Entenda o julgamento que absolveu Cláudio Castro da cassação e os próximos passos
Ministério Público Eleitoral e a coligação do candidato derrotado em 2022, Marcelo Freixo, já indicaram que vão recorrer da decisão do TRE-RJ
Apesar de identificar graves indícios de irregularidades na contratação sem transparência de funcionários em órgãos estaduais antes das eleições de 2022, a maioria dos ministros do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) votou na quinta pela absolvição do governador Cláudio Castro (PL) da acusação de abuso de poder político e econômico por entender que não há prova de que tenha havido influência eleitoral dos cargos “secretos” em projetos da Fundação Ceperj e da Universidade do Estado do Rio (Uerj). Por quatro votos a três, a Corte decidiu manter os mandatos do governador, do vice, Thiago Pampolha (MDB), e do presidente da Assembleia Legislativa do estado (Alerj), Rodrigo Bacellar (União Brasil).
Prevaleceu no plenário o entendimento de que não ficou comprovado efeito nas urnas da “folha de pagamento secreta”, com 27 mil cargos na Fundação Ceperj e 18 mil na Uerj, para a reeleição do governador, que recebeu mais de 4,9 milhões de votos. A maioria dos magistrados concluiu que as suspeitas de irregularidades apontadas nas investigações sobre os contratos de funcionários temporários nas duas instituições estaduais, revelados pelo portal Uol, não devem ser julgadas no âmbito da Justiça Eleitoral, mas configuram indícios de improbidade administrativa ou podem ter eventuais desdobramentos na esfera penal.
— A improbidade é flagrante, mas não é flagrante a vinculação ao resultado eleitoral — disse o juiz Gerardo Carnevale ao votar pela absolvição.
MP vai recorrer
Autores das ações com pedido de cassação, o Ministério Público Eleitoral (MPE) e a coligação do candidato derrotado em 2022, Marcelo Freixo (PT), já indicaram que vão recorrer. O caso ainda pode ser levado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Relator das ações, o desembargador Peterson Simão havia votado pela cassação de Castro na semana passada, mas foi voto vencido. Primeiro a se manifestar na quinta, o desembargador Marcello Granado abriu a discordância ao argumentar que as provas apresentadas, como depoimentos de contratados para os projetos da Ceperj e Uerj, não possuem “automática repercussão na lisura e equilíbrio do processo eleitoral”. Ele defendeu ainda que não há “prova inequívoca” da existência de ordens de detentores de funções superiores, como o governador, para integrantes das estruturas administrativas responsáveis pela execução dos projetos.
— O reconhecimento dos ilícitos imputados com punições como cassação do mandato e inelegibilidade só podem ser dados em caso de desequilíbrio. Eu não vejo neste caso. Essas contratações não possuem automática repercussão no equilíbrio e lisura do processo eleitoral.
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Acompanharam Granado os magistrados Gerardo Carnevale, Fernando Cabral e Katia Junqueira. Já a juíza Daniela Bandeira de Freitas e o presidente da Corte, Henrique Carlos de Andrade Figueira, seguiram o relator e se manifestaram pela cassação dos mandatos.
Os magistrados que votaram pela absolvição da chapa de Cláudio Castro rebateram o argumento do relator, de que o decreto estadual 47.978, assinado pelo governador em março de 2022, teria ampliado o escopo da Ceperj, ao permitir que o governo firmasse os convênios com a instituição para a execução de projetos sociais e a alocação de aliados.
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Eles entenderam que a medida não representou uma inovação no funcionamento da Ceperj, mas apenas regulamentou atividades incorporadas pela fundação — fruto da fusão entre a Fundação Escola do Serviço Público (Fesp) e a Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (Cide) —, que eram competências da instituição. Carnevale enfatizou que a medida contou com parecer jurídico favorável da Procuradoria-Geral do estado e que a maior parte das parcerias foi firmada antes de sua assinatura.
— O governador não assinou (o decreto) de forma negligente e visando efeitos eleitorais, a meu ver — argumentou. — Não há como vincular a assinatura com a previsão de tentar obter vantagem eleitoral.
Em seu voto na semana passada, Simão defendeu que o decreto do governador violou o princípio da legalidade e que a norma só poderia ser implementada por lei, que é a única forma legal de prever aumento de despesas. O relator entendeu que a estrutura da Ceperj e da Uerj foram usadas com finalidades eleitoreiras, favorecendo a reeleição de Castro e desequilibrando a disputa de 2022. Ele ressaltou que houve danos ao erário pelo uso de mais de R$ 400 milhões e desigualdade em relação aos demais candidatos.
Ao acompanhar Simão na quinta, a juíza Daniela Bandeira sustentou que houve gravidade nos fatos e benefício eleitoral à chapa de Castro na atuação dos projetos na contratação em processo sem transparência e previsão orçamentária. Ela frisou o crescimento das contratações e que os depoimentos de testemunhas indicam que funcionários contratados eram “obrigados a fazer campanha política participando de eventos de inauguração e panfletagem”.
— A injeção de recursos financeiros em programas preexistentes evidencia a intenção de usar recursos públicos. Não houve previsão desses valores empenhados.
Último a votar, o presidente da Corte também defendeu que os valores “exorbitantes” da folha de pagamento teriam influenciado diretamente no pleito. Outro argumento defendido na quinta-feira pelos contrários à cassação como indicativo de que as contratações não tiveram efeito comprovado na disputa é a diferença de 2 milhões de votos nos resultados de Castro e Marcelo Freixo nas urnas.
— Estamos falando de desrespeitar a vontade de mais de 4 milhões de eleitores fluminenses que votaram no atual governador. O Poder Judiciário não pode ter esse protagonismo de substituir mais de 4 milhões de eleitores — afirmou a jurista Katia Junqueira.
Castro comemora
Ao comentar o resultado do julgamento em seus perfis nas redes sociais, Castro disse receber “com profunda humildade” a decisão e mandou um recado a Freixo, atual presidente da Embratur, ao pedir respeito ao resultado das eleições. “Desde o início deste processo, reiterei a confiança na Justiça, o que se comprovou hoje. A democracia, pilar fundamental da nossa sociedade, foi brindada com esta decisão”, declarou.
A procuradora Neide Cardoso de Oliveira, do MPE, disse na quinta que ainda irá analisar de que forma irá recorrer, podendo acionar diretamente o TSE. Já o advogado de Freixo, Paulo Henrique Fagundes, assegurou que irá pedir embargos de declaração no próprio TRE:
— Respeito a decisão da Justiça, mas não se pode desconsiderar a criação de vários projetos sociais em ano eleitoral, que é vedado por lei. Entendemos que a democracia pressupõe eleições, mas não viciadas.
Fundamentação dos votos
Contra a cassação
Marcello Granado: apesar dos indícios de irregularidades na contratação de funcionários para os projetos do Ceperj e Uerj, o magistrado considerou não ter ficado comprovada finalidade eleitoreira. Também argumentou não haver “prova inequívoca” da existência de ordens dos detentores de funções superiores, como Castro. E, para ele, decreto assinado por Castro, em março de 2022, que permitiu as contratações em projetos não representou uma “inovação ilegal” na atuação da Ceperj.
Gerardo Carnevale: considerou não ser competência da Justiça Eleitoral analisar os indícios de improbidade e irregularidades administrativas apresentados, pelo fato de não haver comprovação, para ele, de repercussão na disputa. Em relação à Uerj, lembrou que o reitor, Ricardo Lodi, foi candidato a deputado pelo PT, partido adversário do governador. Destacou que os gastos com as contratações, de R$ 220 milhões, não são significativos diante do Orçamento total do estado, de cerca de R$ 90 bilhões.
Fernando Cabral Filho: enfatizou que os atos de improbidade administrativa, para serem considerados abusos de poder político e econômico, devem ter o claro propósito de influenciar as eleições, o que deve ser demonstrado de maneira cabal. Para ele, não há provas robustas no caso analisado. O magistrado citou, em seu voto, pesquisas eleitorais que apontaram que, após a suspensão dos projetos da Ceperj, o desempenho de Castro teria melhorado. Para ele, dados empíricos estão do lado do governador do Rio.
Katia Junqueira: para ela, a diferença de 2 milhões de votos entre Castro e Freixo na disputa pelo governo do estado “não pode nos fazer supor que houve esse impacto no pleito eleitoral”, em referência aos projetos da Ceperj. Ressaltou a gravidade da acusação de abuso de poder político e econômico, cuja punição é a cassação, e a necessidade de respeitar o voto de mais de 4 milhões de eleitores. Para ela, as suspeitas são de improbidade administrativa e não devem ser tratadas na seara eleitoral.
A favor da cassação
Peterson Simão: destacou que o decreto estadual 47.978, de março de 2022, assinado por Castro, violou o princípio da legalidade. Para ele, o ato ampliou as funções da Ceperj, permitindo que o governo firmasse convênios com a instituição para execução de projetos s e alocação de aliados, sem comunicação ao TCE.
Daniela Bandeira: ressaltou a contratação de 27 mil servidores pela Ceperj e 18 mil pela Uerj, sem transparência para a utilização de mão de obra em favor de campanhas eleitorais. Testemunhas, frisou, apontam que funcionários eram “obrigados a fazer campanha política participando de eventos e panfletagem”.
Henrique Figueira: o presidente da Corte considerou ter havido claro estelionato eleitoral. Citou valores “exorbitantes” da folha de pagamento que, segundo ele, teriam influenciado no pleito. Usou ainda o argumento da acusação de que R$ 640 milhões foram movimentos a partir da Uerj e R$ 626 milhões pela Ceperj.