Faixas de atos golpistas em frente aos quartéis foram planejadas pelo Planalto, diz PF
Um documento compartilhado entre os militares intitulado como "Faixas" contém frases inscritas em retângulos com dizeres como "LIBERDADE SIM, CENSURA NÃO", "NÃO Á (sic) DITADURA DO JUDICIÁRIO" e "ILEGIBILIDADE DO LULA JÁ"
Após as eleições de 2022, unidades militares de todo o País tornaram-se pontos de referência para atos antidemocráticos, com manifestantes pedindo para as Forças Armadas agirem contra o resultado do pleito presidencial.
Ao concluir o relatório da investigação sobre uma tentativa de golpe de Estado, a Polícia Federal (PF) descobriu que as palavras de ordem que estamparam faixas e cartazes dessas manifestações foram pensadas por integrantes do próprio Palácio do Planalto. Nesta quinta-feira (21), a corporação indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 36 pessoas pela trama golpista.
A lista dos indiciados contém nomes que fizeram parte do alto escalão da gestão federal passada, como os ministros Walter Braga Netto (Defesa e Casa Civil), Anderson Torres (Justiça) e Augusto Heleno (GSI), além de aliados de confiança de Bolsonaro e militares de alta patente.
O sigilo do relatório foi derrubado nesta terça-feira, 26, pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que remeteu os autos da investigação à Procuradoria-Geral da República (PGR).
Uma conversa interceptada pela Polícia Federal mostra que, no dia 7 de novembro de 2022, o general Mário Fernandes e o coronel George Hobert Oliveira Lisboa planejaram o conteúdo de faixas que seriam utilizadas nos atos antidemocráticos. À época dos fatos, Mário Fernandes era o secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência e George Hobert, assessor da pasta, que é conhecida como a "cozinha do Planalto", dada a proximidade com o chefe do Executivo federal. Um secretário-executivo, por sua vez, é o "número 2" de um ministério.
Um documento compartilhado entre os militares intitulado como "Faixas" contém frases inscritas em retângulos com dizeres como "LIBERDADE SIM, CENSURA NÃO", "NÃO Á (sic) DITADURA DO JUDICIÁRIO" e "ILEGIBILIDADE DO LULA JÁ".
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O arquivo também conta com apelos para uma "contagem pública dos votos" e para a realização de "novas eleições para presidente". "Salve nossa democracia", diz um pedido redigido em três versões aos militares Freire Gomes, Almir Garnier e Baptista Júnior, à época dos fatos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica, respectivamente.
Da conversa entre George Hobert e Mário Fernandes, também foram interceptados detalhes sobre a elaboração de um flyer para convocar manifestantes a estarem na frente dos quartéis. Foi apreendida a imagem de um croqui do folheto e uma montagem do flyer já elaborado. As provas coletadas indicam que um terceiro foi o responsável pela confecção do material. "Excelente, Hobert Ficou padrão, cara. Parabenizo o teu camarada lá, o moleque", diz Fernandes em uma mensagem de áudio.
Segundo a PF, a presença de manifestantes em frente a instalações militares era um fator-chave para a criação de um "ambiente propício" para a ruptura institucional.
"O grupo investigado, liderado por Jair Bolsonaro, à época presidente da República, criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do País desde o ano de 2019, com o objetivo de sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral", diz o relatório ao indiciar o ex-presidente. Incitados por essa falsa realidade, segundo a PF, os seguidores do então mandatário seriam estimulados a "‘resistirem’ na frente de quartéis e instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o golpe de Estado".
Em entrevista no Aeroporto de Brasília na segunda-feira, 25, Jair Bolsonaro rechaçou que tenha cogitado dar um golpe e disse que, após a derrota eleitoral, pensou nas "medidas possíveis", mas "dentro das quatro linhas". "Ninguém vai dar golpe com um general da reserva e meia dúzia de oficiais. Da minha parte nunca houve discussão de golpe", afirmou o ex-presidente.
O advogado Raul Livino, responsável pela defesa de Mário Fernandes, afirmou ao Estadão que ainda não teve acesso ao inquérito e que considera a prisão cautelar do general despropositada. A reportagem não localizou a defesa de George Hobert Lisboa. O espaço segue aberto.