Entenda o impasse sobre emendas que ameaça pacote fiscal do governo
Líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA) disse que o clima no Congresso seguia 'azedo'
Diante de ameaças do Congresso de travar a votação do pacote de ajustes fiscal, o governo montou ontem uma força-tarefa para tentar destravar o pagamento de emendas parlamentares. A execução dos recursos havia sido suspensa pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que impôs novas condições, mais duras, para que a verba seja liberada e, ontem, rejeitou recurso apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU). A preocupação no Palácio do Planalto é que o impasse perdure e impeça a aprovação das medidas necessárias para adequar o Orçamento de 2025 antes da virada do ano.
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Em encontro no Palácio do Planalto na tarde de ontem, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pediram um gesto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para acelerar a aprovação do pacote fiscal ainda em 2024. Na prática, o recado foi que sem uma solução para o pagamento das emendas, não haverá votação.
Após o encontro, integrantes do governo passaram a preparar uma portaria para permitir o pagamento ao menos das chamadas emendas Pix, modalidade em que o recurso cai direto na conta de prefeituras e estados, com menos burocracias. Além disso, a ideia é que o ato normativo também libere R$ 4,1 bilhões de emendas de comissão e R$ 2,3 bilhões para emendas de bancada, que devem começar a ser pagos nesta terça-feira.
A medida é uma tentativa de dissipar o ambiente ruim criado pelo bloqueio dos recursos por Dino. Líderes do Congresso afirmam ver uma jogada casada do Palácio do Planalto com o ministro, que foi indicado por Lula ao STF. O presidente é crítico do poder que os parlamentares têm sobre o Orçamento e tenta reduzir a fatia de emendas disponíveis.
‘Clima azedo’
O líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), disse ontem que o clima no Congresso seguia "azedo" e colocou em dúvida, além da votação do pacote fiscal, o projeto de regulamentação da Reforma Tributária, ainda sem data para acontecer. Após a reunião no Palácio do Planalto, Lira e Pacheco se reuniram com líderes da Casa.
— O governo é que sabe se vota (pacote de corte de gastos). Se eu fosse líder do governo não votava. Se votar hoje, não passa. Ninguém acredita que não há um jogo combinado (entre Supremo e governo). Pacote de corte não entra nesta semana. O clima segue azedo — disse o parlamentar.
O recado dos parlamentares começou a ser dado pelo Senado, quando o senador Marcos Rogério (PL-RO) encerrou uma sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) apenas 11 minutos após seu início. O término abrupto impediu que o parecer do senador Eduardo Braga (MDB-AM) sobre a Reforma Tributária fosse lido e o prazo para que a votação do texto pudesse começar a ser contado — pelo regimento interno do Congresso, são necessárias 48 horas para que isso ocorra.
Assim, a votação do parecer de Braga, inicialmente prevista para acontecer na quarta-feira, não deve ocorrer antes de quinta-feira. O prazo é considerado curto por governistas, uma vez que o texto ainda precisará passar pelo plenário e o Congresso entrará em recesso na semana que vem.
Já na Câmara, Lira incluiu na pauta de votações apenas projetos relacionados à segurança pública, alguns deles reivindicações da bancada da bala que vão de encontro a propostas defendidas pelo governo. Até a noite de ontem, a decisão dos líderes era por não votar nada do pacote fiscal nesta semana.
A tentativa de reverter o clima hostil envolveu também o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que se reuniu à noite com líderes do Senado na residência oficial de Pacheco.
— O presidente Lula se reuniu com o presidente das duas Casas e pactuou um entendimento que, no meu ponto de vista, atende os anseios dos parlamentares — disse Haddad, ao comentar a reunião de mais cedo entre Lula, Lira e Pacheco.
Além da publicação da portaria que permitirá pagar emendas, o governo informou a Lira e a Pacheco que a AGU irá divulgar um parecer aos ministérios com orientações sobre como proceder a partir da agora diante da decisão de Dino. O texto irá explicar, em minúcias, como as pastas poderão fazer pagamento de emendas à luz dos novos critérios definidos pelo ministro do STF, sobretudo os recursos previsto na modalidade emenda de comissão — em que há maior dificuldade de identificar o parlamentar que fez a indicação.
O impasse a respeito das emendas começou ainda em agosto, quando Dino suspendeu o pagamento dos recursos enquanto o Congresso não aprovasse regras que dessem mais transparência à execução dos recursos públicos. Após um acordo com o governo e com o próprio STF, parlamentares aprovaram novas regras no mês passado que, na visão dos congressistas, contemplou as exigências.
Ao liberar o pagamento das emendas, na semana passada, no entanto, o ministro impôs novas condições. Para as emendas Pix, por exemplo, Dino condicionou o pagamento à apresentação prévia de um plano de trabalho, contendo objeto e prazos para a obra que será contemplada pelos recursos.
Nova decisão
O mau-humor do Congresso em relação ao bloqueio das emendas se acentuou após uma nova decisão de Dino sobre o tema divulgada ontem. O ministro negou um pedido de reconsideração feito pela AGU.
No recurso, a AGU pedia a revisão de três pontos: a aprovação do plano de trabalho para liberação das emendas Pix, a identificação nominal dos parlamentares solicitantes das emendas de bancada e o ponto que trata do crescimento do volume total de emendas para 2025. De acordo com o recurso, a lei sancionada já prevê o crescimento desse tipo de despesa dentro dos limites do arcabouço fiscal.
Em seu despacho, contudo, Dino diz que "não há o que reconsiderar", uma vez que as determinações do ministro, que foram referendadas pelo plenário do STF, "derivam diretamente da Constituição", da Lei de Responsabilidade Fiscal e da lei que disciplina as emendas parlamentares.