Ex-mulher de Bolsonaro movimentou R$ 9,3 milhões e realizou "transações atípicas", diz PF
Ana Cristina Valle nega qualquer irregularidade e diz que Coaf 'mentiu e praticou fraude'
A candidata a deputada distrital Ana Cristina Valle (PP-DF), ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, movimentou R$ 9,3 milhões em operações financeiras entre março de 2019 e janeiro de 2022 e realizou transações atípicas, aponta a Polícia Federal ao analisar um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de combate à lavagem de dinheiro.
O documento foi utilizado para fundamentar um pedido à Justiça Federal para investigar uma transferência bancária realizada por Ana Cristina na compra de uma mansão em Brasília avaliada em R$ 2,9 milhões.
Desses recursos movimentados pela ex-mulher de Bolsonaro, segundo análise da PF, a maior parte ocorreu entre junho de 2019 e junho de 2021, sendo registradas transações em sua conta bancária que somaram R$ 4,2 milhões em crédito (entrada) e R$ 4,3 milhões em débitos (saída).
Nesse período, Ana Cristina trabalhou como assessora do vereador Renan Marassi (PL) na Câmara de Vereadores de Resende (RJ), com remuneração de R$ 6,2 mil, e como auxiliar parlamentar da deputada federal Celina Leão (PP-DF) em Brasília, com salário de R$ 8,1 mil. Em junho deste ano, a advogada deixou o seu cargo no Congresso para concorrer a deputada distrital.
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Para a Polícia Federal, o fluxo financeiro na conta da ex-mulher de Bolsonaro é aparentemente incompatível com a sua principal fonte de renda. Com base nessa suspeita, os investigadores pediram autorização judicial para apurar como a advogada adquiriu um imóvel localizado em uma região nobre da capital federal.
Procurada pelo Globo, a candidata a deputada negou a movimentação financeira milionária, disse que "o Coaf mentiu e praticou fraude" e que pedirá a abertura de investigação contra o órgão. "Não existe nada do que alegaram. Nunca recebi estes milhões em minha conta e provo. Fui ao meu banco e descobri que não existiu nenhuma comunicação de movimentação financeira atípica para o Coaf. Criaram esta mentira apenas para iniciarem um inquérito na Polícia Federal contra mim sem justa causa com o objetivo de prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro", afirmou Ana Cristina em mensagem.
"Invadiram minha conta e quebraram meu sigilo bancário ilegalmente. Nada encontraram e falsificaram informações, enganando a todos. Nada existe e desafio eles a mostrarem as comunicações financeiras de movimentação atípica ou mesmo um simples extrato bancário com estes valores alegados por eles falsamente", complementou.
O relatório financeiro do Coaf também considerou atípico um cheque no valor de R$ 978 mil depositado na conta de Ana Cristina. O órgão citou ainda uma operação de crédito referente a um investimento de R$ 600 mil realizado pela advogada na bolsa de valores em outubro de 2020 e o resgate R$ 300 mil de um plano de previdência. O documento, porém, não expõe detalhes das operações, pois não se trata de uma quebra de sigilo bancário, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Ligado ao Banco Central, o Coaf recebe informações do mercado sobre transações financeiras consideradas atípicas como saque em espécie e movimentações superiores à renda declarada. Após processar esses dados, o órgão produz um relatório sem detalhar as operações. O documento pode ser compartilhado com autoridades como o Ministério Público e a Polícia Federal, responsáveis por investigar eventuais crimes e por pedir autorização à Justiça para obter a quebra de sigilo bancário.
O relatório do Coaf sobre a ex-mulher do presidente foi anexado a um inquérito aberto pela Polícia Federal em março de 2021 para investigar Jair Renan Bolsonaro, filho de Ana Cristina com o presidente da República, pela suspeita de tráfico de influência. O jovem estudante, conhecido como "Zero Quatro", levou empresários para participar de reuniões no governo federal. A defesa de Jair Renan sempre negou as acusações e alega que não houve atuação indevida. Em seu relatório final, a PF descartou a ocorrência de irregularidades, mas decidiu pedir à Justiça a abertura de uma nova frente de apuração sobre a compra de uma mansão em Brasília por Ana Cristina. A 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal pediu uma manifestação do Ministério Público Federal sobre o caso.
Ao solicitar a instauração do inquérito, a Polícia Federal apontou a suspeita de que Ana Cristina usou um laranja para contratar um financiamento bancário para adquirir uma mansão. "Há indícios de utilização de terceira pessoa interposta para obtenção de financiamento imobiliário. Tal conduta possui alcance típico de delito contra o sistema financeiro", afirmaram os investigadores.
O contrato de financiamento da mansão, assinado por um corretor de imóveis, estabeleceu parcelas que variam entre R$ 14 mil e R$ 16 mil, a depender da taxa de juros aplicada. Uma das linhas de investigação que a PF quer aprofundar é quem está pagando esse empréstimo no valor total de R$ 2,3 milhões. O custo da dívida, segundo os investigadores, é "aparentemente incompatível com o exercício da função pública de assessora parlamentar" .
Em um vídeo divulgado na semana passada nas redes sociais, Ana Cristina afirmou que não deveria "dar satisfação" sobre a compra do imóvel.
— O que eu posso fazer? Eu tenho 30 anos de trabalho na política, sou advogada, tenho meu meio, minha fonte de renda, que eu não devo satisfação a ninguém. (...) Eu não tenho que dar satisfação pra ninguém do que eu faço — afirmou na gravação, divulgada nas redes sociais.