Empresários elevam pressão por demissão do ministro Salles
Segundo auxiliares do Palácio do Planalto, o movimento de frigoríficos e tradings tem apoio e é estimulado dentro do Ministério da Agricultura por aliados da ministra Tereza Cristina
Empresários de frigoríficos e tradings pressionam o presidente Jair Bolsonaro a mudar o comando do Ministério do Meio Ambiente. O movimento pela saída de Ricardo Salles começou em junho por empresas que temem perda de mercado, sobretudo na União Europeia.
Segundo relatos, Bolsonaro disse na última semana a um grupo de ministros que não pretende retirar Salles. Ele salientou que o auxiliar tem apoio na bancada ruralista e que a imagem negativa se deve a uma tentativa de nações estrangeiras de tutelar o país.
Hoje, o setor ruralista está dividido. Se dirigentes de frigoríficos e tradings têm pressionado pela saída de Salles, agricultores e sucroalcooleiros pregam a sua permanência sob o argumento de que ele tem feito mudanças importantes na legislação.
Segundo auxiliares do Palácio do Planalto, o movimento de frigoríficos e tradings tem apoio e é estimulado dentro do Ministério da Agricultura por aliados da ministra Tereza Cristina. Eles defendem que o Meio Ambiente seja incorporado pela pasta.
Em um encontro recente com Bolsonaro, um industrial paulista também defendeu a divisão do Meio Ambiente. Ele pregou, segundo relato de um assessor presente, que a gestão da floresta amazônica fique a cargo do vice-presidente Hamilton Mourão. Para ele, o restante deve ser incorporado pela Agricultura.
A cúpula militar chegou a endossar o movimento de mudança, mas recuou após a sinalização do presidente de que não pretende fazer alterações no Meio Ambiente.
Um grupo de 36 empresas de grande porte de diferentes setores se articulou para manifestar sua preocupação com a deterioração da imagem do Brasil no exterior em relação à questão ambiental, numa ação de concertação rara do setor privado.
Algumas ações de boicote já ocorreram, há relatos de queda nos investimentos recebidos neste ano e vários casos sobre questionamentos em relação à postura ambiental do país–informações levadas por empresários ao vice-presidente Hamilton Mourão numa reunião nesta sexta (10) .
Cobranças ambientais não são uma novidade para empresários brasileiros. Há décadas, o lobby de fazendeiros europeus se agarra ao tema para restringir a entrada de produtos agropecuários brasileiros no continente, não raro com argumentos que não procedem.
O avanço do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia acirra os ânimos neste momento, mas dentro de um jogo conhecido.
Não é de hoje também que os clientes estão exigentes e cobram um comportamento mais sustentável das empresas e grandes investidores.
Mas um componente novo elevou a pressão e o tom das cobranças sobre as empresas brasileiras, avaliam especialistas: a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro.
Chamaram a atenção no exterior especialmente os dados concretos sobre desmatamento na Amazônia. Junho foi o 14º mês seguido em que houve alta no indicador, segundo o programa que mede desmatamento praticamente em tempo real, o Deter do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais).
Foram mais de 1.000 km² destruídos, maior área da série histórica, iniciada em 2015. "As pessoas interessadas nesse desmatamento estão frequentando o Palácio do Planalto. Ministros de Estado se reuniram com madeireiros ilegais, garimpeiros, grileiros. É o pessoal que corria da polícia, mas se acha injustiçado", afirma Marcio Astrini, presidente do Observatório do Clima.
Quem acompanha a questão ambiental de perto diz que a derrubada de árvores ocorreu em paralelo ao desmonte das estruturas de fiscalização.
"O governo Jair Bolsonaro reduziu o Ibama, o ICMBio, tirou os fiscais, equipamentos e recursos. Não tem como remontar isso da noite para o dia. É algo que vem de cinco, seis anos e que o governo atual aprofundou", afirma Caio Magri, presidente do Instituto Ethos.
Magri também critica a permanência do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, à frente da pasta. "Não há mais chance de Salles recuperar qualquer credibilidade no Brasil ou no mundo. Ou governo se livra dele, ou qualquer medida será permanentemente questionada e vista com desconfiança", diz.
O ministro Salles chegou a alegar que as críticas à política ambiental do governo faziam parte de movimentos ideológicos de ONGs de esquerda. No entanto, a reação sobre as empresas brasileiras está vindo dos representantes do capitalismo.
"Sentimos muitos questionamentos tanto de clientes quanto de investidores. Existe um grupo de stakeholders [acionistas] que, no passado, não se preocupavam muito com isso, mas o nível de interesse no tema [ambiental] se elevou. Muitos investidores estão condicionando a compra de ações e outros papéis das empresas à aderência delas aos melhores padrões", diz Marcelo Bacci, diretor executivo de finanças da Suzano, empresa de papel e celulose.
O setor é apontado como um dos mais bem estruturados no país em termos de rastreabilidade da cadeia e certificações ambientais. Ainda assim, a empresa teme que o cenário atual cause danos a sua reputação ambiental. "Vendemos para empresas do mundo todo, e esses caras também sentem pressão dos clientes deles. Tem que garantir que toda a cadeia de valor está funcionando corretamente", diz Bacci.
A cobrança começou no ano passado e foi subindo de tom à medida que o governo não reagia. Em setembro, 230 fundos que administravam US$ 16 trilhões (R$ 82 trilhões) lançaram uma carta pública pedindo a defesa da Amazônia. Nada prático ocorreu.
No final de junho, um grupo de 29 gestoras, que administra US$ 4,1 trilhões (R$ 21 trilhões), decidiu fazer uma ação direta. Enviou nova carta, desta vez para embaixadas do Brasil, pedindo uma reunião para discutir o desmatamento. O encontro ocorreu na quinta-feira (9).
"Essa pressão cresceu muito no ano passado e, mesmo com a pandemia, nos últimos cem dias, não arrefeceu", afirma Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade da Marfrig, umas das maiores empresas de carnes do país. "Acreditamos que o tema vai crescer e, certamente, dificultar a exportação de produtos brasileiros."
A derrubada da floresta gera um efeito em cadeia no mundo dos negócios. As árvores são retiradas por madereiras e podem virar carvão, móveis, instrumentos musicais ou estruturas na construção civil. Grileiros promovem a especulação da terra. Boa parte vira pasto para criação de gado, colocando a pecuária, as industrias de processamento e até os supermercados na mira dos ambientalistas.
Relatório publicado em junho pela organização internacional Trase estima que 81% das áreas desmatadas na Amazônia brasileira em 2018 foram ocupados por pastos.
As engrenagens da devastação são ilegais, e com a redução da fiscalização no atual governo, a vida das empresas foi se complicando.
"Nós reconhecemos que há um problema, os números deixam isso claro, e sabemos que tem muito a ver com a ilegalidade", afirma Pianez.
Segundo o executivo, a percepção é que há um movimento, principalmente de grandes redes de varejo europeias e investidores, para pressionar o Brasil. Se a política pública em relação ao desmatamento não mudar e as empresas não se posicionarem, o acesso a esses mercados poderá ser perdido. "Os avisos estão postos. Cabe às empresas, agora, não deixar que virem realidade", diz o executivo da Marfrig.
A preocupação chegou também a empresas distantes do mercado de produtos agropecuários e florestais. Apesar de atuar na construção civil, Marcos Bicudo, presidente da Vedacit, entende que os questionamentos na esfera ambiental prejudicam todos os setores.
Para o empresário, o Brasil tem oportunidades de atração de investimentos bilionários. A aprovação recente do marco regulatório do saneamento básico é um exemplo. Mas esse potencial pode ser prejudicado pelo "ruído" relacionado à Amazônia. "A mensagem está endereçada pelo investidor estrangeiro e ele espera uma perspectiva positiva", afirma.
Os temores são alimentados por casos concretos de boicote. Um caso recente é o de uma subsidiária da Cargill (a Cargill Aqua Nutrition), excluída da lista de fornecedores pela Grieg Seafood, uma das maiores produtoras de salmão do mundo, por ligações com o desmatamento ilegal no cerrado e na Amazônia brasileiros.
Em dezembro, a Nestlé também parou de comprar soja brasileira da Cargill ao não conseguir rastrear a origem do grão. O couro brasileiro também sofreu sanções semelhantes no ano passado da varejista H&M e da VF, das marcas de calçados Timberland e a Vans, populares entre jovens engajados.
A necessidade de se explicar para investidores e parceiros comerciais já é um incômodo para as empresas, afirma Marina Grossi, presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), organização que vem capitaneando a articulação do setor privado contra o desmatamento.
"Não há uma empresa que possa ficar imune ao contágio do que está ao seu redor. Você ter que toda hora se explicar inibe o investimento. Você fica perdendo tempo tendo que se defender em vez de fazer propaganda das coisas boas que você faz", diz Grossi.