Eleições para o Parlamento da União Europeia: os reflexos do pleito no Brasil
Cientistas políticos analisam os impactos do avanço das siglas de direita, centro-direita e extrema direita com o resultado do pleito no domingo passado (9)
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O resultado das eleições para o Parlamento da União Europeia (UE), divulgados no domingo passado (9), de uma forma ou de outra surpreenderam todo o ocidente pelo crescimento da extrema-direita no velho continente. O bloco da direita reduziu de 39% para 36% do total de assentos, na comparação com a legislatura passada, mas continua a principal força no Parlamento europeu.
O Partido Popular europeu, de centro-direita, angariou 186 das 720 cadeiras, o maior número de assentos. Já as siglas da extrema direita ampliaram espaço, passando de 16,7% para 18,1% de representação no parlamento. Depois do pleito, o foco se volta às conjunturas nacionais e os impactos que ele causa em cada realidade. Como ficam nações como o Brasil, que têm um governo de esquerda?
Para o cientista político e doutor em Relações Internacionais Thales Castro, o impacto no Brasil é perceber que há uma certa fadiga das correntes progressistas, embora, na América Latina, o México, segunda maior democracia da região, elegeu pela primeira vez uma mulher de origem judaica, de linha progressista de centro-esquerda. Mas, por outro lado, já se ver fenômenos semelhantes de direita bastante conservadora em vários países da América Latina.
“A começar por Milei, que celebrou seis meses de gestão há poucos dias; El Salvador, com Nayib Bukele; o Equador também com o jovem presidente Noboa; o Paraguai, que tem um governo de direita; e o Uruguai, que tem um governo de centro-direita”, elencou.
De acordo com ele, o resultado das eleições na UE repercutirá nos futuros pleitos eleitorais no Brasil. “Porque há uma fadiga de toda e qualquer legenda que venha a estar no poder; e estando, ao não conseguir atender todos os pleitos, vai se corroendo, um fenômeno relativamente natural. Então, esse fenômeno das relações nacionais pode trazer, certamente, muita repercussão para o Brasil”, complementou.
Cenários
Thales elenca três fatores que contribuíram para o resultado das eleições na Europa: cenário de guerras, que impede endogenia, proteção, segurança pública, fechamento de fronteiras; boa parte dos eleitores que trouxe a direita é de jovens, uma situação, para ele, muito peculiar; e apelo eleitoral mais eficaz a partir da defesa de fronteiras, de trabalhar mais a parte de defesa nacional e da segurança pública.
Uma das questões levantadas diz respeito às posições contrárias da ultradireita às políticas para conter as mudanças climáticas, uma pauta importante para o Brasil e pensada em concebida a partir da colaboração de países do bloco.
De acordo com Thales, para agenda ecológica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva haverá um desafio em termos de alinhar discursos e práticas, sobretudo na 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em Belém (PA), em 2025. “O mundo vai precisar encontrar novos consensos. Dentro de um regime democrático, isso precisa coexistir”, analisou Thales.
Ambientalistas
O professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e membro do Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia (IPERID) Elton Gomes, lembra que o grande derrotado no processo não foi tanto a esquerda, mas os ambientalistas.
“A bancada verde encolheu consideravelmente. Mas não acredito que não há um abandono das pautas ambientais por parte do cidadão europeu típico, que uma vida estável ao ponto de ter o espaço de vida maior para poder se preocupar com questões ambientais bem acima da medida dos outros povos do mundo”, justificou.
Elton acredita que o resultado das eleições na UE é importante em termos macro, de discussões mais amplas, mas não é determinante, não há o efeito de contágio que muitas vezes se pensa que há.
A extrema direita defende, por exemplo, a restrição à imigração para países do bloco, que, diz ele, é uma questão que não afeta o Brasil. “Eles têm uma questão que não existe no Brasil para efeito público eleitoral, que é a imigração. Outra coisa é que os problemas domésticos dos países da Europa Ocidental são de sociedade com o nível de instrução muito alto, renda per capita elevada, pessoas que dispõem de uma perspectiva de exigência e de vida que aqui passa ao largo”, comparou.
Essa questão, alerta Elton, gera alguns pontos de conexão, mas não uma ligação direta com o Brasil. É, diz, importante, por exemplo, para questões de retórica, de formação do discurso político, principalmente porque o Brasil tem líderes carismáticos com retóricas inflamadas.
O cientista político considera que esse é um processo em curso cujos resultados ainda são amplamente desconhecidos. “Há uma mudança, mas não trágica, radical, como muitas pessoas imaginam. Não foi a extrema direita que venceu, foram grupos mais nacionalistas e mais conservadores do ponto de vista fundamental, e mais liberal ainda, do ponto de vista econômico. Vamos ver qual é a viabilidade desse grupo sobre as condições atuais. Precisamos acompanhar mais os acontecimentos”, alertou.