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Meio-ambiente

Discussão entre Zema e ministro expõe divergências que marcaram negociações do acordo de Mariana

Governo de Minas desejava recursos para obras de infraestrutura fora da Bacia do Rio Doce, enquanto Planalto acusava projeto eleitoral

O governador de Minas Gerais, Romeu ZemaO governador de Minas Gerais, Romeu Zema - Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Enquanto a assinatura do novo acordo de reparação pelos danos da tragédia de Mariana (MG) é celebrada em cerimônia no Palácio do Planalto nesta sexta (25), as recentes declarações do governador Romeu Zema e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, expuseram as que marcaram as negociações entre os governos federal e o de Minas nos últimos dois anos.

A gestão de Zema desejava destinação de recursos a obras de infraestrutura no estado, mas foi rechaçada pelo governo federal, que exigia aplicação exclusiva na bacia do Rio Doce. Além disso, o governo mineiro se posicionava contra a União centralizar a gestão dos investimentos oriundos do acordo.

No último sábado (19), um dia depois da divulgação da nova proposta de repactuação, com previsão de R$ 167 bilhões de pagamentos pelas empresas BHP e Vale, o ministro Alexandre Silveira afirmou que a negociação não iria "replicar erros" e acusou Romeu Zema de ter usado o acordo extra judicial para reparação dos danos da tragédia de Brumadinho, ocorrida em 2019, como "projeto eleitoral".

— O que foi feito em Brumadinho foi um acordo que não foi correto com o meio ambiente. O acordo serviu muito mais a um projeto de reeleição do atual governador do que de reparação dos danos ambientais, sociais e materiais das 272 vítimas fatais daquele acidente — disse o ministro.

Já na terça-feira (22), o governador chamou Silveira de "alienado" e criticou o acordo anterior do caso Mariana, firmado durante as gestões petistas de Fernando Pimentel em Minas e de Dilma Roussef na presidência.

Naquele Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), as empresas BHP e Vale criaram a Fundação Renova para executar as ações de reparação. Mas, diante das críticas sobre a lentidão nos resultados, tanto da população quanto dos governos envolvidos, a repactuação foi realizada.

— Nós mostramos que o acordo de Brumadinho funciona. Talvez ele esqueceu a história, o passado. Talvez ele sofra de amnésia, mas era bom recordar que existe uma fundação feita pelo PT de Minas e não entregou nada — disse Zema, em resposta a Silveira.

O vice-governador de Minas, Mateus Simões, fez coro às críticas de Zema contra o governo federal e disse que o novo acordo de Mariana "é uma cópia do modelo" de Brumadinho.

—Sinal de que funcionou. Esperamos agora que o Governo Federal use a sua parte na área atingida, ao invés de colocar o dinheiro no caixa. Se todos cumprirem com seu papel, transformaremos o Rio Doce — afirmou Leitão, em referência às responsabilidades de cada ente nas ações de reparação a partir de agora.

Divergências sobre uso do dinheiro

As farpas públicas em um momento de consenso entre governos e empresas em prol de um novo acordo podem parecer surpreendentes, mas, na verdade, expuseram uma briga que atrapalhou a celeridade das negociações nos últimos dois anos.

O temor de um "novo acordo de Brumadinho", com caráter eleitoral por causa da previsão de recursos para obras de infraestrutura em locais distantes da tragédia, já havia sido exposto por representantes do governo federal na mesa de negociação.

Na visão do governo Lula, a gestão de Romeu Zema queria garantir recursos em caixa "para fazer política".

A posição do governo de Minas era destinar, dentro do acordo, dinheiro para obras de infraestrutura não necessariamente ligadas à recuperação da Bacia do Rio Doce, como obras rodoviárias, e de equipamentos esportivos e educação.

O governo federal defendia que o dinheiro fosse exclusivo para ações na Bacia do Rio Doce.

Na repactuação, ficou acertado o pagamento de R$ 4,5 bilhões para melhorias nas rodovias BR-356, em Minas Gerais, e BR-262, no Espírito Santo.

A BR-365 começa em Belo Horizonte e termina em São João da Barra (RJ), passando por Mariana e por outros 12 municípios.

Simone Silva, líder quilombola da Comunidade de Gesteira, uma das que foi devastada pelos rejeitos da barragem do Fundão, disse que o ideal seria usar esses recursos para reforma das estradas de terra nas comunidades do Rio Doce.

— Sugeri usar o valor para as estradas onde passou a lama, que são rotas de fuga, mas são todas de terra até hoje. Como em Bento Rodrigues, Gesteira e São Gonçalo. Em um caso de rompimento, as pessoas fogem por lá — explicou.

Dos investimentos previstos pela repactuação, as obras nas rodovias são, a princípio, as únicas de infraestrutura sem caráter ambiental ou de saúde.

O dinheiro será usado para a duplicação do trecho da BR-356 que liga a BR-040, entre Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, e Mariana, onde há acidentes recorrentes.

Celso Cota (PSDB), prefeito de Mariana, vem defendendo publicamente a obra.

Gestão dos recursos

Enquanto não havia definição do acordo, representantes do governo federal se queixavam que o governo Romeu Zema controlava a narrativa e culpava a União pela demora na assinatura da repactuação.

Em agosto, o governador disse que ele e Renato Casagrande, governador do Espírito Santo, já estavam de acordo com os valores apresentados pelas empresas, enquanto a União pleiteava um pagamento maior.

Distrito de Bento Rodrigues, dois anos após o rompimento da barragemTragédia de Mariana, dois anos após o rompimento - José Cruz/Arquivo/Agência Brasil

Segundo uma fonte da União que acompanhou as negociações, o governo federal foi "firme, mas não intransigente", o que se exemplificaria na redução da pedida inicial, de R$126 bilhões em dinheiro novo, como pedido em 2022, para R$100 bilhões acordados agora.

Além da destinação dos recursos, a gestão do dinheiro também gerou divergências entre os governos.

Romeu Zema era contra a possibilidade da União centralizar essa gestão. O governo federal queria limitar a participação dos governos estaduais nesse modelo, que agora não contará com uma intermediária como era a Fundação Renova.

Com a repactuação, ministérios e autarquias federais terão as maiores responsabilidades, mas a execução será descentarlizada, com participação dos governos estaduais e das próprias empresas, a depender dos programas.

— O desenho alcançado pelo acordo atende aos objetivos de Minas, garantindo ao Vale do Rio Doce a reparação que aguardam desde o rompimento. A União fará a gestão dos recursos federais, Minas Gerais e Espírito Santo farão a gestão dos recursos estaduais e os municípios farão a gestão dos recursos locais. Não se justifica subtrair dos entes públicos as suas atribuições na gestão de recursos destinados aos serviços sob sua gestão. O desenho alcançado respeita essa autonomia — afirma o vice-governador Mateus Simões, que acrescenta que todos os projetos desejados pelo governo mineiro foram contemplados.

Procurados, o governo do Espírito Santo, o ministério de Minas e Energia e o Tribunal Regional Federal da 6ª Região, que mediou o acordo, não se manifestaram.

Confira detalhes da repactuação

O comunicado ao mercado divulgado pela Vale na semana passada cita um valor total de repactuação de R$ 170 bilhões, incluindo R$ 32 bilhões em obrigações em curso e R$ 38 bilhões pagos nos últimos nove anos.

A Advocacia Geral da União (AGU) considera um valor de R$ 167 bilhões, com R$ 30 bilhões provisionados e R$ 37 bilhões pagos. A expectativa é que a repactuação encerre mais de 180 mil ações judiciais.

Além das indenizações e dos financiamentos a programas socioambientais, de saúde e de fomento econômico, o acordo prevê a retirada de dejetos de parte do Rio Doce, um ponto que era de divergência entre as empresas e os governos durante as negociações.

Agora, precisarão ser retirados 9 milhões de metros cúbicos de rejeitos que impedem a operação plena da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, em Minas Gerais.

No fim do ano passado, as negociações chegaram a ser suspensas após as empresas acenarem com uma proposta de R$ 42 bilhões, enquanto as autoridades pediam R$ 126 bilhões em dinheiro novo.

As empresas responsabilizadas pelo rompimento da barragem do Fundão, o que causou o desastre, também alegavam que o Rio Doce já havia retomado a sua qualidade e o manejo de parte desses sedimentos poderia causar novos impactos ambientais.

Mas o governo federal não recuou do pedido.

Divergência sobre quitação a danos de saúde

Outro ponto que gerava discordância foi a exigência das empresas de que o acordo impediria ações judiciais no futuro, por pessoas que desenvolvam problemas de saúde que possam ser decorrentes do desastre ambiental.

Mas o poder público não aceitou esta condição, segundo fontes que acompanham as negociações.

No entanto, uma das diferenças dos novos termos da repactuação, em relação à primeira versão de 2022, é o foco em programas de saúde, como investimentos em aquisição de equipamentos e a criação de um fundo para contribuir com o custeio do SUS.

Atualmente, os programas de reparação socioambiental são executados pela Fundação Renova, entidade privada criada pelas empresas em função do primeiro acordo judicial entre os governos de Minas e Espírito Santo, a União, a Vale, BHP e Samarco, em 2016.

Mas, após críticas de moradores sobre falta de participação e demora na conclusão de certas ações, o que gerou novos processos judiciais, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) negociou mudanças.

Com o novo acordo, as empresas, autarquias e os governos — federal ou de Minas e do Espírito Santo — vão ser responsáveis pelas ações de reparação social, ambiental e econômica.

Além disso, a Samarco, empresa que tem a BHP e a Vale como principais acionistas e era responsável pela barragem rompida, cuidará das indenizações, que terão, em média, valor de R$30 mil. Não haverá mais uma intermediária nas reparações.

— As ações serão executadas pelos próprios governos e pela Samarco. É um avanço, porque a governança atual é burocrática, depende de muitas análises em comitês, conselhos, gastos com consultorias e tem pouca efetividade — afirmou o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande.

Dos R$ 100 bilhões a serem pagos em 20 anos, o que deve atender a 250 mil moradores, a maior parte será desembolsada nos três primeiros anos após a assinatura.

A expectativa das empresas é que as indenizações, além do programa de transferência de renda a pescadores e agricultores atingidos, encerre cerca de 181 mil ações civis individuais que correm hoje na Justiça.

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