da medicação", afirmou Batista Júnior.
Em um ponto bastante explorado pelos senadores, o diretor da Prevent negou que ele ou a operadora tivesse relação com o chamado "gabinete paralelo", estrutura de aconselhamento de Bolsonaro para temas da pandemia fora do Ministério da Saúde.
"Nenhuma relação [com gabinete paralelo], respondeu o depoente. Questionado especificamente sobre nomes do gabinete, disse que a doutora Nise Yamaguchi mantém relação com a operadora por tratar pacientes do plano. "É uma médica que tratou pacientes que tinham o plano Prevent Senior."
Batista Júnior também afirmou que ele e a operadora não têm ligação com o médico Paolo Zanotto, apesar de a CPI divulgar vídeo de transmissão ao vivo na qual o médico diz ter redigido um "protocolo" para a Prevent. "Não sei qual o protocolo que ele redigiu", respondeu o diretor.