Entenda proposta que amplia para oito anos quarentena de ex-juiz para disputar eleições
Especialistas acreditam que o prazo de oito anos pode ser exagerado
Os presidentes Rodrigo Maia (Câmara) e Dias Toffoli (Supremo) defendem uma quarentena de oito anos para que ex-juízes e procuradores possam disputar eleições. Um dos casos que acendeu a discussão foi a proibição aplicada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a um juiz do Maranhão de participar de debates com políticos na internet. Nas eleições de 2018, por exemplo, um dos destaques foi a presença de ex-magistrados candidatos e depois eleitos.
Toffoli defende que a regra evitaria que a magistratura e o poder imparcial do juiz fossem utilizados para "fazer demagogia, aparecer para a opinião pública e, depois, se fazer candidato". Especialistas acreditam que o prazo de oito anos pode ser exagerado. Um projeto de lei em tramitação na Câmara sugere um período de cinco anos de inelegibilidade para magistrados e procuradores.
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Ao defenderem essa quarentena ampliada, que hoje é de seis meses, nem Toffoli nem Maia citaram o caso do ex-juiz Sergio Moro, que é tido como provável candidato à Presidência da República em 2022.
Confira, a seguir, perguntas e respostas sobre o tema.
O que defendem Maia e Toffoli?
Eles sugerem que haja uma regra para que juízes e membros do Ministério Público só possam ser candidatos a eleições oito anos após se afastarem de seus cargos. Isso, segundo eles, impediria que magistrados usassem suas carreiras como trampolim para um cargo político e ocorresse uma politização do Poder Judiciário.
Qual lei seria modificada no Congresso?
A sugestão de Toffoli é incluir a nova regra na lei complementar 64, de 1990, que estabelece casos de inelegibilidade. Hoje, o prazo é de seis meses e vale também para ministros e diretores da Polícia Federal, entre outras carreiras.
Quando essa proposta de mudança na legislação poderia ser votada?
Maia citou a possibilidade de o tema ser tratado pelo Legislativo ainda neste segundo semestre, mas afirma que a crise provocada pelo coronavírus deixará o assunto para 2022. O prazo de oito anos ainda deve ser discutido.
Já há uma proposta do deputado Beto Pereira (PSDB-MS) para alterar a lei de 1990. O projeto de lei estabelece que magistrados ou membros do Ministério Público só possam postular cargo eletivo cinco anos após a aposentadoria ou exoneração. O documento está com a CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) da Câmara.
Qual é o prazo de inelegibilidade atual de um ex-juiz ou de um ex-procurador?
É de seis meses após o seu afastamento do cargo. Já é de oito anos para casos de aposentadoria compulsória, perda do cargo por sentença judicial, ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria por causa de processos administrativos ou judiciais. O prazo de seis meses também vale para procuradores.
O que especialistas e entidades da área pensam sobre a proposta?
O presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) afirma que a associação é contra a candidatura de juízes a cargos eletivos, mas o prazo de oito anos parece exagerado, segundo Eduardo André Brandão, presidente da associação.
Daniel Falcão, advogado e professor do IDP, vai na mesma linha. "Acredito que [esse prazo tão grande] vem de políticos que desejam afastar concorrentes, mesmo eu sendo crítico a operações como a Lava Jato, que já foi acusada de ter cunho político. Esse debate é um sintoma de um problema do Judiciário que vem agindo de forma politizada", afirma o especialista em direito eleitoral.
Se a questão for igualdade de chances, para ele, entrariam no debate jornalistas da grande mídia e eclesiásticos. "Mais uma vez querem colocar uma regra não democrática para afastar pessoas da política, mas acho que isso pode ter um outro efeito. Se um procurador ou juiz tiver de esperar oito anos, ele vai desistir da carreira política e vai acabar usando a sua própria carreira na magistratura como um ato político."
Um prazo tão extenso pode punir aqueles que tem boas intenções, afirma Ricardo Stella, advogado e especialista em direito eleitoral. "A Lei da Ficha Limpa dá o mesmo prazo, oito anos de inelegibilidade, que é uma punição. É equiparar um magistrado a um condenado pela Ficha Limpa", afirma Stella. "Sou contra punir o coletivo por causa do comportamento de alguns, principalmente quando já se existem regras claras sobre o assunto. Basta aplicá-las a quem abusa delas", defende Stella.
Quais exemplos recentes de ex-juízes que deixaram o Judiciário para disputar eleições?
Wilson Witzel (PSC), atual governador do Rio de Janeiro, atuou em varas de Execuções Penais no estado e no Espírito Santo pouco antes de vencer as eleições de 2018.
Selma Arruda, que ficou conhecida como a "Moro de Saias", foi eleita como senadora, mas teve seu mandado cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por abuso de poder econômico e captação ilícita de recursos durante a campanha de 2018.
Houve ainda a reeleição de Flavio Dino (PC do B) a governador do Maranhão. Ele foi ex-juiz federal até 2008, e candidaturas não bem-sucedidas de outros juízes, como a de Odilon de Oliveira a governador de Mato Grosso do Sul e de Márlon Reis ao do Tocantins.
Que outros ex-juízes, promotores e procuradores estão se lançando nas eleições de 2020 pelo país?
Sergio Moro, que deixou o cargo de juiz federal em 2018, é cotado como possível presidenciável nas próximas eleições. Ele deixou a carreira de magistrado para assumir o Ministério da Justiça no governo Bolsonaro. O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba, também já foi citado como possível candidato ao Senado.
Moro seria afetado pela nova regra?
Advogados e ministros do STF avaliam inicialmente que a iniciativa de criar uma quarentena para juízes que queiram se candidatar não poderia afetar Sergio Moro.
Isso porque, pela Constituição, uma nova lei não pode prejudicar um direito já adquirido, ou seja, o direito que o ex-ministro da Justiça tem hoje de concorrer em eleições.
Ricardo Stella, advogado e especialista em direito eleitoral, diz que não existe a possibilidade de retroação na lei eleitoral. "O Sergio Moro, por exemplo, não se enquadraria nessa nova regra. Ainda mais porque ele deixou já cargo de juiz para assumir um ministério."
Com uma nova lei é possível retroagir?
Um exemplo é a Lei da Ficha Limpa. Em uma decisão de 2010, o TSE determinou que a regra de inelegibilidade se aplicaria a candidatos condenados antes de a norma entrar em vigor.
Segundo o advogado Daniel Falcão, retroatividade de lei só deve existir no direito penal para beneficiar réus. "Na época, dessa decisão do TSE, houve toda uma explicação técnica de que isso não era considerado retroatividade".