Equipe de transição aponta ligação de indicado por Dino para secretaria com massacre do Carandiru
Flávio Dino afirma que Nivaldo César Restivo, escolhido para a Secretaria Nacional de Políticas Penais, não estava no presídio no dia da chacina e que acusações precisam ser comprovadas
Os integrantes do grupo de transição encarregado de discutir a segurança pública no país criticaram duramente, em uma carta enviada ao futuro ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB-MA), a nomeação do coronel Nivaldo César Restivo para a Secretaria Nacional de Políticas Penais.
A equipe aponta relação de Restivo com o massacre do Carandiru — como é conhecida a chacina, ocorrida em 1992, que causou a morte de mais de uma centena de presos — e afirma que Dino errou ao indicá-lo.
"Tomamos a liberdade de manifestar o constrangimento, decepção e vergonha que sentimos como integrantes desse grupo", diz um trecho da carta.
A crise envolvendo a indicação do coronel é a segunda polêmica em torno das escolhas feitas por Flávio Dino para o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Na quarta-feira, o futuro ministro recuou da nomeação de Edmar Camata para o posto de diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), após a revelação de que o policial rodoviário defendeu em postagens nas redes sociais a prisão do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018, e a Operação Lava-Jato.
A indicação havia aberto uma crise com aliados, principalmente do grupo de advogados Prerrogativas, crítico à Lava-Jato.
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Procurado, Flávio Dino informou, por meio de sua assessoria, que o coronel não estava no dia do massacre no Carandiru. Segundo ele, Restivo era tenente do Choque, na parte de logística, na época. "O futuro ministro não recebeu, até o presente momento, documentos ou cartas. Quando tais documentos forem efetivamente enviados, acompanhados de argumentos e comprovações das alegações, eles serão analisados para uma decisão", informou Dino em uma nota. Procurado pelo GLOBO, Restivo não se manifestou sobre o assunto até o momento.
Em 2017, ao assumir o comando-geral da PM em São Paulo, Restivo defendeu a ação da polícia no Carandiru. Segundo o documento assinado por membros da equipe de transição, pesquisadores e entidades, para um sistema prisional marcado de violações, sendo o descaso e tortura marcas recorrentes, a escolha do coronel representa "um golpe bastante duro". Os signatários também afirmam que a passagem de Restivo pela gestão prisional paulista caminhou no sentido contrário ao que foi proposto pelo grupo de trabalho, "com declarada ojeriza à democratização da política penal".
"Não consideramos que a participação ampla no trabalho de transição tenha sido apenas uma encenação. Todos temos esperança de um governo verdadeiramente democrático e isso, necessariamente, inclui a esfera da sociedade onde, desde 1988, homens e mulheres negros e pobres, presos e seus familiares, esperam ansiosamente a chegada dos Estado democrático e de Direito. Inclusive qualquer pretensão de uma política antirracista, como tem sido propalado pelo novo governo não passará de discurso vazio se não levar em consideração a mais clara expressão do racismo brasileiro, o sistema prisional".