'É bem mais grave', diz deputado sobre relatos de irmão por pressão do governo pela Covaxin
'Tem coisa mais grave, bem mais grave [do que a pressão]. Inclusive erros no contrato', disse
Irmão do servidor do Ministério da Saúde que depôs ao MPF (Ministério Público Federal) sobre a compra da vacina indiana Covaxin, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) disse que o caso é "bem mais grave" do que a pressão para fechar o contrato.
Segundo o deputado, o seu irmão - Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação da pasta - já havia relatado "pressão" e "indícios de irregularidade" em março.
"Eu toquei para a frente a denúncia", disse o deputado ao jornal Folha de S.Paulo. Ele se recusou, porém, a confirmar para qual autoridade levou o caso. "Se eu responder para você, cai a República", disse.
Na sexta-feira (18), a Folha de S.Paulo revelou o teor do depoimento dado pelo servidor ao MPF. Ele apontou pressão atípica para a importação da Covaxin, vacina fabricada pela Bharat Biotech e negociada com o governo federal pela Precisa Medicamentos.
Leia também
• Procuradoria vê indícios de crime e risco temerário em compra da Covaxin pela gestão Bolsonaro
• CPI da Covid mira auxiliar acusado de 'pressão atípica' por compra da vacina Covaxin
• Governo negociou em três meses e pagou 1.000% mais caro pela vacina da Covaxin, diz Estadão
"Tem coisa mais grave, bem mais grave [do que a pressão]. Inclusive erros no contrato. Formas irregulares na apresentação do contrato. Datas de vencimento das vacinas incompatíveis com a importação, sem tempo de ser vacinada a população", disse o deputado.
O presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que a comissão vai ouvir na próxima sexta-feira (25) o servidor e o deputado, que pediu para depor ao lado do irmão.
O técnico depôs ao MPF em 31 de março, em inquérito que investiga favorecimento e quebra de cláusulas contratuais para o fornecimento da Covaxin. A oitiva, enviada juntamente com o inquérito à CPI da Covid no Senado, é mantida em sigilo pelo MPF.
A Procuradoria ainda desmembrou e transferiu a investigação sobre a compra da Covaxin ao identificar indícios de crime no contrato entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos.
Segundo o deputado, havia "falhas inaceitáveis" no contrato. "Por isso ele não quis assinar. Aí ele começa a receber a pressão por conta disso", disse Miranda. O deputado também citou desconfiança sobre o valor da vacina, mas disse não ter informações de algum desvio de verba.
"Havia indícios de irregularidades na forma [do contrato]. E valores muito acima daquilo que era tratado com outras marcas", afirmou o deputado.
"Tenho muitas informações, mas só vou falar quando confirmar que vou ser convocado [para a CPI]", disse Miranda.
O servidor afirmou ter sofrido uma pressão atípica para que buscasse a importação do imunizante e disse que houve ingerência de superiores junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). As pendências existentes eram uma responsabilidade da empresa, na verdade, conforme o depoimento dado.
Segundo o funcionário, um dos responsáveis pela pressão foi o tenente-coronel do Exército Alex Lial Marinho.
O militar chegou em junho de 2020 ao cargo de coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde pelas mãos do general da ativa Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde. Pazuello foi demitido em março deste ano. Marinho perdeu o cargo no último dia 8, já na gestão de Marcelo Queiroga.
Servidor concursado da Saúde, o irmão do deputado chegou a ser retirado de seu cargo de confiança em 2020. Miranda disse que procurou Pazuello e reverteu a demissão.
"Puxei Pazuello, na época, e disse assim: 'Se o sr. não me apontar motivo específico, que não seja perseguição por ele não concordar com 'modus operandi' irregular, eu vou levar isso para as autoridades e à imprensa", relatou o deputado.
Segundo Miranda, o ex-ministro da Saúde disse "estranhar" a demissão e manteve o servidor no cargo.
Ouvido pelo MPF, o servidor do ministério afirmou existir pressão fora do comum e possibilidade de favorecimento à Precisa Medicamentos, que assinou contrato para o fornecimento de 20 milhões de doses da Covaxin, fabricada pela indiana Bharat Biotech.
O valor do contrato é de R$ 1,61 bilhão. O custo de cada dose, US$ 15, é o mais alto dentre todas as vacinas adquiridas pelo ministério.
Os prazos previstos em contrato já estão estourados. Somente no último dia 4 a Anvisa aprovou a importação de doses, e com restrições.
Sócio da Precisa, Francisco Emerson Maximiano foi convocado pela CPI da Covid para prestar depoimento nesta quarta (23). A comissão também pediu a quebra dos sigilos do empresário.
Maximiano é presidente da Global Gestão em Saúde, segundo registros da Receita Federal. E a Global figura como sócia da própria Precisa, segundo os dados da Receita.
A Global recebeu cerca de R$ 20 milhões antecipados, em 2017, para a entrega de medicamentos para doenças raras ao SUS, o que nunca aconteceu. O irmão do deputado também depôs neste caso, apontando irregularidades. A Saúde ainda negocia a devolução da verba.
Inicialmente, a sexta-feira seria destinada para ouvir os especialistas Jurema Werneck e Petro Hallal. No entanto, houve mudança na programação por causa do cancelamento do depoimento do empresário Francisco Emerson Maximiano, sócio-administrador da Precisa. Além disso, a comissão decidiu adiar a oitiva do assessor internacional da Presidência Filipe Martins, que seria na quinta-feira.
Com isso, a sessão de quarta-feira será usada para votar requerimentos, incluindo a convocação do servidor da Saúde e seu irmão. Na quinta-feira agora serão ouvidos os especialistas.
Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou sobre a fala do deputado.