Episódios desgastam Bolsonaro na ativa das Forças Armadas
O principal foi a confusão acerca da divulgação dos números da Covid-19 no país pelo Ministério da Saúde, controlado pelos militares
O desgaste do governo Jair Bolsonaro entre setores do serviço ativo das Forças Armadas cresceu na última semana.
Três fatores principais, além de questionamentos já existentes sobre a identificação dos militares com o governo, concorreram para isso. O principal foi a confusão acerca da divulgação dos números da Covid-19 no país pelo Ministério da Saúde, controlado pelos militares.
Foi visto com reserva o desempenho do interino, o general da ativa Eduardo Pazuello, por alguns de seus colegas de farda.
A decisão dos militares da pasta de seguir a ordem de Jair Bolsonaro e alterar parâmetro de contagem de mortos e de reduzir a transparência de dados foi vista como danosa às Forças.
Ao longo dos anos pós-redemocratização, pesquisas apontaram os militares como titulares da instituição mais bem vista do país, e esse patrimônio está, para muitos, sob risco. Pazuello é visto como um oficial cumpridor expedito de ordens. Assim, talvez por corporativismo, as críticas são mais centradas ao Planalto.
Outro fator de atrito foi o decreto, do Ministério da Defesa, permitindo ao Exército operar aviões de asa fixa, e não só helicópteros. O caso, divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo, provocou uma forte reação na Força Aérea, e o texto foi revogado na segunda (8).
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Parece uma discussão bizantina, mas não é. A interoperabilidade entre Forças é chave de qualquer poder armado moderno: quanto mais sobreposições de funções, pior. A Aeronáutica viu no gesto um agrado a mais ao Exército, Força de origem do capitão reformado Bolsonaro.
Os aviadores são politicamente mais distantes do governo. Eles têm apenas um ministro nominal, Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), que saiu da cota pessoal do presidente. O Exército tem 7 dos 9 ministros militares, e a Marinha tem 1, mas possui assento na Secretaria de Assuntos Estratégicos no Planalto.
Há ecos históricos aqui: Juscelino Kubitschek quase enfrentou uma revolta ao tentar acomodar aviadores e marinheiros quando comprou o porta-aviões Minas Gerais, em 1956. O navio foi encomendado para tentar apaziguar os ânimos das duas Forças contra o governo, mas só fez piorar a situação. A disputa sobre quem operaria aeronaves na embarcação só foi resolvida no ano 2000, com a reativação da operação de aviões pela Marinha.
O imbróglio atinge novamente a posição do ministro da Defesa, general da reserva Fernando Azevedo, cujo papel tem sido questionado nos meios políticos e militares. No sábado (6), ele novamente embarcou em um helicóptero militar com Bolsonaro.
Desta vez não foi sobrevoar ato golpista como no domingo anterior (31), mas sim para acompanhar o chefe em mais uma visita simbólica a uma unidade militar –o Comando de Artilharia do Exército. Azevedo foi questionado por ministros do Supremo acerca de sua conduta, e as respostas que deu foram consideradas evasivas.
Políticos de oposição dizem que essas demonstrações de suposto apoio da ativa feitas por Bolsonaro só agravam a crise política, já coalhada de rumores golpistas. Na visita a Formosa (GO), por outro lado, o presidente estava acompanhado pelo comandante do Exército, general Edson Leal Pujol.
Ele e Bolsonaro estão afastados, e o presidente cogitou removê-lo do cargo, por divergências acerca da condução da crise do coronavírus. Nas últimas visitas relâmpago do presidente a unidades do Exército, o general não estava presente.
Também participaram outros integrantes da ala militar do governo, como os generais Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), além do capitão Tarcísio de Freitas (Infraestrutura).
O terceiro item no cardápio de problemas, intensamente comentado em grupos de militares nesta terça (9), foi a revelação pelo jornal Folha de S.Paulo de que o Exército está perto de fechar um acordo com a fabricante americana de pistolas SIG Sauer.
A empresa é objeto de lobby pessoal do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Para alguns oficiais, o esforço do filho presidencial prejudica o projeto, que vinha sendo discutido desde 2018, e o contamina com suspeita de ingerência política.
A área de armas e munições, obsessão da família do presidente e objeto da promessa de Bolsonaro de armar a população, é foco de ruídos.
Cabe ao Exército regular a área, mas o presidente derrubou duas portarias de controle recentemente. Com tudo isso, a ativa mantém o alto grau de ansiedade imposto pela dinâmica política de Bolsonaro e de seus ministros egressos da caserna.
Há bastante apoio ao presidente, em especial no seu embate com decisões do Supremo, mas ele vem decrescendo à medida que aumenta a graduação do militar. Há uma preocupação, compartilhada com os integrantes da ala militar, com as crescentes manifestações de rua contra Bolsonaro.
Por um lado, uns temem que o presidente busque usar eventuais conflitos para justificar a convocação das Forças Armadas contra protestos. O tema chegou a um paroxismo na semana passada, mas Bolsonaro foi aconselhado pela ala militar a baixar a fervura, apesar de aqui e ali acusar ativistas contra seu governo de radicalismo.
Para os generais do governo, a prioridade é estabilizar o quadro político, uma vez que por ora o apoio do centrão está sendo angariado com cargos. Isso remove uma ameaça mais imediata de abertura de processo de impeachment, neste momento.
Há também entre os fardados o temor da radicalização em si, já que faz parte da mentalidade militar a preocupação constante com cenários de contingência. Isso tem sido minimizado por governadores, segundo os quais os atos por ora estão sob controle e suas polícias, em que pese a decantada simpatia da categoria pelo bolsonarismo, trabalhando normalmente.
O teste do domingo passado (7) transcorreu com atos limitados e sem complicações. Isso animou, por sua vez, oposicionistas, que esperam que uma onda maior contra o presidente se forme se houver um arrefecimento na pandemia do novo coronavírus nos próximos meses.