Em derrota para o governo, Câmara derruba trechos de decreto que mudava as leis do saneamento
Parlamentares do MDB e do PSD, que possuem cargos no primeiro escalão, votaram de acordo com os interesses da oposição, enquanto deputados do União Brasil debocharam da articulação de Lula
A Câmara suspendeu, nesta quarta-feira, dois parágrafos do decreto nº 11.467, de 5 de abril de 2023, que atualizava a regulação das leis de saneamento.
O decreto do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gerou insatisfação pessoal no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e em parlamentares, que reclamavam das mudanças na lei aprovada ainda no mandato de Jair Bolsonaro (PL) e do fato desta alteração não ter sido proposta por meio de um Projeto de Lei. O placar marcou 295 a 136 pela derrubada do decreto.
O resultado foi considerado uma derrota para a base governista, que não conseguiu formar maioria, apesar dos esforços do líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE). Ele criticou publicamente os líderes de partidos que possuem ministérios e orientaram as suas bancadas a votar de maneira contrária ao decreto de Lula.
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Parlamentares do MDB e do PSD, partidos que possuem cargos no primeiro escalão, votaram de acordo com os interesses da oposição, enquanto deputados do União Brasil debocharam da capacidade de articulação da equipe de Lula. A matéria precisa agora ser aprovada pelo Senado.
Ao assinar decreto do saneamento: Lula pede 'voto de confiança' a empresas públicas
Os decretos de Lula traziam dois pontos considerados questionáveis por parlamentares e especialistas do setor: a possibilidade de empresas estaduais prestarem o serviço em áreas metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões sem necessidade de licitação, e a permissão para a regularização de contratos precários.
Uma das principais inovações do marco regulatório de 2020 era forçar as companhias estaduais deficitárias a organizarem as contas e comprovarem capacidade financeira de fazer os investimentos necessários a ampliar o acesso da população à água potável e tratamento de esgoto.
O objetivo final era cumprir a meta de universalização do acesso em 2033 - ou seja, fornecer água para 99% da população e coleta e tratamento de esgoto para 90%.
Em caso de falta de capacidade, as companhias teriam obrigatoriamente que abrir licitação ou firmar Parceiras-Público Privadas (PPPs) para assegurar o serviço, sob pena de não ter acesso a recursos públicos. Um dos decretos editados por Lula flexibiliza os critérios a serem adotados nesta análise, que já foi realizada pelas companhias nos últimos dois anos e permite que elas refaçam o processo até 31 de dezembro de 2023.
Lira reclamou publicamente dos atos de Lula
"Defendo a revisão do Marco Legal do Saneamento com o propósito de aperfeiçoar a legislação vigente. Porém, alerto que o parlamento irá analisar criteriosamente as sugestões, mas não vai admitir retrocessos", escreveu Lira em sua rede social.
Na ocasião, o líder do PP na Casa, André Fufuca (MA), foi enfático em dizer ao GLOBO que a sigla "não apoiará nenhum retrocesso em relação ao Marco Legal do Saneamento".
— Debateremos com responsabilidade qualquer ponto que vise positivar ou melhorar o tema — completou ele, seguindo a mesma linha que o presidente da Câmara.
Derrota para o governo
Sem conseguir formar uma base para a votação, José Guimarães disparou contra os partidos que possuem cargos no primeiro escalão do governo e não acompanhar os interesses do Palácio do Planalto.
— Esses momentos no Parlamento são muito importantes, isso nos leva a refletir sobre as relações aqui dentro. A relação que os líderes que estão encaminhando contra o governo têm com o governo. Eu acho que fica isso como lição para todos nós aqui dentro. É um recado? Evidente que é, por várias razões. Eu sei o que está por trás disso e às vezes eu prefiro muitas vezes ser derrotado do que caminhar para a rendição. Isso não deve fazer prática do Parlamento. Essa decisão que a maioria dos líderes que participam do governo estão encaminhando contra o governo fica registrado aqui, isso não é ameaça é apenas uma declaração deque nada mais importante do que você ser transparente, do diálogo. Esses líderes foram intransigentes a não dialogarem com o líder do governo para votar essa matéria terça ou quarta-feira. Eu nunca vi isso aqui no Parlamento — disse no plenário.
Mendonça Filho (União-PE), por sua vez, debochou do resultado, apesar de o seu partido contar com três ministérios:
— Estão vendo isso? A base derreteu — disse para o riso de bolsonaristas presentes no local.
Do mesmo partido, Kim Kataguiri afirmou:
— Esta é a fraqueza do governo Lula, é bom que eles vejam o tamanho da fragilidade. Mais cedo ou mais tarde, esta Casa terá votos para um impeachment. No primeiro semestre do governo, eles não têm votos para aprovar um decreto. É esse governo que quer aprovar a Reforma Tributária até julho — disparou.