Logo Folha de Pernambuco

CPI DA COVID-19

Diretora ligada à Covaxin alinha discurso ao Planalto, mas admite descaso do governo com calote

Diretora técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Batista de Souza MedradesDiretora técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Batista de Souza Medrades - Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A diretora-técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, negou irregularidades no contrato para a venda da vacina indiana Covaxin, mas admitiu que não houve nenhuma preocupação do Ministério da Saúde durante a negociação com o calote milionário que outra empresa do grupo havia dado no governo federal.

A representante da empresa também disse à CPI da Covid que era "mentirosa" a ata de uma reunião do Ministério da Saúde, que conteria uma proposta de US$ 10 por dose da vacina, inferior ao valor que acabou constando no contrato.
Em um dos momentos mais tensos, ela contradisse sua própria fala a respeito da polêmica envolvendo as faturas para o pagamento da Covaxin, apresentando uma versão alinhada ao Palácio do Planalto.


O depoimento de Emanuela foi retomado na manhã desta quarta-feira (14), após uma sessão tumultuada e marcada por um imbróglio jurídico no dia anterior.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), decidiu na ocasião suspender a sessão, após a depoente, amparada por habeas corpus, se recusar a responder mesmo questões simples, como seu vínculo empregatício com a Precisa.

Aziz ingressou com embargo junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) para esclarecer os limites do direito ao silêncio.
O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, atendeu parcialmente a dois embargos (recursos), um apresentado pela CPI e outro pela defesa de Emanuela.

Pela decisão de Fux, cabe ao depoente decidir se a resposta a uma pergunta poderá incriminá-lo, mantendo, assim, o silêncio.

O magistrado, no entanto, diz que nenhum direito é absoluto e que cabe à CPI avaliar se o depoente abusa dessa prerrogativa, afirmando que a comissão tem os instrumentos para adotar providências.

Aziz chegou a retomar a sessão na noite de terça, mas a suspendeu depois de a depoente afirmar estar "exausta".

Na retomada da sessão nesta quarta, Emanuela mudou radicalmente seu comportamento e respondeu todas as perguntas feitas pelos senadores do colegiado.

Ela afirmou que o Ministério da Saúde não questionou a Precisa sobre o fato de a empresa Global, que faz parte do mesmo grupo societário da companhia, ser acusada de ter dado calote na pasta.

A Global recebeu em 2017 antecipadamente R$ 20 milhões por medicamentos de doenças raras que nunca foram entregues quando o ministro era o atual deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara. O presidente da empresa, Francisco Emerson Maximiano, conhecido como Max, também é sócio da Precisa.

Após investigação, o Ministério Público Federal denunciou a Global e Barros por improbidade administrativa.
Em resposta a questionamento do senador Humberto Costa (PT-PE), Emanuela afirmou que o Ministério da Saúde não questionou a Precisa a respeito da acusação feita à empresa sócia durante negociação para a compra da Covaxin
"O Ministério da Saúde em nenhum momento invocou a discussão da possibilidade de uma empresa envolvida numa fraude contra o ministério ser intermediária da aquisição de um contrato de R$ 1,6 bilhão", ressaltou o senador.

O petista também perguntou se a Bharat Biotech, laboratório indiano que produz a Covaxin, tinha conhecimento a respeito de investigação sobre a Precisa ter superfaturado o valor de testes em venda ao Distrito Federal.

Emanuela respondeu que a farmacêutica indiana conhecia o histórico da empresa. "Sempre fomos transparentes."
Além disso, ela alegou que os funcionários da Precisa tinham experiência na compra de vacinas e isso credenciava a companhia a fazer o negócio, embora a empresa em si nunca antes tivesse adquirido imunizantes.

Em outro momento da sessão, a depoente afirmou que o valor de US$ 15 estabelecido para a compra da Covaxin é determinado pela Bharat Biotech e não pela empresa que ela representa e intermediou o contrato com a farmacêutica indiana.

Emanuela relatou ter inclusive buscado negociar junto à Bharat para que o valor ofertado ao Ministério da Saúde ficasse abaixo de US$ 10, mas disse que não foi possível.

A representante da Precisa negou que tivesse apresentado uma oferta para o Ministério da Saúde com o preço de US$ 10 por dose da vacina da Covaxin. O contrato final previa preço de US$ 15 por dose.

Os senadores questionaram a depoente porque receberam uma ata de reunião do Ministério da Saúde com representantes da Precisa. Nessa reunião, com a presença do então secretário-executivo Elcio Franco e outras autoridades da pasta, teria sido feita a proposta de US$ 10, valor que poderia ser reduzido se a quantidade adquirida fosse considerável.

"Eu não sei por que colocaram que o produto custaria US$ 10, porque o produto não foi ofertado. Existe sim uma expectativa que esse valor fosse de menos de US$ 10", afirmou.

Emanuela também foi questionada sobre a polêmica envolvendo as faturas internacionais para a importação da Covaxin. Nesse ponto, ela chegou a contradizer uma fala anterior sua e alinhou sua fala com a do governo Bolsonaro.

As suspeitas a respeito das faturas surgiram após depoimento à CPI do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e de seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda.

Eles apresentaram duas faturas que previam pagamento antecipado pelas vacinas, e em que havia problemas no quantitativo de doses que seriam entregues inicialmente e também que o pagamento seria feito por meio de uma terceira empresa, a Madison, localizada em um paraíso fiscal

Em entrevista no Palácio do Planalto, o secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, afirmou que os documentos apresentados eram falsos. Disse que a primeira fatura foi apresentada apenas no dia 22 de março deste ano pela Precisa.
A própria Emanuela havia afirmado em sessão no Senado que a primeira fatura havia sido encaminhada no dia 18, reconhecendo portanto que a versão apresentada pelos irmãos Miranda seria verdadeira.

"Quinta-feira [dia 18 de março] passada fizemos o pedido, encaminhamos as invoices, alguns documentos. Temos alguns documentos que precisam ser retransmitidos ao pessoal do Dimp [Divisão de Importação]", afirmou na sessão do Senado, em vídeo que foi reproduzido nesta quarta-feira pela CPI

Ao ser questionada sobre o fato, a representante da Precisa afirmou que "não estava sendo detalhista" na fala e afirmou que encaminhou o primeiro invoice apenas no dia 22 de março.

Em depoimento à CPI, o consultor do Ministério da Saúde William Santana confirmou que havia tido contato com o primeiro invoice no dia 18 de março.

Emanuela afirmou que consegue provar sua nova versão e que concorda com a realização de uma acareação com Santana e com o servidor Luis Ricardo.

Senadores, no entanto, levantaram dúvidas sobre a versão apresentada pela depoente.

"O seu depoimento, para mim, que analisei o contrato da Covaxin, ele não acrescenta nada quanto à materialidade. Para mim está comprovado que é um contrato fraudulento, superfaturado, de um esquema de propina dentro do Ministério da Saúde", disse Simone Tebet (MDB-MS).

A representante da Precisa também foi questionada a respeito de um repasse de R$ 1 milhão feito pela empresa para a Câmara de Comércio Índia-Brasil, às vésperas da assinatura do contrato para a venda da Covaxin. A transferência foi divulgada pelo jornal O Globo.

Emanuela, no entanto, afirmou não saber o motivo desse repasse.

A diretora da Precisa relatou que os primeiros contatos com o laboratório indiano foram feitos no meio do ano passado. "Em junho de 2020 foi nosso primeiro contato com eles. A vacina ainda estava em fase 2. Foi um contato embrionário."
A primeira reunião que a Precisa teve com o Ministério da Saúde foi em 3 de novembro. Segundo Emanuela, foram 114 dias de negociação até que o contrato entre o governo e a empresa fosse assinado, em 25 de fevereiro de 2021.

Emanuela também afirmou que a rapidez na negociação com a Precisa se deu porque a empresa teria aceitado todas as condições propostas pelo Ministério da Saúde

"Aceitamos 100% da minuta padrão que foi enviada pela conjur [consultoria jurídica]. Não pedimos nenhuma alteração de cláusula, nenhuma alteração de prazo. Foi por isso que esse processo teve celeridade maior."

Presente na sessão, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) interrompeu senadores para fazer a defesa do governo. Flávio não é titular da comissão e costuma comparecer ao colegiado em depoimentos considerados mais "delicados" ao governo do pai.

Tebet afirmou que se debruçou sobre o contrato ao longo do final de semana e que havia concluído se tratar de um acordo "fraudulento" fechado para que houvesse "pagamento de propina".

"Sem um centavo de dinheiro público", interrompeu Flávio nesse momento.

Mais cedo o senador já havia reclamado da postura de Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI.

"[Quer] induzir o depoente a falar o que ele quer. Que coisa chata", afirmou Flávio.

Senadores que compõem o colegiado reclamam que Flávio comparece em dias de testemunhas-chave para os trabalhos e costuma encarar o depoente. Parlamentares veem na atitude uma forma de o filho de Bolsonaro intimidar quem depõe na CPI.

Também nesta quarta-feira estava previsto o depoimento do sócio-diretor da Precisa, Francisco Maximiano. Aziz, no entanto, afirmou que a oitiva de Emanuela estava se alongando e por isso não seria possível realizar duas sessões no mesmo dia. O novo depoimento de Maximiano deve ser realizado apenas em agosto. 

Veja também

Newsletter