Emendas Pix bancaram micaretas, festas juninas e corridas de carro, afirma CGU
Em auditoria enviada ao STF, orgão apontou falta de transparência
A Controladoria-Geral da União (CGU) identificou que as emendas Pix bancaram micaretas, festas juninas, a reforma de um clube e corridas de carro pelo país. Em auditoria entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), o órgão apontou falta de transparência na destinação dos recursos, um dos motivos que fizeram o ministro Flávio Dino reforçar o bloqueio dos repasses em decisão na semana passada.
A auditoria analisou dez entidades do terceiro setor que, juntas, já foram beneficiadas com R$ 27 milhões em recursos empenhados, ou seja, quando o gasto já está reservado. Deste montante, R$ 18 milhões já estão efetivamente aos cofres. As emendas Pix funcionam como um atalho e chegam mais rapidamente ao caixa dos destinatários das indicações dos parlamentares.
Com base nas notas de empenho disponibilizadas pela CGU no relatório, O Globo identificou os responsáveis pelas emendas. Um dos casos é o envio de verbas para bancar micaretas em Santana (AP), cidade de 107 mil habitantes a 17 quilômetros de Macapá. Do dinheiro que bancou o “CarnaSantana 2024”, parte foi encaminhado por meio de emenda Pix pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP).
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“O governo do Amapá apoia junto à prefeitura de Santana a realização da programação, investindo R$ 1 milhão no carnaval da cidade. O senador Davi Alcolumbre também incentivou os eventos com emendas no valor de R$ 1,5 milhão”, diz um comunicado do governo divulgado na época dos festejos.
Festa com bloco 'Bebo Todas'
O evento, em fevereiro, durou cinco dias e teve atrações como os blocos "Bebo Todas" e "Faraó", além de DJs. Para a CGU, faltaram "documentos comprobatórios relacionados aos pagamentos realizados", como a comprovação de uma despesa de R$ 553,1 mil com serviços de logística. A principal empresa contratada para a festa, de acordo com a auditoria, recebeu R$ 2,4 milhões a despeito de não ter sequer "quadro de colaboradores necessários ao cumprimento do termo de colaboração”.
Procurados, o governo do Amapá e a prefeitura não se manifestaram. Já Alcolumbre disse que todas as emendas de sua autoria foram destinadas para o governo do Amapá ou para prefeituras municipais.
"Os entes federados beneficiados por essas emendas são responsáveis legalmente por informar sobre a programação finalística, a área, o objeto de gasto e o relatório de gestão desses recursos, seguindo todos os critérios técnicos e regulamentares constantes da legislação vigente", afirmou, via assessoria. A nota diz ainda que Alcolumbre "confia plenamente nos órgãos de controle e fiscalização".
Ainda no Amapá, a CGU identificou que uma emenda Pix de R$ 550 mil foi enviada pelo líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), para a festa do 79º aniversário de Oiapoque, município de 27,4 mil moradores a 577 quilômetros de Macapá. De acordo com a CGU a prefeitura contratou a empresa responsável por dispensa de licitação, sem justificativa. Além disso, houve um sobrepreço de 18,27% nas contratações de serviços contábeis, jurídicos e na realização de dois shows. Procurada, a prefeitura ainda não se manifestou.
Já Randolfe disse que todas as suas emendas são destinadas a entes públicos e "estes contratam ou não entidades para a execução". "Inclusive, solicitei à CGU que instaurasse tomada de contas especial sobre os gastos decorrentes das emendas de minha autoria, a fim de que se apure qualquer eventual irregularidade por parte de quem quer que seja. A transparência e o uso correto de verbas públicas é um compromisso do meu mandato", disse, por meio de nota.
Reforma de clube
No outro extremo do país, R$ 500 mil foram direcionados pelo deputado Maurício Dziedricki (Podemos-RS) para o Ypiranga Futebol Clube. O dinheiro foi encaminhado com a justificativa de “enriquecer as instalações” do clube, sediado em Porto Alegre, mas a CGU verificou que que houve falhas como falta de "transparência" e na própria escolha do clube.
De acordo com a auditoria, não houve seleção de projetos, e a decisão de enviar verbas ao Ypiranga, que reúne atividades sociais e está fora do futebol profissional, foi influenciada por um contexto pessoal.
“Ademais, verificou-se a existência de relação entre o dirigente principal da organização selecionada, servidores e autoridades públicas envolvidas diretamente na seleção. Foram identificadas doações de campanha em anos anteriores por parte do dirigente e dos servidores ao deputado federal autor da emenda”, complementa a CGU. Procurado, o deputado não se manifestou.
Dirigente do clube, Evaristo Barbat Mutti fez doações a Dziedricki nas eleições de 2014 e 2016, quando ele concorria, respectivamente, aos cargos de deputado estadual e prefeito de Porto Alegre. Procurado por telefone e mensagens, Evaristo não se manifestou.
Ainda na seara esportiva, o deputado Célio Silveira (MDB) mandou R$ 1 milhão para a realização de duas corridas de carro no interior de Goiás. A chamada “1° Etapa da Fórmula 200” foi promovida pela Secretaria de Esporte e Lazer de Luziânia, com 214 mil habitantes a 193 quilômetros de Goiânia. Mais uma vez, a CGU destacou que houve restrição à competitividade na contratação da empresa para realizar o evento, “com expressa indicação pelo parlamentar autor da emenda”, provocando “restrição à competitividade no processo de contratação”. Procurado, o parlamentar também não comentou.
Considerado o maior campeonato em circuito de rua do Centro-oeste e do Brasil, a Fórmula 200 esteve em Luziânia em 2023 para a realização de duas etapas da temporada. Em 17 e 18 de novembro, durante a 11ª etapa, as corridas noturnas foram realizadas em avenidas da cidade. Já a 13ª etapa foi realizada entre 8 e 9 de dezembro, sendo a penúltima etapa da temporada.
Festas juninas
As tradicionais festas juninas também contaram com as emendas Pix. A senadora Daniela Ribeiro (PSD-PB) enviou, segundo a CGU, R$ 1,5 milhão foi a um projeto para modernizar a “Cultura Junina” de quadrilhas em Campina Grande (PB).
Segundo a CGU, porém, a parlamentar “selecionou expressamente a entidade parceira e os projetos a serem contemplados, prescindindo de chamamento público para seleção”. Além disso, acrescenta o órgão, “observou-se que a entidade não apresentou capacidade operacional e técnica para executar os objetos principais dos termos de fomento”. A senadora não se manifestou.
Como O Globo mostrou na terça-feira, a CGU enviou outras duas auditorias ao STF. Em uma delas, o órgão apontou que sete ONGs beneficiadas com R$ 482,3 milhões em emendas parlamentares entre 2020 e 2024 não têm capacidade técnica para executar os projetos para os quais receberam os recursos.
Outro relatório mostrou que, num universo de 256 obras financiadas pelos parlamentares, 38,6% (99) delas nem sequer começaram. A CGU chegou a essa conclusão após avaliar o envio de emendas de Comissão e de relator (o extinto Orçamento Secreto) entre 2020 e 2023 para 30 municípios.