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Distante do Congresso, Lula se aproxima do STF e planeja reorganizar governo

Presidente entra nos dois anos finais de mandato de olho em consolidar programas já lançados

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva O presidente Luiz Inácio Lula da Silva  - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Com um apoio maior no Supremo Tribunal Federal ( STF) do que no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou à metade de seu terceiro mandato à frente do país com a ideia de reorganizar o governo com vistas à disputa eleitoral de 2026. Motivo de ansiedade nos primeiros meses, a busca por uma marca para a gestão deixou de ser preocupação para o petista. O plano agora é consolidar os programas já lançados, explorar a proposta de aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para tentar alavancar a popularidade e, ao mesmo tempo, atenuar as críticas do mercado financeiro em virtude da situação da economia.

Em sua terceira passagem pelo Palácio do Planalto, Lula lida com a maior presença de forças de centro-direita e direita no Legislativo e herdou de Jair Bolsonaro um arranjo que garante aos parlamentares uma ampla fatia do Orçamento (R$ 50 bilhões em 2024) para destinarem a obras em seus redutos. Diante do ambiente hostil, o presidente construiu uma proximidade inédita com a cúpula do Judiciário, que deu apoio para alguns temas relevantes ao governo, como o controle das emendas parlamentares e a responsabilização das plataformas por conteúdos publicados por usuários nas redes sociais.

O cenário é bastante diferente do que foi visto nos dois primeiros mandatos, quando o Supremo causou desgaste à gestão petista por causa das investigações do escândalo do mensalão. Em agosto de 2007, menos de um ano depois de Lula ser reeleito, a Corte aceitou a denúncia da Procuradoria-Geral da República e transformou em réus ex-ministros como José Dirceu e Luiz Gushiken e o ex-presidente do PT José Genoino.

Agora no terceiro mandato, Lula estabeleceu uma relação de proximidade com uma parte dos ministros, com quem mantém diálogos frequentes. São considerados mais próximos do presidente Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Flávio Dino e Cristiano Zanin — os dois últimos foram indicados pelo petista. No dia 13 de novembro, por exemplo, quando chegou a notícia de que o homem-bomba Francisco Wanderley Luiz havia se explodido na Praça dos Três Poderes, Lula jantava no Palácio da Alvorada com Moraes, Gilmar e Zanin. Dino também havia sido convidado para o encontro, mas cumpria agenda fora de Brasília.

Em agosto, Dino determinou a suspensão do pagamento das emendas por entender que havia falta de transparência na destinação dos recursos, decisão que foi ratificada em dezembro, com modulações. Apesar de Lula ser crítico da quantidade de recursos que os parlamentares podem indicar, a gestão petista nunca teve fôlego para entrar no tema.

A responsabilização das plataformas por publicações também foi um assunto que o governo não teve força para levar adiante. O PL das Redes Sociais travou na Câmara. Sem um posicionamento do Congresso, o Supremo iniciou em dezembro o julgamento de ações sobre a validade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece que não cabe às plataformas decidir se conteúdos publicados pelos usuários são lícitos ou não.

Os ministros do STF negam que exista jogo casado entre o Planalto e o governo, mas reconhecem confluência nas pautas. Apesar do entendimento de que a Corte tem ajudado a gestão Lula, há também em setores do governo queixas sobre um excesso de protagonismo por parte principalmente de Dino.

Aliados de Lula no Congresso dizem que o presidente fez uma “opção por governar com o Judiciário” e deixou os parlamentares de lado por erros na construção da base de apoio. A aposta é vista como arriscada porque os congressistas podem entrar em conflito com o Judiciário e colocar o governo no meio da disputa, como aconteceu no início da tramitação do pacote de ajuste fiscal. Contrariados com a paralisação dos pagamentos de emendas por decisão do Supremo, os deputados ameaçaram não votar as medidas propostas pelo Ministério da Fazenda. O governo teve que publicar uma portaria para contornar a situação.

A convivência do presidente com os parlamentares, que era intensa nos dois primeiros mandatos, se tornou apenas esporádica no atual governo.

— As dificuldades na relação com o Congresso começaram na montagem do governo. A articulação política ficou muito distante do Legislativo — afirma o deputado Eunício Oliveira (MDB-CE), que foi ministro das Comunicações no primeiro mandato do petista.

Há uma possibilidade de mudança do cenário com a reforma ministerial que Lula prepara para os primeiros meses deste ano, com o objetivo de pavimentar a formação da chapa da eleição de 2026, seja quem for o candidato. A possibilidade de o atual presidente não disputar um novo mandato ganhou força após a cirurgia às pressas realizada no dia 10 de dezembro para drenar um coágulo na cabeça. Mesmo antes, o petista, aos 79 anos, vinha deixando a possibilidade de não concorrer ao Palácio do Planalto pela sétima vez em aberto, apesar de a direção do PT considerar que não há um outro nome.

A grande dúvida da reforma ministerial é se Lula vai abrir os postos no Palácio do Planalto a aliados. Até o momento, apesar de ter optado por um governo com menos ministérios para o PT em comparação aos dois primeiros mandatos e com participação de mais partidos, o presidente manteve apenas petistas em cargos-chaves da gestão. Uma sinalização significativa poderia ocorrer com a entrada de um representante do Centrão na articulação política no lugar de Alexandre Padilha (PT). Nos dois primeiros mandatos, o posto foi ocupado por Aldo Rebelo (PCdoB), Walfrido dos Mares Guia (PTB) e José Mucio Monteiro (PTB). Por enquanto, a única troca dada como certa é na Comunicação, com a saída de Paulo Pimenta e a possível entrada do marqueteiro Sidônio Palmeira. O martelo, porém, ainda não foi batido.

Herança em jogo
A reforma também pode ser usada para dirimir os conflitos internos. Apesar de aliados afirmarem que Lula sempre estimulou essas rixas, a avaliação é que o petista já não mostra a mesma disposição para administrá-las e isso pode acabar desgastando a gestão.

Em uma analogia, uma pessoa próxima do presidente diz que ele optou por montar um governo de “sobrinhos” que estão de olho na sua herança. A herança, no caso, é de votos, como mostrou a pesquisa Quaest que coloca Lula na liderança em todos os cenários de segundo turno para 2026. Ainda nas palavras desse aliado, esses postulantes não percebem que as brigas por poder perigam dilapidar o patrimônio eleitoral e, ao fim, todos ficarem sem ter o que herdar.

A mais expressiva das disputas até o momento é travada pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e da Casa Civil, Rui Costa. Mesmo fechando um acordo no caso do pacote de ajuste fiscal, os dois são considerados representantes de modelos antagônicos de gestão: Haddad preocupado em cortar gastos para melhorar a situação fiscal e Rui em busca de dinheiro para acelerar as obras do PAC.

O problema das contas públicas, hoje uma realidade que atrapalha o governo, não existia nos dois primeiros mandatos. Em 2003 e 2004, Lula já produzia superávits fiscais, que agora são previstos para serem alcançados somente em 2026. O petista iniciou seu primeiro mandato com um capital político maior, o que permitia enfrentar o desgaste do arrocho, por causa dos 61,27% dos votos obtidos contra José Serra no segundo turno de 2002. Contra Bolsonaro em 2022, Lula teve 50,9% dos votos válidos.

Neste terceiro mandato, Lula também assumiu pessoalmente a batalha contra as taxas de juros. O papel antes era desempenhado pelo então vice, José Alencar. Em 2004, ao fim do segundo ano do primeiro mandato, a taxa de juros era de 17,25%, enquanto hoje está em 12,25%. A inflação é menor: 4,8% de projeção contra 7,6%. A meta de inflação, entretanto, era um pouco maior nos primeiros mandatos de Lula, em torno de 4,5%. Agora, a meta perseguida pelo BC é de 3%. O dólar, além disso, após a decepção do mercado com o pacote de ajuste fiscal, fechou o ano a R$ 6,18 contra R$ 2,65 na primeira gestão.

Fruto de críticas do mercado, a elevação da taxa de isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, anunciada junto com as medidas de cortes de gastos, é a principal aposta do governo para os dois últimos anos.

A ideia é manter o tema em debate durante a tramitação da proposta no Congresso e usar o discurso da justiça tributária para tentar alavancar a popularidade do governo. Pesquisa Datafolha de dezembro de 2024 mostra que Lula tem 35% de avaliação como ótimo e bom, cenário semelhante ao de quando começou a terceira gestão, mas distante dos 45% da primeira metade do primeiro mandato e dos 70% da primeira metade do segundo mandato — e mais longe ainda dos 83% de quando encerrou o período de oito anos, em 2010.

O presidente tem repetido que os dois últimos anos são para colheita e que a apresentação de novas ideias estão proibidas. Programas já lançados, como o Pé-de-Meia (que concede auxílio financeiro a estudantes), o Desenrola (que prevê perdão de dívidas) e o Acredita (voltado ao empreendedorismo) são as apostas da gestão para se transformarem em marcas da terceira passagem de Lula pelo Planalto.

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