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"Estamos abertos e queremos ser pragmáticos", diz eurodeputado sobre negociação entre Mercosul e UE

David McAllister, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento Europeu, cobra resposta do Mercosul à proposta de adendo ao acordo entre os dois blocos

David McAllister, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento Europeu David McAllister, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento Europeu  - Foto: Divulgação/Parlamento Europeu

O impasse em torno de novas exigências da União Europeia na área ambiental, como condições para a aprovação do acordo comercial com o Mercosul, pode ser resolvido com o diálogo. É o que afirma o eurodeputado David McAllister, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento Europeu.

Em entrevista ao Globo, McAllister cobra uma resposta do bloco sul-americano à proposta de um adendo ao acordo que, nas palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "ameaça" o Mercosul. O documento prevê sanções comerciais em caso de descumprimento das condições.

Alemão, ex-primeiro ministro da Saxônia e filiado à União Democrata Cristã, McAllister esteve no Brasil, quinta e sexta-feira, à frente de uma missão de parlamentares do bloco europeu. Ele se reuniu com diversas autoridades, incluindo o vice-presidente Geraldo Alckmin.

Depois de cumprir a agenda, qual a sua percepção sobre o Brasil ao retornar à Europa?
O Brasil já recebeu a visita do Comitê de Alto Nível da União Europeia nos últimos meses e depois uma série de outros comissários, duas delegações parlamentares e, recentemente, do Comitê de Comércio Internacional e a presidente da União Europeia (Ursula von der Leyen). Esses são sinais claríssimos de que o Brasil está de volta à cena e a União Europeia está de volta ao Brasil, com presença renovada. E aqui todos estamos ávidos para revigorar nossa parceria estratégica com o Brasil, sobretudo nos atuais tempos de tantas mudanças em termos de geopolíticas importantes. O Brasil é um país-chave não só em termos de América Latina, mas também em escala global, por isso queremos fortalecer as relações bilaterais entre a União Europeia e o Brasil.

A União Europeia apresentou um adendo ao acordo que, segundo o governo brasileiro, pode gerar sanções contra o Brasil e outros países do bloco por motivos ambientais. Isso não atrapalha?
Espero que possamos finalizar esse acordo nos próximos meses. Tivemos acordos atualizados com o México e com o Chile e, com relação ao Mercosul, agora temos diante de nós uma janela de oportunidades, porque o Brasil passará também a presidir o Mercosul. Eu diria que, decorridos 20 anos, o Brasil deve avançar e acho que, sim, devemos concluir essas negociações e fazer acontecer. Com as novas negociações que ocorreram recentemente, houve um novo impulso para lidar com as questões pendentes. A União Europeia apresentou aos parceiros uma estratégia diferente daquelas conversas que tivemos antes. Deixei muito claro, com minha presença em Brasília, que nós estamos abertos e queremos ser pragmáticos. Espero que possamos superar as questões residuais ou pendentes. Para isso, precisamos obter a adesão de todos os Estados-membros. Articular com quatro países do Mercosul já um desafio, na União Europeia somos 27 países. Em reunião com o presidente Lula, a nossa presidente deixou muito claro e patente a possibilidade de ouvir o Mercosul sobre aquilo que pode ser aperfeiçoado e ver com nós poderíamos dar outra competência, mas para tanto precisamos de uma resposta. Quanto mais rápido obtivermos uma resposta, poderemos encontrar soluções.

Quando o senhor falou em pragmatismo, significa que o bloco europeu está aberto a negociar esse texto adicional?
Sim, apresentamos a nossa proposta e agora estamos esperando uma contraproposta, que esperávamos isso ocorresse na reunião com os principais negociadores em maio último, mas precisamos adiar a apresentação. Sei o quanto é difícil, talvez seja mesmo preciso um pouco mais de tempo para formular uma decisão.

O governo brasileiro reclama de alguns termos da lei, aprovada na UE, que proíbe a importação de produtos de áreas demarcadas. Isso também pode ser negociado?
Como eu disse, as portas estão abertas para conversas. Acho que seria conveniente esperar. Sou contra quaisquer tipos de barreiras ou obstáculos, porque considero contraproducente. De modo geral, no que se refere ao desmatamento, nós, em grande medida, vimos com bons olhos a liderança renovada do Brasil em matéria de clima, sobretudo no que se refere à biodiversidade. O presidente Lula colocou a política no cerne de sua agenda de trabalho, observando o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal, enfrentando esse desafio global. E a presidente Von der Leyen também deixou claro que, de nossa parte, vamos apoiar o Brasil nesse enorme desafio, mediante a revitalização do Fundo da Amazônia. Os Estados Unidos também contribuirão. Um recado que recebi foi para não ficar somente em Brasília e ir também à Amazônia. E nos disseram também que 30 milhões de habitantes vivem na região amazônica e que o governo Lula também tem a preocupação a respeito dessa população.

Essa preocupação demonstrada pelo governo Lula com os povos indígenas, com o combate ao garimpo e ao desmatamento ilegais contam a favor do Brasil?
A União Europeia recebeu muito bem e viu com bons olhos as propostas do presidente Lula e outras decisões, estabelecendo inclusive o Ministério de Povos Originários, criando reservas indígenas e mesmo com relação à mineração extensiva e extração madeireira, o que tem colocado em risco as terras indígenas. Espero firmemente que isso será eliminado em breve.

Qual a sua opinião sobre a proposta do presidente Lula de criar um grupo de paz para acabar com a guerra na Ucrânia?
O dia 24 de fevereiro de 2022 foi uma data que mudou tudo na Europa. A agressão da Rússia à Ucrânia começou uma guerra injustificada. Houve a invasão de um país e, mais do que isso, houve um ataque fundamental contra a arquitetura de paz e segurança europeus. A Rússia violou vários princípios estabelecidos na Europa a partir de 1945, principalmente aqueles que dizem respeito à soberania e integridade territorial dos países da Europa. O fato é que essa guerra compromete o futuro da ordem internacional baseada em regras, em especial para o mundo globalizado do século 21. Essa ordem internacional possui salvaguardas que protegem pequenos e médios países. Se aceitarmos a regra do mais forte, então isso estabeleceria um precedente que influenciaria e moldaria a liberdade de outras regiões do mundo. Por isso, vemos com bons olhos todos os esforços, inclusive vindos do Brasil, para contribuir com a paz. O Brasil talvez seja o único país do Brics a se envolver nessa questão. Nós, e também outros aliados, como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Japão, Coreia do Sul, Nova Zelândia, só para citar alguns, continuaremos a pressionar a Rússia para retirar seus equipamentos do território soberano da Ucrânia e, por outro lado, estamos apoiando a Ucrânia econômica e financeiramente. Há vários planos de paz circulando por aí. Um deles foi apresentado pelo presidente da Ucrânia e plenamente abraçado pela União Europeia . É simples: russos, saiam da Ucrânia, porque vocês não foram convidados. As forças armadas russas são responsáveis pelo bombardeio de infraestrutura civil, casas, hospitais, escolas, o que nos lembra os capítulos mais tenebrosos da História europeia, que espero nunca mais possamos viver. E espero que o povo ucraniano possa viver em paz, da mesma forma que os brasileiros, os alemães e os canadenses.

Qual a expectativa em torno da Cúpula de líderes da União Europeia e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) no mês que vem, em Bruxelas, levando em conta a presença dos presidentes da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua.
Tenho uma postura crítica quanto aos atuais regimes de Venezuela, Cuba e Nicarágua – não se surpreenda, sou conservador. Sei que a maioria dos países da América Latina e Caribe são democracias, coexistem com o Estado de Direito. Digo isso porque compartilhamos dos mesmos valores. Essa é a grande diferença entre a Europa e países como a China e a Rússia, porque lá não têm eleições, as pessoas nunca escolhem os seus presidentes. No Brasil, na Alemanha, na França, as pessoas são consultadas, vão lá marcar o X, fazer a sua escolha de liderança e é por isso que a América Latina e Caribe são nossos parceiros naturais.

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