BRASIL

Ex-ministro "garantista" do STF e próximo ao PT: a trajetória de Ricardo Lewandowski

Considerado por Lula seu "maior acerto para o Supremo", ex-magistrado da Corte é visto como conciliador e solução de consenso para a pasta

Lula e LewandowskiLula e Lewandowski - Foto: Evaristo Sá/AFP

Com mais de 34 anos na magistratura, Ricardo Lewandowski, dizia em abril deste ano, pouco antes de se aposentar do Supremo Tribunal Federal (STF), que não gostaria de parar de trabalhar. Aos 75 anos, passou a atuar como advogado na iniciativa privada logo após pendurar a toga. Nove meses depois, volta a assumir um cargo público ao ser escolhido para comandar o Ministério da Justiça e Segurança Pública, um dos mais estratégicos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

O perfil conciliador do magistrado foi visto pelo governo como solução de consenso em torno do cargo na pasta, que ficou vago com a indicação de Flávio Dino para o STF. A substituição no ministério se tornou motivo de embate entre PT e PSB. Nomes como o da presidente petista, Gleisi Hoffmann, e do secretário-executivo, Ricardo Capelli, chegaram a ser cogitados, mas foram preteridos diante de resistências de lado a lado.

A escolha para o Ministério da Justiça ocorre em cenário menos conturbado que a nomeação ao STF, em 2006, logo após o escândalo do mensalão. A indicação de Lewandowski foi criticada na época por sua proximidade com setores do PT e sua relação pessoal com a então primeira-dama, Marisa Letícia. A mãe do ministro, Karolina, era amiga da mãe da ex-mulher de Lula, morta em 2017.

No ano seguinte que assumiu o cargo no STF, foi alvo de polêmica após afirmar, em uma conversa telefônica, que estava "com a faca no pescoço" ao analisar a denúncia do mensalão, escândalo de corrupção que abalou o primeiro mandato de Lula. A declaração, captada pela colunista Vera Magalhães, do GLOBO — à época no jornal Folha de S. Paulo —, caiu como uma bomba no tribunal, que acabou por aceitar a ação contra a cúpula do PT e, mais tarde, condenou a maioria dos réus.

Ao assumir a Justiça, Lewandowski traça um caminho semelhante ao de Nelson Jobim, que após deixar o STF, em 2006, comandou o Ministério da Defesa, também no governo de Lula, entre 2007 e 2011.

O novo ministro da Justiça entrou na magistratura por indicação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Judiciário de São Paulo. Integrou o extinto Tribunal de Alçada de São Paulo. Entre 1984 e 1988, foi secretário de Governo e Assuntos Jurídicos em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, onde Lula fez carreira política. A interlocutores, Lula sempre disse que o nome de Lewandowski foi seu maior acerto para o Supremo.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) desde 1982, o ministro preside atualmente o Conselho Jurídico da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e foi indicado pelo governo federal para o cargo de árbitro do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul.

Em setembro de 2023, em entrevista ao GLOBO, o ministro aposentado afirmou ser favorável à discussão sobre mandatos para ministros do Supremo, para evitar permanências de décadas em tribunais superiores — cenário que comparou a uma "aristocracia". Embora não tenha defendido a ideia a Lula, disse entender que em uma República, todos os cargos públicos são temporários.

"Um mandato, a meu ver, de 10 ou 12 anos, seria uma fórmula para permitir que os juízes refletissem esta visão da sociedade. A periodicidade é uma regra na República. Então, se nós imaginarmos que alguém pode entrar com, teoricamente, 35 anos em um tribunal superior e sai com 75, são 40 anos, é quase que uma aristocracia" disse ele na ocasião.

Com trânsito entre diferentes setores do mundo jurídico e na política, Lewandowski no papel de ministro da Justiça pode exercer um papel semelhante no governo ao que teve Márcio Thomaz Bastos, que ocupou a pasta no primeiro mandato de Lula e foi um dos principais conselheiros jurídicos do presidente, além de ser visto como um ator discreto e com boa interlocução junto ao Supremo.

Durante sua atuação no STF, Lewandowski ganhou o rótulo de “garantista” por defender, por exemplo, que condenados possam recorrer em liberdade até o último recurso judicial.

Foi ele quem, em 2018, deu um habeas corpus coletivo para todas as mulheres presas grávidas e mães de crianças com até 12 anos de idade. Seguindo o posicionamento de Lewandowski, os ministros estenderam a decisão às adolescentes em situação semelhante do sistema socioeducativo e mulheres que tenham sob custódia pessoas com deficiência.

"São mais de 2 mil pequenos brasileirinhos que estão atrás das grades sofrendo indevidamente contra o que dispõe a constituição a agruras do cárcere" disse ao votar.

Enquanto presidiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi responsável por implementar no Brasil as audiências de custódia, que consistem na apresentação de qualquer preso, em 24 horas, a um juiz, com o objetivo de diminuir o encarceramento em massa.

Relator da ação que questionava a constitucionalidade das políticas de cotas raciais nas universidades, Lewandowski foi enfático ao dizer, durante julgamento em 2012, que as políticas de ação afirmativa estabelecem um ambiente acadêmico plural e diversificado, a fim de superar distorções sociais historicamente consolidadas. Além disso, o ministro reafirmou o papel integrador da universidade na formação dos futuros profissionais.

"Não raro a discussão é reduzida à defesa de critérios objetivos de seleção, isonômicos e imparciais, desprezando-se as distorções que podem acarretar critérios ditos objetivos de afirmação. Quando aplicados a uma sociedade altamente marcada por desigualdades, acabam por acirrar as distorções existentes (...) ensejando a perpetuação de uma elite" afirmou na ocasião. Depois, seguindo o posicionamento do ministro, o STF validou a política de cotas adotada, na época, pela Universidade de Brasília (UnB).

Na pandemia, foi o responsável pela decisão que autorizou os estados, os municípios e o Distrito Federal a importar e distribuir vacinas contra a Covid-19 registradas por pelo menos uma autoridade sanitária estrangeira e liberadas para distribuição comercial nos respectivos países, caso a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não observasse o prazo de 72 horas para a expedição da autorização.

Foi também o ministro quem relatou a ação que fixou que a vacinação contra a Covid-19 é obrigatória, sendo permitidas restrições para quem não se vacinasse. No ano passado, durante evento realizado nos Estados Unidos, Lewandowski ressaltou o papel de enfrentamento adotado pelo Supremo durante momentos críticos da pandemia no Brasil.

"O Supremo Tribunal Federal, em um momento de paralisia, de inércia, das autoridades públicas, teve o papel de apontar caminhos a serem seguidos pelo governo federal, pelos governos estaduais e municipais, para o enfrentamento da pandemia, evitando que a crise sanitária ganhasse proporções maiores" disse.

Foi ainda de relatoria de Lewandowski o recurso no qual o STF proibiu a prática de nepotismo, determinando que a contratação de parentes de autoridades para o exercício de cargos públicos viola a Constituição.

Um dos principais críticos dos métodos da Lava-Jato no Supremo, Lewandowski foi responsável por decisões que acabaram pavimentando o caminho para a anulação das condenações de Lula. É o caso do pedido que levou ao acesso às mensagens entre procuradores e o então juiz Sergio Moro. Em 2022, determinou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar o caso conhecido como "Torre Pituba", ação com maior quantidade de réus da Lava-Jato do Paraná.

Em 2016, como presidente do STF, coube a ele presidir o julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff no Senado Federal.

A votação fatiada do impeachment de Dilma Rousseff já foi duramente criticada por Gilmar Mendes, que considerou o formato da votação algo, “no mínimo, bizarro”, que “não passa na prova dos 9 do jardim de infância do direito constitucional”. O Senado cassou o mandato de Dilma, mas manteve o direito da petista de exercer funções públicas.

Ao final do julgamento, conseguiu fazer votações separadas para o afastamento da presidente e a cassação dos seus direitos políticos, o que possibilitou que ela se mantivesse elegível. Na ocasião, a medida passou a ser alvo de críticas, inclusive de outros membros do Supremo, como o ministro Gilmar Mendes. No dia seguinte à sessão do Senado, o então presidente do TSE disse que o fatiamento foi "no mínimo bizarro". A divergência chegou a gerar um bate-boca entre os ministros em uma sessão feita três meses depois:

"Vossa Excelência, por favor, me esqueça!" afirmou Lewandowski ao colega, em uma frase que se tornou célebre.

Durante um voo comercial de São Paulo para Brasília em 2018, Lewandowski foi atacado por um passageiro que gritou para o ministro que o Supremo era "uma vergonha". O homem precisou prestar esclarecimentos à Polícia Federal. No mês de março, o ministro foi vítima de outro episódio envolvendo uma aeronave. Desta vez, uma passageira que passou a fazer ofensas "em nome de Deus". Lewandowski não reagiu.

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