Entrada de Gleisi em ministério chave no Planalto consolida quadro desfavorável a Haddad no governo
Avaliação é que ministro da Fazenda vive o seu pior momento desde assumiu o cargo
A escolha de Gleisi Hoffmann para compor o núcleo central da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a sua nomeação para comandar a articulação política, consolida um cenário desfavorável ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dentro do governo, que começou a ser desenhado em novembro com o anúncio das medidas do pacote fiscal junto com a isenção de imposto para quem ganha até R$ 5 mil.
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Os embates entre Gleisi e Haddad se arrastam há anos. Tiveram início na campanha eleitoral de 2018, quando o hoje ministro da Fazenda foi candidato a presidente, prosseguiram durante o período em que o PT esteve na oposição ao governo Jair Bolsonaro e se intensificaram ao longo deste terceiro mandato de Lula.
Antes mesmo da posse, em dezembro de 2022, os agora colegas de ministério tiveram a primeira divergência por causa da reoneração dos combustíveis.
Haddad era favorável à volta de cobrança de tributos federais que haviam sido retirados por Bolsonaro antes da campanha eleitoral. Gleisi era contra.
Lula decidiu adiar a decisão para fevereiro. A dirigente se mantinha contra a volta da cobrança. O presidente então, para contemplar em parte a posição de Gleisi, optou por uma volta escalonada do imposto.
Em dezembro de 2023, o PT aprovou uma resolução que defendia a necessidade de o Brasil se libertar do “austericídio fiscal” em uma crítica às políticas de contenção de gastos do ministro da Fazenda.
A alegação de aliados é que o texto foi aprovado pelo diretório nacional da legenda e não era uma posição da presidente da sigla em si, apesar de ela o ter endossado.
Os embates cresceram durante as discussões sobre o pacote de cortes de gastos em novembro do ano passado.
Gleisi assumiu uma posição contrária ao fim do aumento real do salário, à desvinculação do mínimo das aposentadorias e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e das desvinculações dos pisos para gastos de Saúde e Educação.
Todas essas posições foram seguidas por Lula, com exceção do estabelecimento de uma trava que limita o aumento do salário mínimo acima da inflação às regras impostas pelo arcabouço fiscal.
Aliados de Gleisi ponderam, porém, que o PT, sob seu comando, deu apoio ao pacote do ministro da Fazenda no Congresso. Pessoas próximas à nova ministra dizem ainda que no governo ela deve tratar eventuais divergências com Haddad internamente e não de forma pública. Como exemplo de sua forma pragmática de atuar, lembram que ela conseguiu o apoio de 84% do PT à aliança em 2022 de Lula com Geraldo Alckmin, um adversário histórico do partido.
Nesta sexta-feira, o mercado reagiu mal à escolha feita por Lula para a Secretaria de Relações Institucionais (SRI). O dólar atingiu R$ 5,91, com alta de 1,50%, após a divulgação da notícia.
Na visão de um integrante do governo, a escolha de Gleisi não pode ser considerada uma derrota de Haddad, já que o ministro da Fazenda, em razão do acúmulo de decisões recentes de Lula contra suas posições, nem está mais em condições de duelar internamente.
O enfraquecimento tirou o ministro da Fazenda completamente da disputa que mantinha com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, sobre os rumos da gestão.
A expectativa agora é que o núcleo central do governo, com acesso diário ao presidente, se consolide com Costa, Gleisi e o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira. Pessoas próximas da nova ministra da articulação política garantem que ela quer incluir Haddad no grupo. Nesta sexta-feira, após ser confirmada no cargo, uma das primeiras pessoas para quem Gleisi telefonou foi o ministro da Fazenda. A aliados, Haddad relatou que a conversa foi “boa”.
Com a troca no comando da Secretaria de Relações Institucionais, Haddad perdeu ainda o único aliado que tinha entre os ministros que despacham no Planalto. Enquanto cuidou da articulação política, Alexandre Padilha sempre atuou alinhado com a Fazenda.
A avaliação no governo é que o ministro da Fazenda enfrenta o seu pior momento desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2023. O seu calvário começou quando Lula determinou que o pacote de corte de gastos deveria ser anunciado junto com o plano de elevar a faixa de isenção de imposto de renda para R$ 5 mil. Haddad ainda alertou o presidente que o dólar subiria com a apresentação conjunta das duas iniciativas, mas não conseguiu mudar a decisão do chefe.
Nos últimos dias, o ministro da Casa Civil passou a relacionar publicamente, em entrevistas e palestras, que a queda de popularidade do governo está atrelada diretamente a duas medidas que saíram do ministério comandado por Haddad: a “taxa das blusinhas”, que prevê aplicação do Imposto de Importação de 20% nas compras de até US$ 50 feitas em plataformas on-line; e a crise do PIX que estourou em janeiro após a publicação de uma norma pela Receita Federal para monitoramento de transações.
Na semana passada, Haddad recebeu críticas no Planalto por causa da forma como foi comunicada a suspensão de operações do Plano Safra. O ministro acabou anunciando uma medida provisória (MP) para liberar recursos e solucionar o problema. O titular da Fazenda teve ainda sua posição derrotada na liberação de recursos do FGTS para quem optou pelo saque-aniversário.
Ao contrário de Rui Costa e Gleisi, Sidônio não é visto como um adversário de Haddad no Planalto. Mas em janeiro, dois dias depois de assumir o cargo no governo, o novo chefe da Secom venceu um embate interno com o ministro da Fazenda ao convencer Lula a editar uma medida provisória para revogar a norma da Receita Federal que havia instituído a fiscalização de transações via PIX. Haddad insistia que o governo não deveria recuar.
Visão de terceiros
Fora da Fazenda, a escolha de Gleisi foi recebida com surpresa, mas não foi considerada um "golpe" fatal para a agenda econômica. A avaliação é que é preciso separar a Gleisi presidente do PT da postura que ela deve ter como ministra do governo. O "efeito cadeira" deve fazer diferença. Um integrante da equipe econômica afirma que, guardadas as proporções, é possivel fazer um paralelo com Gabriel Galípolo no Banco Central e até com Márcio Pochmann no IBGE.
Outro interlocutor pontua que, como líder de um partido com uma pauta ideológica forte, era do jogo político a crítica forte contra as agendas de ajuste fiscal. Dentro do governo, ela não poderá fazer oposição tão firme e ostensiva. Segundo um membro do governo, "uma coisa é estar no banco se reserva, outra coisa é entrar em campo, correndo coma todo mundo. Não vai ficar dando grito com os companheiros".
Além disso, é preciso ver o conjunto: Gleisi deve ser menos vocal dentro do governo e o novo presidente do PT pode ter uma posição mais amena em relação ao enxugamento de gastos públicos, se, por exemplo, a escolha for por Edinho Silva.
Outro aspecto é que, apesar de Gleisi reforçar as fileiras contra Haddad no Palácio do Planalto, a SRI não tem assento na Junta de Execução Orçamentária (JEO), ao contrário da Casa Civil, comandada por Rui Costa, que também disputa o ministro da Fazenda nos bastidores do governo. Ou seja, não deve alterar o equilíbrio de forças na discussão orçamentária. Membros da equipe econômica lembram também que a presidente do PT já era ouvida por Lula, então não deve fazer tanta diferença caso se posicione contra a agenda econômica.
Há uma avaliação ainda de que Gleisi pode funcionar como uma barreira ao avanço do Congresso sobre o Orçamento público. Dentre as opções que estavam na mesa, ela é considerada a mais fiel ao presidente Lula e não deve ceder a qualquer pedido dos parlamentares por sua postura "aguerrida", embora seja conhecida por cumprir acordos e por ser cordial no trato pessoal.
Alguns interlocutores admitem, contudo, que a escolha de um nome mais de centro seria importante como uma mensagem de que o governo estaria "se abrindo e não se fechando".