Entregadores de aplicativos entram no radar dos pré-candidatos à Presidência
Categoria símbolo da atual crise recebe acenos políticos, mas perfil heterogêneo trava identificação com campo ideológico
Apontada como uma alternativa para quem perdeu emprego e renda na pandemia, a prestação de serviço por aplicativos de entregas e transporte tornou-se tema recorrente da pré-campanha à Presidência. Os quatro pré-candidatos mais bem colocados nas pesquisas reconhecem problemas na relação entre trabalhadores e plataformas e propõem como solução desde o descanso remunerado até a regulamentação da profissão.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), o país tem 1,4 milhão de pessoas que trabalham no ramo. São, em sua maioria, homens negros, entre 19 e 30 anos, e que ganham menos de um salário mínimo por mês.
Não por acaso, os presidenciáveis já começaram a estudar medidas para incorporar em seus planos de governo. Em ato no 1º de maio, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu descanso semanal remunerado, férias e seguridade social para a classe. O petista quer se espelhar no modelo da Espanha, que, em 2021, tornou os entregadores assalariados.
O presidente Jair Bolsonaro (PL), que busca a reeleição, prepara um pacote de medidas para regulamentar a atividade. A ideia é criar uma modalidade de contrato que mantenha a flexibilidade de trabalho, mas inclua obrigações às empresas, como contribuição à Previdência. Em janeiro, o presidente sancionou um projeto de lei que forçou os aplicativos a oferecerem, na pandemia, seguro contra acidentes e assistência financeira para os infectados pela Covid-19.
Em terceiro na corrida presidencial, Ciro Gomes (PDT) defende apoiar a criação de cooperativas e de aplicativos próprios. Segundo ele, é preciso propiciar acesso a linhas de financiamento para startups do setor, além de melhorar taxas por quilômetro rodado das plataformas. Já o ex-governador João Doria (PSDB) é favorável a medidas de proteção aos profissionais e contra a oscilação de renda.
Do ponto de vista ideológico, a classe dos entregadores e motoristas de aplicativos é tida como heterogênea, não sendo viável uma adesão em massa a qualquer candidatura, afirma Rafael Grohmann, coordenador do projeto Fairwork Brasil, vinculado à Universidade de Oxford. Por isso mesmo, o segmento vem sendo disputado por diferentes espectros políticos:
— É um público que é uma síntese do mundo do trabalho no Brasil — afirma Grohmann. — E grande parte desse interesse eleitoral vem em linha com a percepção pública de que é preciso melhorar a situação desses trabalhadores que ganharam importância na pandemia. Em São Paulo, 93% acham que os aplicativos devem oferecer condições de trabalho mais justas.
Também dedicado ao assunto, Ricardo Festi, pesquisador de sociologia do trabalho da Universidade de Brasília (UnB), diz que a alta rotatividade nesse tipo de serviço torna difícil entender até as reivindicações dos trabalhadores:
— Até hoje nenhuma pesquisa conseguiu identificar uma amostra clara. Mas sabemos que há uma divisão entre um setor que defende regulação trabalhista e CLT e outro que prefere ser classificado como autônomo.
O sociólogo da UnB coordena uma pesquisa que mapeou 61 projetos de lei no Congresso focados na situação dos entregadores por aplicativo durante a pandemia e na implementação de direitos trabalhistas básicos para a categoria.
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Para o economista e pesquisador da FGV Social Marcelo Neri, o debate eleitoral pode ajudar a lançar luz sobre alguns pontos que considera crucial para as políticas públicas que envolvem trabalhadores de aplicativos.
— Há um dilema entre qualidade e quantidade de postos de trabalho. Se a legislação obriga mais direitos trabalhistas, as pessoas vão ter mais direitos, mas talvez tenham menos postos de trabalho sendo gerados. Alguns candidatos podem preferir quantidades de empregos. Outros, qualidade — analisa Neri.
A melhora na condição de trabalho dos entregadores e motoristas de app é uma discussão mundial. No Reino Unido, o Uber perdeu uma batalha na Suprema Corte, que reconheceu motoristas da plataforma não como profissionais independentes, mas sim trabalhadores que deveriam, sim, ter acesso a direitos trabalhistas. Em Nova York, seis leis passaram a favorecer a classe, que agora terá direito a um salário mínimo, além de licenças oficiais para trabalhar e acesso a banheiro dos restaurantes onde pegam a comida, demanda que também existe no Brasil.
Lula tem sido mais direto em seus acenos aos entregadores.
— Vamos ter que sentar numa mesa e regulamentar a vida das pessoas que trabalham com aplicativo, dizer que não podem ser tratados como se fossem escravos, que precisam ter direito a um programa social, assistência médica, seguro para quando bater o carro, a moto ou a bicicleta e descanso semanal remunerado porque a escravidão acabou — afirmou o ex-presidente.