E-mails relevam que ministros do STF tiveram 'agendas privadas' com Bolsonaro
Compromissos coincidem com momentos de investigações sensíveis e de tensões entre Executivo e Judiciário
Três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram encontros fora da agenda com o então presidente Jair Bolsonaro ao longo do ano de 2022. André Mendonça, Gilmar Mendes e Nunes Marques foram recebidos por Bolsonaro nos palácios do Planalto e do Alvorada. As datas coincidem com momentos de investigações sensíveis e de tensões entre Executivo e Judiciário.
As reuniões não foram registradas na agenda oficial, mas constam em e-mails da Presidência que foram obtidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito Mista (CPMI) do 8 de janeiro. Os e-mails foram revelados pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmados pelo GLOBO.
Em 23 de fevereiro do ano passado, por exemplo, Gilmar Mendes foi recebido no Planalto por meia hora, no fim do dia. Mais cedo, Bolsonaro havia criticado decisões do STF, como a prisão do então deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), e dito que os ministros precisavam atuar dentro das "quatro linhas" da Constituição.
Ao Globo, Gilmar afirmou que esteve algumas vezes com o ex-presidente, mas disse não se recordar da pauta desse encontro.
— Sempre que pude, tive interlocução, mandava mensagem a ele tentando minimizar teorias conspiratórias. Algumas vezes estive com ele — relatou Gilmar.
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Bolsonaro teve ao menos dois encontros com Nunes Marques, indicado por ele à Corte. Em 11 de maio, houve uma "reunião privada" com o ministro, além do então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Maritns, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Vicente Santini, que na época era Secretário Nacional de Justiça. O encontro ocorreu no Palácio da Alvorada, das 21h às 22h.
No mesmo dia, foi revelado que o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) havia pedido a anulação de uma denúncia que havia sido apresentada contra Flávio, no esquema que ficou conhecido como "rachadinha". O pedido do MP ocorreu devido a uma decisão do STJ de 2021, que anulou provas da investigação.
No dia anterior, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou que uma apuração sobre os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas deveria tramitar junto com outra investigação, de suposta atuação de uma milícia digital contra a democracia.
Em 12 de junho, um domingo, Nunes Marques foi recebido novamente no Alvorada, dessa vez pela manhã, das 10h às 12h30. Estavam presentes novamente Santini e um outro ministro do STJ, Francisco Falcão. A agenda registra que Santini e Falcão saíram mais cedo, às 11h.
Na véspera, Bolsonaro participou de um passeio de moto em Orlando, nos Estados Unidos, que também teve a presença o blogueiro Allan dos Santos, foragido após ter a prisão decretada pelo STF.
Procurado, Nunes Marques afirmou que se "recorda de uma visita de cortesia ao presidente da República no período mencionado, num fim de semana, fora do horário do expediente".
No mês seguinte, no dia 28 de julho, Bolsonaro recebeu André Mendonça, também indicado por ele ao STF. O ministro esteve no Planalto das 15h40 às 16h30. Não há registros de outros participantes na reunião.
Na época, Bolsonaro sofria pressão por uma reunião feita na semana anterior, com embaixadores, na qual ele fez ataques sem provas às urnas eletrônicas. O episódio motivou uma série de mobilização em defesa do sistema eleitoral e da democracia. O então presidente também estava prestar a fazer duas indicações ao STJ.
Mendonça foi procurado, mas não retornou.