Logo Folha de Pernambuco

Covid-19

Especialistas criticam alteração em prontuário de pacientes admitida por diretor da Prevent

'Procedimento é incomum e incorreto', diz pesquisador da Fiocruz e ex-integrante do Ministério da Saúde na gestão Mandetta

O diretor-executivo da operadora de saúde Prevent Senior, Pedro Benedito Batista JúniorO diretor-executivo da operadora de saúde Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior - Foto: Pedro França/Agência Senado

Especialistas consultados pelo GLOBO avaliam que a prática reconhecida pela Prevent Senior de adulterar prontuários de pacientes com Covid-19 está errada e pode agravar a subnotificação.

Em depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira, o diretor da operadora de saúde, Pedro Benedito Batista Júnior, admitiu o caso ao afirmar que o código da doença era substituído no registro depois de duas ou três semanas de internação. Assim, saía a infecção por coronavírus para dar lugar a outro diagnóstico.

O código — B34.2, no caso da Covid-19 — corresponde à Classificação Internacional de Doenças (CID), que faz parte da Autorização de Internação Hospitalar (AIH). No documento, constam a identificação do paciente e os serviços realizados durante a internação. Novos registros de doença podem ser adicionados ao prontuário, mas não excluídos:

— (A omissão) é um procedimento incomum e incorreto, principalmente no contexto das doenças infecciosas. Não tem sentido suprimir o motivo da admissão no hospital — pontua o professor de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Julio Croda, que atuou no Ministério da Saúde na gestão de Luiz Henrique Mandetta.
 

Para o infectologista, a exclusão dos registros pode agravar a subnotificação de óbitos por Covid-19 nos hospitais ligados à Prevent Senior:

— (O caso pode levar a) uma subnotificação de óbitos associados à Covid, porque o que vai ser reportado é que morreu de sepse ou falência múltipla de órgãos secundária a uma infecção hospitalar, e não vai estar a causa-base que seria a Covid-19.

Para a docente da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel, os impactos são bem ruins:

— Quando você faz uma mudança, você mascara a informação. É uma informação falsa e isso vai fazer com que todas as informações do ponto de vista de saúde pública fiquem prejudicadas — declara a epidemiologista.

A descoberta da CPI sobre a omissão nos prontuários fez com que Pedro Benedito passasse de testemunha à investigado. Segundo o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), as informações obtidas serão enviadas à Procuradoria de São Paulo. 

— Tudo o que aconteceu e foi diagnosticado tem que estar registrado no prontuário. Isso não poderia. (...) Se tem diagnóstico de entrada, tem que ficar no prontuário. O prontuário não pode ser adulterado ou substituído — afirma o médico sanitarista da Fiocruz Brasília Claudio Maierovitch.

Durante o depoimento, senadores que são médicos, como Otto Alencar (PSD-BA), Humberto Costa (PT-PE) e Rogério Carvalho (PT-SE), rechaçaram a prática e acusaram Pedro Benedito de desonestidade, de mentir e de esconder óbitos pela doença. Para a mestre em Direito Público Marcela Bocayuva, que atua na área Responsabilidade Civil, as famílias das vítimas podem entrar com processo e pedir indenização:

— Do ponto de vista da responsabilidade civil, se for confirmada que essa omissão foi voluntária, ele deve indenizar. A responsabilidade civil é caracterizada quando há uma ação ou omissão voluntária e, claro, uma negligência. No caso, a omissão em pegar esses dados, violar alguns direitos ou causar algum prejuízo, fica obrigado a reparar — explica a advogada. — Aí eu te pergunto: Qual é o valor da indenização? A vida tem valor?

Entre os especialistas, há o posicionamento de que o caso poderia configurar infração sanitária ou ética. Noutro momento da sessão, o diretor da Prevent Senior declarou que o único propósito da mudança era retirar o paciente do isolamento. Em caso de morte, a Covid-19 continuaria sendo considerada a causa.

— Um absurdo sem igual. Doença não é infração civil ou penal que prescreve em determinado tempo. Isso não existe. Eles aproveitaram um tempo que é de isolamento para utilizar em interesse próprio — critica o epidemiologista e professor de Clínica Médica da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Lotufo.

Veja também

Mesmo após mobilização, candidatos apoiados por Bolsonaro perdem em eleições da OAB pelo País
ADVOGADOS

Mesmo após mobilização, candidatos apoiados por Bolsonaro perdem em eleições da OAB pelo País

'Rival' de Musk que Lula arrumou não tem internet; confira a coluna deste sábado (23)
Cláudio Humberto

'Rival' de Musk que Lula arrumou não tem internet; confira a coluna deste sábado (23)

Newsletter