Em áudios revelados por revista, Mauro Cid reclama da Polícia Federal e critica Alexandre de Moraes
PF estuda cancelar delação do tenente-coronel após publicação de reportagem
Após firmar delação com a Polícia Federal (PF), chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e detalhar em depoimentos tramas golpistas que orbitaram a reta final do governo de Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente, aparece em áudios revelados pela revista "Veja" criticando o trabalho dos investigadores e o ministro Alexandre de Moraes, responsável por homologar o acordo na Corte.
"Eles queriam que eu falasse coisa que eu não sei, que não aconteceu", sustenta Cid em uma das gravações que vieram à tona nesta quinta-feira. As revelações presentes nos áudios podem levar a PF a rescindir a delação, como informou a colunista Bela Megale.
Segundo a revista, os áudios são de uma conversa do oficial com um amigo, com duração de aproximadamente uma hora. O diálogo teria sido captado na semana passada, após mais uma oitiva de Cid na PF — a sétima, totalizando cerca de 33 horas de relatos —, no dia 11 de março.
— Você pode falar o que quiser. Eles não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a verdadeira, que não podia ter sido assim, que eu estava mentindo — diz o tenente-coronel em um dos trechos.
Cid também aponta o que chama de "narrativa pronta" adotada pelos policiais federais. Ele cita como exemplo a investigação sobre a falsificação em cartões de vacina contra a Covid-19, que indiciou o próprio Cid, Bolsonaro e outras 15 pessoas na última terça-feira.
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— Eles estão com a narrativa pronta. Eles não queriam saber a verdade, eles queriam só que eu confirmasse a narrativa deles. Entendeu? É isso que eles queriam. E todas às vezes eles falavam: ‘Ó, mas a sua colaboração. Ó, a sua colaboração está muito boa’. Ele (o delegado) até falou: ‘Vacina, por exemplo, você vai ser indiciado por nove negócios de vacina, nove tentativas de falsificação de vacina. Vai ser indiciado por associação criminosa e mais um termo lá’. Ele falou assim: ‘Só essa brincadeira são trinta anos para você’ — descreve.
Em outro momento, Cid ataca diretamente Moraes:
— O Alexandre de Moraes é a lei. Ele prende, ele solta, quando ele quiser, como ele quiser. Com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação.
A revista também menciona ameaças sofridas por Cid nas redes sociais desde que começou a fazer revelações que implicam Bolsonaro e seu entorno. Na conversa com o interlocutor, o tenente-coronel se queixa da própria situação e chega a reclamar do ex-presidente.
— Quem mais se f. fui eu. Quem mais perdeu coisa fui eu. O único que teve pai, filha, esposa envolvido, o único que perdeu a carreira, o único que perdeu a vida financeira fui eu — lamenta o militar. — Ninguém perdeu carreira, ninguém perdeu vida financeira como eu perdi. Todo mundo já era quatro estrelas, já tinha atingido o topo, né? O presidente teve Pix de milhões, ficou milionário, né?
Parte dos relatos de Cid à PF foi corroborada, por exemplo, pelos depoimentos do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e do brigadeiro Carlos Baptista Junior, que chefiou a Aeronáutica. Os dois militares de altíssima patente confirmaram reuniões de cunho golpista nas quais Bolsonaro teria apresentado documentos que permitiriam uma ruptura institucional para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Como revelou a colunista do Globo Bela Megale, a Polícia Federal estuda cancelar a delação de Cid após a publicação da reportagem. A corporação deve convocar um novo depoimento do oficial e, a depender do conteúdo, definir os próximos passos.
A defesa de Mauro Cid, em nota ao Globo, reconhece como de Cid os áudios, mas afirma que "não passam de um desabafo" e não colocam "em xeque a independência, a funcionalidade e a honestidade da Polícia Federal, da procuradoria-Geral da República ou do Supremo Tribunal Federal".
Veja, abaixo, a íntegra da nota enviada pelos advogados de Cid.
"A defesa de Mauro César Barbosa Cid, em razão da matéria veiculada pela revista Veja, nesta data, vem a público afirmar que:
Mauro César Babosa Cid em nenhum momento coloca em xeque a independência, funcionalidade e honestidade da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República ou do Supremo Tribunal Federal na condução dos inquéritos em que é investigado e colaborador, aliás, seus defensores não subscrevem o conteúdo de seus áudios.
Referidos áudios divulgados pela revista Veja, ao que parecem clandestinos, não passam de um desabafo em que relata o difícil momento e a angústia pessoal, familiar e profissional pelos quais está passando, advindos da investigação e dos efeitos que ela produz perante a sociedade, familiares e colegas de farda, mas que, de forma alguma, comprometem a lisura, seriedade e correção dos termos de sua colaboração premiada firmada perante a autoridade policial, na presença de seus defensores constituídos e devidamente homologada pelo Supremo Tribunal Federal nos estritos termos da legalidade."