Eu temo o já ganhou na minha campanha, mas o já perdeu é ainda pior, diz Bruno Covas
Ele confirma a intenção de formar uma coalizão de centro 'contra os extremos de 2018', Jair Bolsonaro e o PT
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), considera que há um grande risco no clima de já ganhou que marca sua tentativa de reeleição em novembro.
Mas aponta algo pior: "O clima de já perdeu". Ele foi ungido candidato no sábado (12), e concedeu a seguinte entrevista por Zoom neste domingo (13).
Nela, o prefeito relativiza o grande peso da articulação que uniu PSDB, DEM e MDB em torno de sua chapa, que visa a organizar a candidatura presidencial em 2022 do governador tucano João Doria (SP), de quem Covas foi vice na chapa eleita em 2016.
"Eleitor quer saber de questões locais", disse. Ele confirma a intenção de formar uma coalizão de centro "contra os extremos de 2018", Jair Bolsonaro e o PT. Critica o presidente, mas diz que não vê riscos à democracia –um aceno ao eleitorado conservador.
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Em tratamento contra um câncer no trato digestivo e nos linfonodos, Covas, 40, afirma que a saúde está em ordem.
"Estou totalmente autorizado pelos médicos para tocar minha vida."
Sua prioridade, se reeleito, serão investimentos sociais no cenário pós-pandemia. Ele aponta a necessidade de aumentar a assistência, por exemplo, à população em situação de rua.
PERGUNTA - A eleição em São Paulo sempre é muito nacionalizada. Desde que o MDB e o DEM se descolaram do centrão, começou uma articulação maior que passou pela montagem de sua chapa. Isso coloca para o eleitor uma disputa prévia entre Doria e Bolsonaro. O eleitor paulistano votou no Bolsonaro há dois anos. Como o sr. vai conversar com ele?
BRUNO COVAS - As eleições na cidade de São Paulo têm reflexos nacionais. Sempre se fazem leituras de candidaturas presidenciais, aglutinação de forças. Só que a decisão do eleitor é em cima de questões locais.
Ele não está preocupado com quem vai ser candidato em 2022. Ele está preocupado com o remédio no posto de saúde, com o ônibus que passa ou não no ponto perto da casa dele, com a vaga em creche.
O resultado da eleição é que pode ter reflexos para os dois anos seguintes. Mas, se pegar o histórico, não há uma relação muito forte.
Em 2014, o candidato Geraldo Alckmin [PSDB] foi eleito governador no primeiro turno. Ainda assim, quatro anos depois, ele não teve 10% dos votos no estado de São Paulo [para presidente].
Esse eleitorado conservador está órfão, não? O sr. tem algo a dizer a ele?
BC - Nós temos um programa arrojado de desestatização. Fizemos mais que o governo federal. Temos uma agenda liberal importante. Mas você não desestatiza por desestatizar. Você faz isso para investir na área social.
Sua aliança tem dez partidos. Há um pouco de tudo lá, partidos da base do governo Bolsonaro, opositores. O sr. sempre se colocou no espectro da centro-esquerda do antigo PSDB. Como vê essa salada ideológica?
BC - Nós temos um programa de metas e teremos um de governo. Não temos uma geleia geral para resolver depois. Temos metas estabelecidas. Nenhum problema ideológico terá de ser resolvido em janeiro, está sendo resolvido agora.
Como o sr. vê o peso relativo do DEM na cidade, notadamente o do [vice-presidente da Câmara] Milton Leite?
BC - O DEM é parceiro de primeira hora, em 2016, em 2018. É natural que ele tenha espaço representativo. Eu sempre escuto que o PSDB não divide espaço quando governa.
Sobre o PSDB, dois símbolos dele em São Paulo, Alckmin e o senador José Serra, estão com problemas judiciais. O sr. acha que pode haver influência disso na eleição?
BC - Não. O candidato a prefeito sou eu, nenhum outro nome do PSDB ou de outro partido.
A pulverização de candidaturas neste ano acabou, pelo fato de o sr. estar no cargo, apontando um certo favoritismo. Teme um clima de já ganhou na sua campanha?
BC - Claro que eu temo. O clima de já ganhou é o segundo pior clima que uma campanha pode ter.
E qual o pior?
BC - É o de já perdeu [risos].
Adversários dizem que o sr. tem inapetência para a gestão. Sua candidatura é uma resposta a isso?
BC - Minha vida é uma resposta. Vim para São Paulo com 14 anos, estudei, vim morar com meu avô [o governador Mário Covas, morto em 2001 no cargo] porque queria ser político. É o que eu gosto e me motiva. Imagina [se], agora que cheguei ao momento mais importante da minha vida, não quero continuar. Não tem nenhum sentido uma leviandade dessas.
O sobrenome pesa ou estimula?
BC - Parente de político é como parente de cantor. Ajuda a lançar o primeiro CD, mas para levar o povo ao show precisa saber cantar. Talvez numa primeira eleição, foi 100% por causa dele. Mas estou indo para a minha quinta eleição.
Se o sr. for eleito, isso será o primeiro passo para a montagem de uma frente contra Bolsonaro, como disse a ex-prefeita Marta Suplicy?
BC - Independentemente da minha eleição, vamos ter uma frente em favor da democracia.
Para evitar um segundo turno como tivemos em 2018, em que dois extremos se colocaram, e um precisa do outro. Há espaço para o centro político.
O sr. acha que o presidente é uma ameaça à democracia?
BC - Acho que não. As instituições estão muito arraigadas. A população sabe da importância da democracia. Agora, não é por isso que tem de ter alguém que tem um discurso contrário, inclusive negando a ditadura militar.
Adversários como Márcio França (PSB) já disseram que vão bater no Doria. O sr. não teme ter de responder não só pela sua gestão, mas também pela do governador?
BC - Olha, cada um tem sua estratégia. Eu não vou comentar a dos outros candidatos. A minha é focar no que eu fiz e no que eu quero fazer nos próximos quatro anos.
Qual é sua prioridade?
BC - Investimento na área social. Sempre foi, e agora é mais importante porque a crise sanitária trouxe uma crise econômica e social. A explosão de moradores em situação de rua, a quantidade de doenças que devem ficar devido à pandemia, problemas respiratórios, de saúde mental. A recuperação pedagógica das crianças que ficaram sem aula.
A prefeitura tem de entrar com mais qualificação profissional, geração de emprego e renda.
A pandemia obviamente dominou a administração pública nos três níveis. Como o sr. avalia o seu trabalho nela?
BC - Os dois hospitais de campanha tiveram um papel importante a cumprir quando mudamos o protocolo de atendimento [começar a tratar casos leves, não só graves].
Todo mundo que buscou atendimento em São Paulo foi atendido. Distribuímos 1,8 milhão de cestas básicas, aumentamos vagas nos abrigos, dobramos os consultórios nas ruas.
A cidade tem se saído de forma positiva. Estamos tratando de flexibilização há três meses sem um segundo pico.
Houve inconstância na questão da mobilidade, não? A questão da redução da frota de ônibus e o vaivém do rodízio.
BC - A frota a gente foi tratando para nem explodir o número de pessoas no ônibus, nem o subsídio. Fomos adaptando. Hoje temos algo em torno de 56% da demanda, com 85% da frota operando. Ainda assim, devemos ter um subsídio extra de R$ 1 bilhão neste ano.
O rodízio cumpriu seu papel. Se você verificar a taxa de isolamento, ela vinha com dados decrescentes, quando a gente conseguiu reverter a tendência e três semanas depois começou a falar em reabertura.
O sr. citou a questão do subsídio do transporte. Acha que há espaço para rever contratos?
BC - Nós fizemos isso nesses quatro anos. Pegamos o subsídio na casa dos R$ 3 bilhões e íamos deixar em R$ 2 bilhões, mas vamos ter de deixar no patamar anterior por causa da diferença entre demanda e oferta. Não dá para tirar tudo de uma hora para a outra, aumentar a tarifa para R$ 8. É inviável. Foi uma escolha feita ao longo do tempo.
E as escolas? Não acaba passando uma impressão contraditória mantê-las fechadas enquanto a cidade caminha para a reabertura?
BC - É incomparável. Educação é mais importante. Só de alunos, são 2,5 milhões nas redes públicas e na privada.
É mais difícil aplicar metodologia de uso de máscara e distanciamento para crianças de cinco anos de idade do que em shoppings com adultos.
A quantidade de casos de infecção assintomáticos entre crianças é muito maior do que entre os adultos.
Quando tivermos a tranquilidade de que não haverá uma explosão de casos por conta da volta às aulas, autorizamos. Temos recebido pressão muito grande das escolas particulares e dos pais. Eu entendo o anseio, também sou pai. Mas eu cuido de 12 milhões de pessoas.
Cite um erro e um acerto de sua gestão.
BC - Eu deixo a lista de erros para os adversários. Mas não nos omitimos. Posso ter várias caras, mas não a de um omisso. A prefeitura tomou decisões baseada em dados disponíveis. Tivemos o empréstimo de US$ 100 milhões [R$ 540 milhões] do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], com contrapartida igual, para a área da saúde.
Isso foi importante num momento como esse. Pudemos avançar nas obras do hospital da Brasilândia, o de Parelheiros. Imagina passar a pandemia como Nova York, onde as pessoas não conseguiam fazer teste [de Covid-19]?
Bruno Covas, 40
Advogado pela Universidade de São Paulo e economista pela Pontifícia Universidade Católica de SP, é neto do governador Mário Covas (PSDB, 1930-2001), que o iniciou na política quando ele se mudou para São Paulo, aos 14 anos. Sua primeira incursão na vida pública foi como candidato a vice na chapa derrotada do PSDB à Prefeitura de Santos, sua cidade natal, em 2004. Depois, assessorou a liderança do governo Geraldo Alckmin na Assembleia Legislativa. Foi então deputado estadual (2007-11), secretário estadual de Meio Ambiente (gestão Alckmin, 2011-14), deputado federal (2015-17), vice-prefeito paulistano na chapa liderada por João Doria (2017-18) e prefeito (2018-20). É candidato à reeleição numa coligação do PSDB com DEM, MDB, Podemos, PSC, PP, PL, PROS, Cidadania e PV, que vem sendo especulada como um embrião de aliança nacional visando a articular uma candidatura do hoje governador tucano Doria à Presidência da República em 2022. Divorciado, o prefeito tem um filho.